Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 543 | Fevereiro de 2024 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

CAMILA TELLES

Produtora rural e influenciadora digital

“Só fica no campo quem estuda muito.”

Neta e filha de produtores rurais do interior do Rio Grande do Sul, Camila Telles se formou em Relações Públicas. Quando estava na faculdade, percebeu que os colegas de turma não tinham noção do que acontecia dentro de uma propriedade rural. Esse desconhecimento chamou a atenção da jovem, levando-a a questionar qual seria o seu papel como comunicadora no setor agrícola. Ao mesmo tempo, sentiu vontade de se conectar ainda mais com suas origens. Assim, decidiu retornar à casa dos pais. Em vez de se dedicar à cultura da soja, tradicional na região, optou por plantar alface e iniciar um negócio do zero. Com o apoio da família, criou um empreendimento: a Hortaria. 

Com grande visibilidade após ter um vídeo viralizado nas redes sociais em 2019, Camila abraçou a causa com responsabilidade. Atualmente, a produtora e influenciadora digital é considerada uma das mais importantes porta-vozes da nova geração no Agro.

 

Revista Coamo: Como foi a transição para o setor digital, especialmente considerando que não é muito comum no segmento agropecuário? 

Camila Telles: Quando comecei a gravar [vídeos], poucas pessoas estavam no digital falando sobre o Agro. Posso contar nos dedos quem já estava nessa área. Sobre assuntos polêmicos, ninguém falava. Então, fui lá e “dei a cara a tapa” nas redes sociais. Isso não foi muito fácil porque era algo que não dominava. A gente sabia que o digital estava cada vez mais presente e que as empresas estavam migrando, enquanto o Agro permanecia um pouco mais lento nessa transição. Mas, acredito que o Agro precisa estar em todos os lugares. Porque se existem desinformações nas redes sociais sobre nosso setor, desde o início das redes sociais, eu, como comunicadora, tenho que falar de alguma forma, atingindo o público necessariamente rural, mas também urbano. O meu foco sempre foi o público da cidade, para eles entenderem como funciona o Agro de verdade, o lado responsável e sustentável que a gente defende.

 

RC: Há uma percepção de que o setor agropecuário tem dificuldades em se comunicar efetivamente. Como você sugere mudar essa perspectiva? 

Camila: Esse é meu desafio diário e que vamos encontrando 

pequenas soluções todos os dias, entendendo o que o público quer assistir. As redes sociais se voltaram muito para o entretenimento, então, humor, descontração e outras coisas acabam chamando mais a atenção. Por isso, a gente precisa ter cuidado sobre qual tipo de conteúdo gerar e em qual rede social. É interessante pensar que há muitas possibilidades. Por exemplo, a gente tem o que não havia no início: muitos influenciadores que surgiram para falar de moda, do perrengue dentro da fazenda. Eles falam das coisas erradas que fazem também para mostrar a vida real e isso ajuda na aproximação com o campo. O setor produz muito bem, preserva o meio ambiente e está do lado de qualquer tema que envolva sustentabilidade. Só que, da mesma forma que produz muito bem, se esquece de comunicar com o consumidor final. Prova disso é que têm crianças que acham que leite vem da caixinha, não sabem que o ovo vem da galinha, o que são coisas óbvias para nós. Então, o que eu diria como resposta chave para essa pergunta é que o óbvio precisa ser dito, assim como a gente não domina o linguajar médico, ou sobre moda, ou gastronomia, têm pessoas que também não sabem o que é básico para nós.

RC: O foco em comunicação deve ser encarado como um investimento, não uma despesa. No entanto, enfrentamos desafios nesse sentido. Muitos agricultores têm expertise em suas atividades internas, mas encontram dificuldades em promover e divulgar seu trabalho. Como podemos provocar uma mudança, incentivando os agricultores a reconhecerem a importância de investir em ações de comunicação? 

Camila: Olha, a luta é árdua. Eu acredito que o Agro seja um setor culturalmente mais conservador. Em algumas empresas, em alguns locais e para alguns produtores acaba sendo um pouco mais difícil mostrar a comunicação como um investimento e não como despesa. Mas, é um desafio muito bom e nós, profissionais de comunicação, temos que estar sempre mostrando soluções simples. O consumidor está cada vez mais curioso, quer saber como o seu produto foi cultivado, quem produziu. Esse é um papel simples nosso: mostrar todo esse processo de uma maneira mais efetiva. As cooperativas também precisam enxergar essa comunicação como algo extremamente eficiente, não apenas para a imagem da instituição, mas também para atrair a sucessão. Isso é crucial para conquistar o público jovem, que é um gargalo em todas as cooperativas, inclusive dentro das propriedades rurais. Uma comunicação bem-feita, capaz de chamar a atenção de forma positiva, certamente ajuda e atrai as novas gerações de maneira mais efetiva para dentro das cooperativas.

Formada em Relações Públicas e, unindo sua facilidade em comunicar e sua vivência no campo, Camila Telles se tornou a Defensora do Agronegócio brasileiro. Com especialização em Marketing Estratégico, é ativa nas redes sociais, palestrante, mediadora e mestre de cerimônias, Camila soma mais de 1 milhão de visualizações em seus vídeos combatendo inverdades sobre o agronegócio nas redes sociais, atingindo também o público que não tem convívio com o setor.

"O CONSUMIDOR ESTÁ CADA VEZ MAIS CURIOSO, QUER SABER COMO O SEU PRODUTO FOI CULTIVADO, QUEM PRODUZIU."

RC: De onde vem essa desinformação sobre o setor agropecuário? Como você analisa essa questão? 

Camila: Eu diria que o Agro ficou muito tempo em silêncio, acreditando que comunicar não era importante ou necessário. Bastava estar dentro da propriedade rural produzindo. Eu ouvi muito do meu avô, por exemplo: “Ah, deixa que falem! Eu estou produzindo aqui, estou fazendo meu trabalho bem-feito e é isso que importa!” Mas, com a chegada desse mundo digital, isso impactou fortemente. O Agro é vítima de um discurso muito ativista e ideológico. A gente tem que ter muito cuidado porque, independentemente de qualquer governo, o Agro vai continuar existindo. Os produtores produzirão e as pessoas vão continuar comendo, se vestindo e se movendo.


RC: Sobre o ESG, práticas ligadas aos aspectos ambiental, social e de governança, qual sua opinião, ele veio para auxiliar nesses desafios do setor? 

Camila: O ESG já é aplicado em várias propriedades rurais há muito tempo, eu conheço uma, por exemplo, que há mais de 20 anos já aplica conceitos do ESG. Não é só uma questão ambiental, mas também é social, é emprego, é qualidade de vida e desenvolvimento pessoal, e nisso as sociedades rurais também têm um potencial gigantesco para fazer. Se você vai em cidades com grande presença agropecuária, percebe que o setor desenvolve a região, gera muitos empregos e impacta na questão do comércio. Além disso, a parte de sustentabilidade já está presente em muitas propriedades. Por isso, falo que as pessoas precisam estar dentro das propriedades rurais para entender o que realmente acontece. Elas vão observar que há muito tempo nem tinha esse nome ainda, e os produtores já cuidavam desse formato. É claro que há pessoas que fazem errado e, aí, não podemos dizer que o Agro é perfeito, pois nenhum setor é. Sabemos disso, mas a quantidade de quem faz certo é muito maior do que de quem faz errado. E sempre quem aparece na mídia é quem faz errado, ao invés da gente mostrar a grande maioria que faz corretamente.

RC: Você não sucedeu seu pai na lavoura de soja, mas criou a sua própria atividade rural. Como você enxerga essa questão da sucessão no campo pelos jovens? 

Camila: Eu diria que o Agro tem três gargalos: a comunicação, a mão de obra qualificada e a sucessão familiar. A sucessão familiar é um desafio muito grande porque envolve decisões que, muitas vezes, são complexas. Existe uma dificuldade de familiares se enxergarem de forma profissional, assim como se veem como família. Portanto, é uma questão delicada, há filhos e pais  que não conseguem se acertar e existe uma certa dificuldade de comunicação. No entanto, acredito que está melhorando também. O que eu sempre indico para os pais, principalmente, é dar espaço para os seus filhos, permitindo que os jovens tenham novas ideias e possam trabalhar dentro da propriedade rural. E o que eu falo para os jovens é que eles precisam respeitar muito quem construiu tudo do zero, sem internet, Google, ChatGPT ou WhatsApp, e que tiveram que fazer dar certo. Portanto, temos que respeitar quem começou tudo do zero, entender que a nossa geração imediatista não sabe de tudo como imagina e ter muito diálogo. O segredo da sucessão é o diálogo e essa questão está muito relacionada à comunicação também.

"O setor produz muito bem, preserva o meio ambiente e está do lado de qualquer tema que envolva sustentabilidade. Só que, da mesma forma que produz muito bem, se esquece de comunicar com o consumidor final."

RC: Como você vê a presença feminina no Agro? 

Camila: Sabe, isso tem mudado bastante. O Agro, culturalmente, sempre foi um setor dominado por lideranças masculinas, mas a mulher sempre esteve presente. Por exemplo, na fazenda do meu avô materno: ele tem uma filha, que teve outras duas filhas. Então, a sucessão automaticamente vai ser feminina. Meu pai entrou como sócio e toca a fazenda, mas é importante pensar que esse espaço deve ser ocupado por competência, não porque é mulher ou porque é homem. É crucial nos prepararmos, pois antigamente falava-se: “Ah, se tu não estuda vai ficar na roça”, mas só fica na roça quem estuda muito. Precisamos nos capacitar e remover a ideia de que voltar para o interior, retornar para a fazenda, é retroceder. Muito pelo contrário, é voltar para desenvolver a região da família, para trabalhar no negócio próprio e, em breve, desenvolver outras ideias. Assim como eu fiz com a Hortaria. Não me sentia preparada para cuidar da lavoura, por exemplo, pois não estudei agronomia e não dominava muito o assunto. No entanto, quis começar um negócio do zero, que se tornou o principal negócio da família, com todos trabalhando juntos. Às vezes, uma pequena ideia que faz a pessoa se sentir mais em casa ou querer trabalhar com aquilo pode gerar um novo negócio.

RC: Como você mencionou, o cooperativismo está presente no agronegócio. Você acredita que o setor pode ajudar em todas essas questões que tratamos nesta entrevista? 

Camila: Em tudo, na verdade. Cooperativismo, na própria palavra e na própria descrição, já deixa tudo muito claro: é cooperar. São várias famílias e produtores que se juntam pelo bem comum e, por meio dele, a gente pode conseguir disseminar muita informação interessante. O papel das cooperativas em desenvolver campanhas, fazer capacitações com jovens, atrair essa nova geração para dentro das cooperativas e mostrar esses diferenciais para a cidade, estar próximo da cidade, não só no supermercado, mas em ações. É importante mostrar como é produzido, quem produz e a importância da cooperativa. Tudo isso nos ajuda muito, por isso eu falo que onde tem cooperativa, a cidade dá muito mais valor para o Agro, porque consegue ver de uma forma muito mais próxima que tudo é feito com carinho, com cuidado, com respeito, e o quanto movimenta em termos de comércio, de negócio, de emprego, então, é extremamente importante.

É permitida a reprodução de matérias, desde que citada a fonte. Os artigos assinados ou citados não exprimem, necessariamente, a opinião do Jornal Coamo.