Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 456 | Março de 2016 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

PREOCUPAÇÃO CONSTANTE COM A SUSTENTABILIDADE DA PRODUÇÃO

"Temos ciência do tamanho de nossa responsabilidade, especialmente, se considerarmos a expectativa mundial de consolidar o Brasil como o grande celeiro mundial. Com toda certeza seremos, cada vez mais, exigidos para respostas rápidas, eficientes e sustentáveis.” A afirmação é de José Renato Bouças Farias, chefe da Embrapa/Soja, com sede em Londrina. Nesta entrevista à Revista Coamo, ele fala da parceria com a cooperativa na difusão de tecnologias, e destaca: “A Embrapa Soja tem uma das maiores bases gené- ticas de soja do mundo, com mais de 35 mil tipos, que servem de base para a geração de novas cultivares."

Revista Coamo: Qual a missão da Embrapa?

José Renato Bouças Farias: A Embrapa é uma empresa de inovação tecnológica focada na geração de conhecimento e tecnologia para a agropecuária brasileira. Atua para viabilizar soluções tecnoló- gicas em diversos problemas que afetam a produção agropecuária, desde a produção primária até a produção secundária e terciária, garantindo a sustentabilidade dos sistemas produtivos, em benefício da sociedade brasileira.

RC: Qual o foco da Embrapa Soja?

Farias: Inserida na missão da Embrapa, a Embrapa Soja tem foco de atuação mais direcionado a algumas culturas e viabilizar solu- ções tecnológicas para os agronegócios da soja e girassol no Brasil, e dar suporte ao programa de desenvolvimento da cultura do trigo para o Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo, em colaboração com a Embrapa Trigo, buscando solu- ções tecnológicas, eficientes e capazes de viabilizar uma agricultura sustentável, do ponto de vista econômico, ambiental e social.

RC: Qual a importância e os resultados da Embrapa Soja?

Farias: A principal preocupação da Embrapa Soja sempre foi apresentar soluções viáveis e sustentá- veis para os diversos problemas que afetam a produção de soja, girassol e trigo. Desde a nossa fundação, há 40 anos, procuramos trabalhar com tecnologias para superar os desafios. Primeiro, foi viabilizar a produção de soja em regiões de baixa latitude (regiões tropicais), depois veio o desafio do cancro da haste, doença que quase dizimou a produção brasileira e foi superada com genética. Mais recentemente, tivemos, por exemplo, a ferrugem e a helicoverpa, entre tantos outros. A cada safra surgem novos desafios, onde procuramos agir rapidamente e apresentar soluções sustentáveis, idôneas e livres de comprometimento econômico e financeiro. Esse é o grande diferencial do trabalho da Embrapa.

RC: Quais são os desafios para os próximos anos?

Farias: Como toda instituição pú- blica, convivemos diariamente com dificuldades orçamentárias e financeiras que, muitas vezes, tornam mais difícil alcançar o resultado almejado, quando comparados as empresas privadas. Temos várias amarras, intrínsecas ao setor público, que contribuem para dificultar ainda mais nossa atuação. Mas, na Embrapa Soja, procuramos contornar e superar essas dificuldades da melhor forma possível, pois atuamos com uma das mais importantes culturas brasileiras, onde o setor produtivo exige soluções de forma rápida e eficiente. Na medida do possível, procuramos atender essa expectativa. A busca por parcerias, pú- blicas e privadas, em muito tem colaborado para que possamos alcançar o resultado esperado. Temos ciência do tamanho de nossa responsabilidade, especialmente, se considerarmos a expectativa mundial de consolidar o Brasil como o grande celeiro mundial.

RC: Qual o trabalho frente a resistência das pragas, doenças e plantas daninhas, aos produtos existentes?

Farias: Isso, é de fato, um dos grandes desafios que o Brasil tem pela frente. A cada dia que passa surgem relatos de novos insetos, doenças e de plantas daninhas, com dificuldade de manejo e controle. O problema de resistência nas lavouras é algo real e preocupante, fruto do desequilíbrio que enfrentamos. Provavelmente, muito disso se deve ao uso inadequado das técnicas e do conhecimento existente, o que acaba estimulando, de uma forma mais rápida e, por que não dizer, mais complicada, o aparecimento da resistência desses organismos não desejados. Não tem sido fácil trabalhar contra isso. A Embrapa tem procurado gerar dados, realizar experimentos para, a partir de informação técnica de qualidade, subsidiar as discussões junto a técnicos e produtores.

RC: Como avalia a parceria entre a Coamo e a Embrapa?

Farias: É uma parceria excelente! Na verdade, em vários aspectos, nossas histórias se confundem e se complementam. As duas instituições sempre trabalharam de forma muito complementar, focadas nos desafios e parceiras em diferentes momentos da história recente da agricultura. São inú- meros os frutos desse trabalho conjunto, mas destacaria os trabalhos e resultados alcançados como o manejo do solo e da cultura (envolvendo fertilidade do solo e nutrição da planta, fixação biológica do nitrogênio, sistemas de semeadura direta, rotação de culturas e integração lavoura-pecuária), o manejo fitossanitário, especialmente o manejo integrado de praga e doenças e, mais recentemente, o manejo de resistência de plantas daninhas. Tal parceria, para nós da Embrapa, sempre foi um caminho de mão dupla: ao mesmo tempo que viabiliza o aperfeiçoamento, a transferência e a validação das tecnologias geradas, possibilita a necessária retroalimentação de nossa carteira de projetos com a identificação e priorização de demandas reais enfrentadas no campo.

RC: Quanto ao trabalho da Fazenda Experimental da Coamo como instrumento de difusão aos produtores?

Farias: Conheço e sou um grande admirador desse trabalho. É um exemplo, não apenas para o Brasil, como para o mundo, de sucesso de um programa de transferência e validação de tecnologias. Além disto, aproxima a pesquisa ao setor produtivo, criando oportunidades de contato direto, bastante próximo, para se levar e adaptar o que está sendo gerado, para se discutir com o produtor a viabilidade e a funcionalidade da tecnologia que está sendo recomendada. É um exemplo de eficiência, transferência de tecnologia e capacitação para todo o mundo.

RC: Diante da evolução, qual é o papel do pesquisador?

Farias: Ao longo desses 40 anos de pesquisa na Embrapa Soja, mudou muito o papel do pesquisador, até mesmo porque mudou muito, também, o cenário da cultura. No início, se tinha uma pesquisa muito mais empírica, experimental, onde grandes avanços eram obtidos rapidamente em função da quase inexistência de conhecimento a cerca da produção da cultura. Hoje, a atuação do pesquisador é muito mais forte e especializada. Ele precisa ser muito atuante, mas nem sempre se percebe da mesma forma a magnitude e a importância do trabalho feito. Os ganhos tecnológicos são incrementais, estamos em um nível de produtividade muito bom e novos ganhos começam a ser muito pequenos e difíceis de serem alcançados.

RC: Qual sua mensagem aos cooperados da Coamo?

Farias: Temos que agradecer a credibilidade e o respeito que os produtores têm pela Embrapa, que vem acompanhando as mudanças na agricultura e investindo fortemente na geração de conhecimento e soluções. As linhas de pesquisa estão em constante reavaliação e o programa de melhoramento genético passou por uma profunda e importante mudança. A Embrapa Soja tem uma das maiores bases genéticas de soja do mundo, com mais de 35 mil tipos de soja, que servem de base para a geração de novas cultivares. Além disso, tão importante quanto ter uma genética de qualidade, a Embrapa tem a preocupação constante com a sustentabilidade da produção, como, por exemplo, com o manejo fitossanitário da cultura. Buscamos revigorar práticas que acabam sendo esquecidas, como o manejo e conservação do solo e da água, enfim, atuamos com um leque de tecnologias para garantir o sucesso do produtor e da agricultura nacional. A genética é muito importante, mas hoje o que mais limita o alcance de altas produtividades é o manejo dos demais fatores de produção. Estaremos sempre ao lado do produtor, incorporando a visão de longo prazo para a sustentabilidade do seu negócio.

A cada safra surgem novos desafios, onde procuramos agir rapidamente e apresentar soluções sustentáveis, idôneas e livres de comprometimento econômico e financeiro. Esse é o grande diferencial do trabalho da Embrapa. - JOSÉ RENATO BOUÇAS FARIAS, chefe da Embrapa Soja.

 

Engenheiro agrônomo formado e mestrado em Produção Vegetal pela Universidade Federal de Pelotas (RS), José Renato Bouças Farias concluiu doutorado em Agronomia/Fitotecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e pós-doutorado em Modelagem e Simulação de Sistemas Agrícolas pela UNICAMP e Universidade da Flórida (EUA).

É pesquisador da Embrapa Soja desde 1990, com participação ativa em diversos projetos, atuando nas áreas de agrometeorologia, ecofisiologia vegetal, modelagem e simulação de sistemas agrícolas, zoneamentos de riscos e mudanças climáticas. É bolsista do CNPq desde 1995, membro e consultor científico de diversas associações, fundações de pesquisa, revistas e universidades. Possui várias publicações em periódicos indexados, capítulos de livros, trabalhos em congressos e orientações. Além das ações técnico-científicas, tem forte atuação em gestão da pesquisa, sendo líder de projetos, de equipes técnicas e de grupo de pesquisa (Ecofisiologia da Soja). É membro da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Soja, junto Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, representando a Embrapa. Foi Secretário Executivo do Comitê Técnico Interno -CTI- da Embrapa Soja (1995-1999 e 2006-2008) e Chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Soja por duas gestões (1999-2003 e 2008-2013). Atualmente (desde novembro de 2013), é o Chefe Geral da Embrapa Soja.

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