Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 500 | Março de 2020 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

"Trabalhamos para aprimorar continuamente o sistema de produção."

Legenda: Julio Cezar Franchini dos Santos é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), em 1990. Mestre pela Universidade Federal de Lavras (1993) e doutor pela USP de Piracicaba (1997). Fez pós-doutorado em Sevilha na Espanha (1998). É pesquisador da área de Manejo de Solo e da Cultura da Embrapa Soja em Londrina desde 2001.

Paranaense de Rondon (Noroeste do Paraná), filho de pai mineiro e mãe paulista, que se mudaram para o Paraná na década de 1960 atraídos pelo café, o engenheiro agrônomo Julio Cezar Franchini, pesquisador da área de Manejo de Solo e da Cultura da Embrapa Soja, é o entrevistado do mês na Revista Coamo.

Ele conta que a agronomia faz parte da sua vida desde quando ainda era criança e cuidava da horta no quintal de casa e não conseguia produzir bem os alimentos que cultivava (depois entendeu que faltava calcário). Franchini trabalha na área de manejo do solo e da cultura. "Nossa principal linha de trabalho é aprender continuamente como fazer o solo se manter sempre produtivo para poder incorporar as novas tecnologias que nunca param de surgir na agricultura. Trabalhamos para aprimorar continuamente o sistema de plantio direto na palha, que nasceu aqui no Paraná, e é o sistema que revolucionou a forma de fazer agricultura no Brasil.”



RC: Qual a importância dos resultados do trabalho da Embrapa Soja?

Julio Cezar Franchini: Sempre trabalhamos em parceria com o produtor, procurando entender suas dificuldades e as melhores formas de resolver seus problemas. Nosso maior resultado é fazer com que nos bons momentos, o solo esteja nas melhores condições e pronto para responder aos ganhos genéticos e tecnológicos que tem ocorrido nos últimos anos. Nos momentos difíceis, principalmente quando ocorrem períodos prolongados com falta de chuvas, os solos melhor manejados permitem estabilidade de produção e mantêm a rentabilidade do produtor.



RC: Como vê a parceria entre agricultores e pesquisa?

Franchini: Sem essa parceria a pesquisa não faz sentido. Essa sempre foi uma característica da Embrapa, estar próxima do produtor. As novas tecnologias embarcadas nas máquinas têm nos ajudado a mudar a forma de fazer pesquisa. Hoje, estamos coletando informações dentro das propriedades. Isso aumenta o valor dos resultados e faz com que o produtor participe da solução dos problemas. Aliás, uma tecnologia que foi “inventada” pelo produtor é o milho segunda safra, responsável pela maior parte do milho produzido no Brasil. Se estamos juntos do produtor podemos participar do aprimoramento e desenvolvimento das novas ideias que surgem todos os dias.



RC: Quais são os desafios para os próximos anos?

Franchini: Estamos vivendo uma fase de transformações profundas na agricultura. A tecnologia está permitindo obter um conjunto, cada vez maior, de informações. Nosso maior desafio é aprender a gerenciar estas informações em benefício do produtor, com três objetivos principais: melhorar a qualidade das operações, reduzir custos e aumentar a produtividade. A nova geração de agricultores tem um papel importante neste processo. A informação está disponível por todos de várias formas e o aparelho que traduz bem todo esse processo é o celular. Pelo celular recebemos informações sobre a previsão climática, imagens de satélite com o vigor da cultura, relatório das operações realizadas pelas máquinas, preços de insumos, o preço da soja em Chicago e muito mais. Estamos aprendendo a ensinar as máquinas a fazer o trabalho difícil do campo para termos mais tempo para pensar nas decisões importantes que temos que tomar. Do pequeno ao grande produtor, todos têm se beneficiado do ganho em tecnologia.



RC: Como observa a relação entre as tecnologias e o seu uso pelos agricultores?

Franchini: O trabalho no campo é muito árduo e depende de fatores que não podem ser controlados, como o clima. O produtor precisa e busca por praticidade. No caso da soja e do milho, em termos genéticos a primeira geração de transgênicos resistente à herbicidas foi um grande salto tecnológico. A segunda geração resistente às lagartas tem dado seguimento às conquistas. Mas, o maior ganho tem sido o de produtividade. Boa parte deste aumento vem da genética, mas também do ganho de qualidade nas operações realizadas pelas máquinas. A semeadura, as pulverizações e a colheita, tem nível de qualidade muito maior do que há alguns anos. Como o produtor costuma dizer: um bom plantio significa metade do caminho até uma boa colheita. Em termos práticos, todas as máquinas novas já vêm com sistema de posicionamento por satélite, o conhecido GPS. Isso permite, por exemplo, o uso do piloto automático na plantadeira, melhor controle das operações de pulverização e a obtenção de mapas de colheita. No caso do plantio, o produtor pode continuar o trabalho durante a noite para aproveitar a condição de umidade, sem se preocupar em perder a direção. Sem falar no gerenciamento de tudo os que as máquinas estão fazendo dentro da propriedade, como está o consumo de combustível, horas trabalhadas e quando está na hora da manutenção.



RC: A estrutura do solo é componente essencial da fertilidade?

Franchini: Na agricultura, a fertilidade do solo significa sua capacidade em suportar a vida das culturas e para isso ele tem que cumprir várias funções: ser fonte de nutrientes, permitir o armazenamento de água e o crescimento das raízes e ter diversidade biológica suficiente para suprimir as principais doenças e favorecer os organismos benéficos. A fertilidade química é muito importante e foi a área que se desenvolveu primeiro. Hoje, a coleta de amostras de solo geo-referenciadas permite a obtenção de mapas de diagnósticos precisos e mapas de correção à taxa variável, onde se aplica apenas o necessário. No entanto, em muitos casos, quando se atinge níveis ótimos de fertilidade química, as limitações à produtividade podem estar associadas a outros fatores. O sistema de produção é muito intensivo, permitindo no mínimo duas safras por ano. Na maioria das vezes a janela entre a colheita e o plantio da próxima cultura é curta e estas operações podem ser realizadas com solo úmido, onde a compactação é inevitável. Nesse momento, a estrutura do solo pode passar a ser limitante à produtividade, principalmente em períodos de deficiência hídrica. Nosso trabalho tem sido focado em práticas de prevenção à compactação, principalmente a diversificação de culturas por meio do consórcio com as braquiárias e o uso de janelas para aumentar a produção de palha e raízes.



RC: Quais foram as principais tecnologias conquistadas nos últimos anos?

Franchini: A tecnologia mais importante nos últimos anos, sem dúvida nenhuma, foi e continua sendo o plantio direto. Com ele conseguimos produzir com sustentabilidade, preservando o meio ambiente. O plantio direto também permitiu que o plantio da soja fosse gradativamente sendo antecipado, saindo do início de novembro na década de 1970 para o início de outubro nos anos mais recentes. Isso foi muito importante para viabilizar a cultura do milho segunda safra nas regiões mais quentes. O aumento na produção e produtividade da soja e do milho segunda safra ao longo dos anos ajudou a estruturar a indústria de transformação e de produção de proteína, agregando valor e modificando a economia do país. O aprimoramento do plantio direto impulsionou as mudanças do padrão genético do milho e principalmente da soja.



RC: Qual o impacto e resultado da correta utilização do manejo do solo?

Franchini: Nosso maior desafio é avaliar corretamente a qualidade física do solo. Recentemente nossa equipe desenvolveu um método para o Diagnóstico Rápido da Estrutura do Solo (DRES), que permite que os técnicos e produtores consigam diferenciar por seus próprios meios o que é uma boa estrutura de uma estrutura ruim. Com uma amostra retirada da camada superficial do solo, com uma pá, se pode ver o que está acontecendo com a estrutura do solo. Isso é muito importante do ponto de vista didático e de entendimento dos processos no solo. A partir daí as pessoas começam a entender que uma boa estrutura do solo é dependente da produção de raízes e aí nós voltamos a falar em plantio direto de qualidade com maior produção de palha e de raízes.



RC: Quais os aspectos a serem melhorados no uso do manejo do solo?

Franchini: O manejo correto do solo passa pelo planejamento do sistema de produção para que ele próprio produza os insumos mais importantes, a palha e as raízes. Os melhores produtores que acompanhamos são aqueles que adotam sistemas que permitem a diversificação de produção em pelo menos 25% da área. Estes produtores têm as maiores produtividades nos melhores anos e produtividades acima do custo de produção em anos ruins. Diversificação não significa desistir de produzir culturas econômicas, como a soja e o milho, mas apenas preencher o que nós chamamos de janelas, com culturas que vão aumentar a produção de palha e raízes. Nesse sentido, o consórcio do milho com braquiária é o melhor exemplo. No caso das áreas que plantam trigo é possível ocupar a janela entre a soja e o trigo com culturas como milheto e o nabo forrageiro, ou a mistura destas espécies. Em nossos trabalhos com a Coamo em áreas de produtores, temos observado nos mapas de colheita do milho 2ª safra, que em aproximadamente 30% da área, o produtor está tendo prejuízo, por estar produzindo abaixo do custo de produção. Essa informação é muito importante, pois mostra que existe oportunidade para diversificar e aumentar a rentabilidade, simplesmente investindo em recuperar o solo e deixando de ter prejuízo.



Julio Franchini participa todos os anos dos encontros na Fazenda Experimental da Coamo

RC: Qual a importância da Agricultura 4.0 e as principais novidades que os produtores terão nos próximos anos?

Franchini: A agricultura 4.0 é um marco importante no processo de evolução ao longo dos séculos, desde a invenção do arado, 5.000 anos a.C.. De forma objetiva, significa que todas as máquinas novas: o trator, o pulverizador, o aplicador, o transbordo e a colhedora, têm a capacidade de receber e transmitir dados, é a internet das coisas. Na prática as operações poderão ser programadas no escritório e enviadas para as máquinas executarem. Hoje já podemos fazer aplicações de fertilizantes e corretivos à taxa variável, baseado nos mapas de fertilidade do solo. Já existem alguns exemplos mais avançados disso como o trator conceito autônomo lançado há três anos no Brasil. A obtenção massiva de dados também está permitindo que processos sejam modelados e, com isso, as máquinas sejam ensinadas a tomarem decisões sozinhas, já incorporando conceitos de inteligência artificial. Já existem protótipos de pulverizadores que reconhecem a espécie de interesse e aplicam o herbicida nas demais, fazendo uma aplicação seletiva. Os sensores embarcadores em drones vão evoluir cada vez mais rápido e permitir que seja feito o diagnóstico da causa das alterações no padrão das imagens obtidas nas culturas. Já conseguimos ver variações no vigor das plantas dentro dos talhões, mas ainda precisamos de análises complementares do solo e da planta, para identificar a causa do problema. No futuro próximo, problemas específicos poderão ser identificados por deixarem uma assinatura espectral característica. Assim poderemos identificar a partir de imagens, deficiências nutricionais ou o ataque de pragas e doenças, por exemplo. Existe um projeto em andamento na Embrapa Instrumentação que está desenvolvendo um robô autônomo que fará a análise de solo diretamente no campo a partir da emissão de um feixe de raio laser. A partir do plasma gerado será possível determinar a composição de alguns elementos de interesse. O equipamento é bastante promissor para a análise de Potássio.



RC: O trabalho da Fazenda Experimental da Coamo é importante instrumento de difusão?

Franchini: Para se ter uma ideia da visão de futuro da Coamo é só olhar para a Fazenda Experimental, que já tem mais de 40 anos. Isso demonstra o valor que a cooperativa sempre teve pela geração de informação e, posteriormente, pela difusão desta informação para seus cooperados. Continuem acreditando e investindo no cooperativismo. A Coamo representa um modelo de empresa de sucesso e orgulho para o Brasil graças aos seus cooperados. A Embrapa sempre foi e continuará sendo parceira da Coamo porque a forma de trabalho da cooperativa está totalmente alinhada com a missão da Embrapa. Trabalhando em parceria com a Coamo, estamos trabalhando com vocês. Contém sempre conosco e sucesso a todos.

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