Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 510 | Janeiro/Fevereiro de 2021 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

“Maior desafio será entender e utilizar os conhecimentos do manejo biológico do solo e das lavouras”

Cassio Tormena, professor e pesquisador da Universidade Estadual de Maringá (UEM)

“ A estrutura do solo comanda vários processos importantes para a fertilidade do solo e para a produção agrícola. Um bom manejo estabelece um sistema de produção de melhor qualidade.” A afirmação é do professor e pesquisador da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Cassio Antonio Tormena. Ele tem experiência em agronomia, com ênfase em física do solo, atuando principalmente nas seguintes áreas: manejo físico do solo, qualidade física do solo, propriedades físicas do solo, funções de pedotransferência, plantio direto e compactação do solo. Cassio é o entrevistado do mês na Revista Coamo.



RC: A estrutura do solo é componente essencial da fertilidade?

Cassio Antonio Tormena: A estrutura do solo comanda vários processos importantes para a fertilidade do solo e para a produção agrícola. Um bom sistema de manejo estabelece um sistema de produção de mais qualidade, como solo mais poroso, promovendo maior infiltração, mais disponibilidade de água e crescimento radicular mais prolífico. Com isso, as raízes ficam mais efetivas e exploram várias camadas e, consequentemente, tem mais acesso à água e nutrientes no perfil do solo. A estrutura influência em todo o processo de produção, modulando as propriedades físicas do solo favorecendo inúmeros processos, destacando a oxigenação e a habilidade de a raiz crescer. Temos uma agricultura intensivamente mecanizada, com máquinas que aumentaram de tamanho e de peso. A pressão que elas aplicam sobre o solo altera a sua estrutura por meio da compactação do solo. A compactação impacta na porosidade e nas condições para movimentação de água e ar no solo, com reflexos no crescimento das raízes e das plantas. Sem um sistema radicular bem desenvolvido e saudável não é possível aproveitar todos os nutrientes que aplicamos por meio das práticas de correção e adubação. Vários são os processos que levam a degradação do solo, como a compactação e redução da matéria orgânica, e os agricultores devem adotar práticas que possam regenerar a estrutura e proporcionar condições mais favoráveis para as suas lavouras. Se bem manejado, o solo é capaz de se recuperar dos estresses e manter a estrutura funcional. Sob boas condições estruturais e com um bom programa de manejo da fertilidade teremos lavouras mais resilientes aos estresses que acontecem durante o desenvolvimento delas e, principalmente, nas fases mais importantes que determinarão a produtividade final. O manejo da estrutura do solo é sinônimo de agricultura moderna, que se estabelece num conceito integral de fertilidade. A genética trouxe materiais, cada vez mais produtivos, mas que são altamente exigentes de um solo com melhor qualidade. Com isso, o manejo estrutural requer mais conhecimento e habilidade dos produtores e dos técnicos em conduzir ações que levam a manutenção e melhoria da condição estrutural e física do solo.



RC: Qual o impacto e resultado da correta utilização do manejo do solo?

Tormena: Um bom manejo do solo promove condições físicas, químicas e biológicas adequadas para as culturas e faz com que todo o potencial genético para elevadas produtividades possa ser, realmente, materializado. A tecnologia proporcionou cultivares altamente produtivas e isso foi uma revolução na agricultura. Por outro lado, os materiais exigem solos de boa qualidade para que todo esse potencial seja manifestado. O ciclo das culturas estão, cada vez mais curtos e as plantas demandam em pouco tempo que o solo ofereça todas as condições para que ela possa se desenvolver e executar todas as funções para que tenhamos boas produtividades. Um bom sistema de manejo reduz os riscos de estresses, principalmente, do que chamamos de estresses abióticos que são aqueles relacionados ao clima e que afetam mais seriamente a produtividade das culturas. As secas que acontecem nas fases críticas das culturas podem ter seus efeitos atenuados garantindo mais produtividade às lavouras. Plantas que alcançam mais produtividade depositam mais resíduos na superfície do solo e mais raízes e matéria orgânica no perfil do solo. Com isso, teremos um solo funcionando melhor porque recebe todo o aporte necessário para que tenha atividade biológica compatível e processe a ciclagem de nutrientes e a proteção da estrutura do solo. É preciso ressaltar que um bom sistema de manejo propicia a estabilização da produção agrícola, o que permite também uma melhor estabilidade financeira do empreendimento agrícola. Temos os aspectos agronômicos, econômicos, financeiros e os ambientais que podem ser impactados positivamente pela correta utilização de um sistema de manejo de solo sustentável.



RC: Quais os aspectos a serem melhorados no Manejo do solo?

Tormena: No Brasil, especificamente no Paraná, desenvolvemos sistemas de produção eficientes e capazes de manter condições do solo produtivo e estruturado porque aprendemos como é que se faz isso, como é que se faz o manejo do solo. E obviamente que o aprendizado não para. O manejo de solo exige aprimoramento constante das práticas utilizadas. Alguns aspectos importantes já utilizamos e estamos aprendendo a cada dia. Temos que intensificar a utilização de sistemas de produção mais diversificados para que possamos desenvolver condições de manter o solo coberto seja com planta viva ou cobertura de resíduos. Sistemas diversificados propiciam solos mais saudáveis e, portanto, plantas mais saudáveis. O foco de melhoria é olhar para a qualidade do solo, que chamamos de saúde do solo. Só tem saúde quem é vivo, então o solo é um ser vivo e a pergunta que devemos fazer sobre os aspectos do manejo solo a serem melhorados é como que estou tratando esse ser vivo? O que eu estou oferecendo para que o solo continue vivo e saudável? O foco é manter o solo coberto e explorado com raízes diversificadas. Uma questão básica de nutrição de qualquer ser vivo é ter diversidade na composição alimentar. É importante que tenhamos diversidade de culturas inseridas no sistema de produção. É um aprimoramento constante e, logicamente, que deve estar atrelado com o monitoramento das condições de fertilidade para que a possamos repor aquilo que é exportado. Os produtores têm que olhar com mais frequência para a análise de solo. É preciso ter todos os aspectos de fertilidade corrigidos e atendidos e é importante que se tenha uma condição estrutural mecânica e física adequada. O desafio é aplicar mais conhecimento por metro quadrado de solo. Esse conhecimento técnico é fundamental para que haja sustentabilidade e que os sistemas de produção consigam manter elevadas produtividades.



RC: Quais conquistas tecnológicas marcaram os últimos anos?

Tormena: Umas delas é o sistema de plantio direto, umas das principais inovações e avanços que resultou em diversas conquistas tecnológicas para a agricultura nacional. Nós mudamos o jeito de fazer agricultura e isso permitiu um avanço enorme. Estamos vendo áreas de lavouras aumentando, recordes de produtividade sendo batidos e sempre com a utilização do sistema de plantio direto. Isso transformou a agricultura brasileira. O Brasil se destaca pela adoção do sistema de plantio direto. Hoje, conseguimos fazer duas culturas no ano. É possível, em algumas situações, até três culturas no ano. Isso não seria possível se não tivéssemos o sistema de plantio direto. Com o plantio direto vieram máquinas modernas e eficientes, e uma série de outras técnicas fundamentais para que pudéssemos fazer uma agricultura altamente produtiva. Além das vantagens agronômicas e ambientais, na prática nós tivemos uma redução de custo e uma otimização do trabalho no campo. Outro componente importante foi a genética. O melhoramento genético trouxe uma revolução na agricultura, tanto em termos de produtividade quanto de sanidade das lavouras. O ganho em produtividade com os novos materiais e a adaptabilidade para diferentes regiões do país foram fundamentais para a agricultura e para a economia do país. Outro componente importante do ponto de vista tecnológico, foi quando conseguimos entender, modernizar e profissionalizar a integração lavoura-pecuária-floresta. É um sistema que traz segurança e lucratividade, integrando todo o sistema de produção. A agricultura é uma indústria a céu aberto. Então, é preciso ter segurança e a integração lavoura-pecuária-floresta é uma revolução nesse sentido. Destaco, também, todas as tecnologias que estão envolvidas no conceito de agricultura de precisão. Temos uma revolução constante e aprimoramento das tecnologias. Ainda tem muita coisa para se aprender, para ser materializada. Mas, já é algo que está transformando o modo de gerir a agricultura. Outro ponto relevante é a mecanização, que foi fundamental para a modernização de todos os sistemas de produção e para que agricultura chegasse no nível atual. Sem a mecanização intensiva das atividades de produção seria muito difícil fazermos a agricultura de hoje. Uma questão fundamental e que está em avanço, principalmente, no Brasil, foi o quanto que evoluímos em relação ao uso de microrganismos para fixação do nitrogênio na produção de soja. A ciência e a participação dos atores que trabalham na pesquisa e no seu desenvolvimento foram fundamentais para que tivéssemos algo que viabilizasse a cultura da soja no ambiente tropical como o nosso, principalmente, do ponto de vista de sua demanda de nitrogênio.



RC: E como ajudaram na condução das lavouras e manejo de solo?

Tormena: Todas as conquistas tecnológicas melhoraram a gestão dos sistemas de produção, permitindo melhor condução das lavouras e de outras atividades produtivas. O uso do conhecimento para se obter um ambiente de produção mais bem conduzido proporcionou importantes melhorias, que se refletiram em um ganho de produtividade. Estamos transformando água, nutrientes e luz em biomassa de grãos e de resíduos, em que parte é devolvido (resíduos) para o solo. Produzindo mais grãos teremos mais palha e mais raízes, ou seja, entra em um processo que eu chamo de ciclo virtuoso da riqueza, porque na medida em que eu consigo melhores produtividades, também consigo manter um solo mais produtivo. Tecnologia é isso, é ter rentabilidade com capacidade do seu negócio se manter com boa qualidade para renovar a cada ciclo a sua esperança de produzir mais e melhor.



RC: Qual a importância dos resultados do trabalho da pesquisa?

Tormena: No sistema de produção atual, onde se posiciona uma série de tecnologias, a pesquisa é fundamental para desenvolver os melhores métodos, os melhores protocolos para que aquela tecnologia seja mais eficiente. A agricultura tem um componente regional muito forte. Muitas tecnologias precisam ser desenvolvidas e adaptadas para as condições regionais. Nesse sentido, os resultados do trabalho de pesquisa posicionarão aquela tecnologia para um determinado ambiente. Para evoluirmos para uma agricultura competitiva e produtiva, é necessário uma pesquisa científica forte que proporcione a capacidade de inovar e avançar. Se temos hoje uma agricultura altamente tecnificada e produtiva, é fruto de muito esforço das instituições de pesquisa e do trabalho incansável dos pesquisadores para a geração de tecnologia e inovação.



RC: Quais são os desafios para os próximos anos?

Tormena: O principal desafio para os próximos anos será de ampliar a nossa capacidade de aplicação do conhecimento e das tecnologias na agricultura. Teremos que aprimorar os processos de digitalização na agricultura. Será importante ter uma agricultura produtiva com custos reduzidos e com menor impacto ambiental. Temos que falar sempre do meio ambiente, porque é uma tendência mundial de sermos cobrados pelos impactos ambientais. No Brasil, desenvolvemos uma agricultura altamente sustentável. Se fala muito em tecnologia, mas nunca podemos esquecer que produção agrícola é um processo que envolve basicamente uma interação solo, planta e ambiente. O desafio para a classe agronômica e para os produtores é usar tecnologia com conhecimento agronômico para potencializar a produção de alimentos e proporcionar segurança alimentar e financeira para o produtor, além de segurança de proteção dos recursos naturais é a base da nossa produção. Na minha opinião, o nosso maior desafio será entender e utilizar conhecimentos ligados ao manejo biológico do solo e das lavouras, do que revolucionar os processos que utilizamos para a produção agrícola.



RC: Como observa a relação entre as tecnologias e o seu uso pelos agricultores?

Tormena: A aplicação de uma determinada tecnologia exige um aprendizado. Nesse ponto temos que levar em consideração a necessidade de a assistência técnica fazer esse papel. Algumas tecnologias são rapidamente implementadas, outras demoram um pouco mais de tempo e esse processo é normal. Mas, uma assistência técnica informada, treinada e atualizada é de fundamental importância para que mais tecnologia chegue e seja efetivamente utilizada na propriedade rural. Os recursos tecnológicos que temos hoje facilita o processo de implementação e efetivação das tecnologias no campo.



RC: Como avalia a parceria com a Coamo?

Tormena: Excelente, a Coamo se tornou uma referência na difusão de tecnologias para a concretização de uma agricultura de alto nível tecnológico e de produtividade. Foram vários os experimentos na Fazenda Experimental, onde tive a oportunidade de desenvolver inúmeras dissertações de mestrado e tese de doutorado, e a oportunidade de publicar excelentes trabalhos científicos no Brasil e no exterior com as informações produzidas nas áreas da Fazenda Experimental da Coamo. Destaco os projetos de integração lavoura-pecuária (conduzido com outros parceiros do Iapar, Embrapa e UFPR), de rotação de culturas e mais recentemente um trabalho de avaliação do impacto de longo prazo de adubação e calagem na qualidade do solo. Destaco também o apoio que tive para testar e desenvolver na Fazenda Experimental da Coamo, o método de avaliação visual da estrutura do solo, o qual denominamos de VESS. Desenvolvemos esta metodologia em conjunto com pesquisadores da ESALQ e Universidade Estadual de Ponta Grossa, com o objetivo de termos uma metodologia muito fácil de avaliar a qualidade do solo diretamente no campo, com baixo custo. Quando tivemos oportunidade de desenvolver isso aqui no Brasil, escolhemos a estação experimental da Coamo pelo respaldo técnico que oferece aos pesquisadores.



RC: Qual sua mensagem aos cooperados da Coamo?

Tormena: Os cooperados são afortunados por ter uma cooperativa com a seriedade, segurança e qualidade da Coamo, que tem o compromisso de sempre manter seus cooperados atualizados, utilizando as melhores tecnologias disponíveis que são testadas em sua Fazenda Experimental. Mas é necessário um aprendizado contínuo e dedicado, pois cada dia novos conhecimentos são gerados. Agradeço a vocês cooperados e nunca deixem de pensar que fazer agricultura, ganhar dinheiro com agricultura é, cada vez mais, fazer melhor e bem-feito. É utilizar o máximo possível de conhecimento dentro dos seus talhões e desenvolver junto com os seus assistentes a habilidade de transformar todo o conhecimento, toda a tecnologia disponível em produção, em conservação do solo de sua propriedade e dos recursos ambientais que são um bem comum de todos nós brasileiros. Sempre tenham em mente que é preciso proteger o solo: solo bem cuidado é sinônimo de lavoura mais produtiva e resiliente. É simples assim. A melhoria do solo permite que todo o potencial genético das sementes e das tecnologias aplicadas seja efetivada.

Cassio Tormena em treinamento do departamento Técnico da Coamo
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