Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 503 | Junho de 2020 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

"Não fundamos a Coamo e a Credicoamo para uma geração, mas para uma vida toda."

José Aroldo Gallassini, presidente dos Conselhos de Administração da Coamo e da Credicoamo

Comandar uma empresa é uma grande responsabilidade. Decisões importantes precisam ser tomadas a todo momento, podendo impactar nos negócios e nas pessoas que delas dependem. Um bom líder sabe disso e toma as devidas precauções quando decide passar o bastão. Ele sabe que mudanças de gestão são arriscadas, por isso é fundamental garantir uma sucessão tranquila.

Executivo experiente, José Aroldo Gallassini, tem essa visão. “Eu podia chegar e dizer ‘olha, eu estou com uma certa idade, estou bem financeiramente, dá pra tocar a vida, e vou virar as costas e sair, não quero mais saber’. Não vou fazer isso. Não posso fazer isso. Pela minha responsabilidade e pelo sucesso que tivemos até aqui”, afirma, justificando os motivos que o levaram a orquestrar um plano de sucessão. “Não fundamos a Coamo e a Credicoamo para uma geração ou duas, mas para a vida toda. Elas têm que continuar, independente de quem esteja no comando”, frisa.

Em entrevista, o agora presidente do Conselho de Administração, conta como ficou a nova estrutura organizacional.



Revista Coamo: Qual o segredo do desenvolvimento da Coamo?

José Aroldo Gallassini: Começamos do zero e construímos uma grande cooperativa. A Coamo Agroindustrial Cooperativa é a 35ª maior empresa do Brasil e a 1ª maior empresa do Paraná. Com sede em Campo Mourão (Centro- -Oeste do Paraná), possui entrepostos em 71 municípios do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. A cooperativa é destaque no anuário da Exame, considerada uma das mais importantes publicações do país. A Coamo é também a 10ª maior do país com capital 100% nacional. Posso dizer com segurança que o segredo de todo esse sucesso é a sua credibilidade junto ao seus cooperados. São 50 anos trabalhando ao lado deles, apoiando o seu desenvolvimento e impulsionando a economia dos municípios em que a cooperativa atua. Podemos dizer que a história de Campo Mourão pode ser dividida em antes e depois do surgimento da cooperativa. No final da década de 1960, boa parte da região era de uma pobreza bastante grande. Vivíamos o final do ciclo da madeira e, à medida que as empresas foram encerrando suas atividades, a situação econômica dos produtores rurais foi piorando. Quando decidimos fundar uma cooperativa, já foi possível uma melhor organização dos produtores. A Coamo foi constituída por 79 agricultores. Depois foi entrando bastante gente e a cooperativa foi se consolidando. Em resumo, a agricultura na região de Campo Mourão deu certo porque a cooperativa se colocou ao lado do produtor.



RC: Qual é o grande aprendizado de sua experiência no cooperativismo?

Gallassini: Esses 50 anos de trabalho me deram uma bagagem grande em diversos assuntos. Eu trabalhava na Acarpa quando ajudei a constituir a Coamo. Isso foi em 1970. Dois anos depois, fui contratado como gerente e, em 1975, assumi a presidência. Mais tarde, sentimos a necessidade de ter uma cooperativa de crédito para apoiar nossos agricultores. Constituímos, então, a Credicoamo. Tanto a Coamo como a Credicoamo deram muito certo. O sucesso é inegável. E de tudo o que aprendi nessas cinco décadas, posso dizer com segurança que a grande lição que levo comigo é o lado social do cooperativismo, ou seja, o fato de que o cooperado precisa ser bem atendido.



RC: Quais estratégias adotou na gestão da Coamo que considera exitosas?

Gallassini: A Coamo é uma grande cooperativa. Possui mais de 29 mil cooperados. A previsão para este ano é receber 8,920 milhões de toneladas de grãos. E o faturamento está estimado em R$ 16 bilhões. O que deu certo, na minha visão, foi escolher uma única linha de atuação. A Coamo é uma cooperativa de grãos. Atuamos em todos os processos, da orientação aos cooperados em relação ao plantio à armazenagem, industrialização e comercialização. Ao longo de 50 anos, poucos projetos nossos não tiveram ligação com grãos. Investimos neles, atendendo solicitações de nossos cooperados. Mas, aos poucos, eles foram percebendo que o retorno econômico não era bem o que eles esperavam. Foram desistindo e não demos sequência a esses projetos.



RC: A experiência da Coamo na pecuária e proteína animal foi um desses projetos?

Gallassini: A Coamo sempre fez a vontade dos seus cooperados, por isso, há alguns anos, investimos na suinocultura. Um grupo de cooperados tinha criadeiras e outro grupo fazia a engorda, e a cooperativa comercializava. Isso foi bem até certa altura, mas daí veio uma crise e os cooperados, principalmente aqueles com criadeiras, foram desistindo. Esta experiência só reforçou o entendimento de que o perfil do nosso cooperado é grãos.



RC: A Coamo e a Credicoamo adotaram um novo modelo de gestão e governança. O que o senhor espera com essas mudanças?

Gallassini: O modelo de governança adotado pelo cooperativismo é um pouco do Brasil, no sentido de que o comando é decidido por eleição. Os associados fundam a cooperativa, elegem uma diretoria que tem presidente, vice-presidente, secretários e conselheiros de administração e fiscal. De maneira geral, esse modelo de governança deu certo. O grande risco, porém, é a sucessão e a garantia de continuidade da cooperativa. Uma eleição pode mudar toda a diretoria de uma única vez e isso pode trazer problemas, porque a sucessão não é planejada. Por este motivo, chegamos à conclusão de que era preciso mudar. Não fundamos a Coamo e a Credicoamo para uma geração ou duas, mas para a vida toda. Elas têm que continuar, independente de quem esteja no comando. Nosso novo modelo de governança assemelha-se ao adotado por grandes bancos, corporações, indústrias, principalmente, os negócios familiares. Também cooperativas da Europa implantaram esse modelo. Temos um Conselho de Administração composto por nove cooperados que irão assessorar a Diretoria Executiva. Este Conselho se reúne uma vez por mês, e o seu presidente dá expediente integral na cooperativa. Já a Diretoria Executiva é contratada, possui um diretor-presidente e cinco diretores de área, todos profissionais com 30 a 40 anos de trabalho na Coamo.



RC: Qual a importância de ter na Diretoria Executiva profissionais que são pratas da casa?

Gallassini: Os cinco diretores escolhidos para compor a Diretoria Executiva e o presidente executivo da Coamo conhecem como ninguém a gestão da cooperativa e como se trabalha com os cooperados. Nesses 50 anos de cooperativismo, aprendi que não dá certo contratar um executivo de uma grande empresa para comandar uma cooperativa. Uma empresa grande é formada por grandes executivos, gente muito competente, mas com foco econômico. A busca é pelo lucro. A cooperativa tem o aspecto econômico que é importante, mas tão importante quanto, é o social. Uma cooperativa precisa trabalhar por aquele que está na base, pelo seu cooperado. Ela tem que pensar em tudo, da produção de sementes, plantio, colheita, entrega, armazenagem, industrialização até a comercialização. Tem ainda que ajudar o cooperado a buscar novas tecnologias e garantir empréstimo, tirando do seu capital do giro, para que ele possa plantar. Enfim, uma cooperativa tem objetivos que uma empresa não tem.



RC: A nova governança vai manter a essência da Coamo e da Credicoamo?

Gallassini: A Coamo e a Credicoamo não podem correr riscos, por isso é importante manter a sua essência. É por causa disso que fiz questão de cumprir expediente na cooperativa, na função de presidente do Conselho de Administração na gestão 2020/2024. Eu podia chegar e dizer ‘olha, eu estou com uma certa idade, estou bem financeiramente, dá pra tocar a vida, e vou virar as costas e sair, não quero mais saber’. Não vou fazer isso. Não posso fazer isso. Pela minha responsabilidade e pelo sucesso que tivemos até aqui. Mas amanhã ou depois, posso não estar mais aqui, aí não posso garantir que o estilo atual de gestão vai continuar igual. Administrar uma empresa é uma coisa muito pessoal.



RC: Como o senhor acredita que deve ser mantida a coesão e o sentimento de pertencimento dos cooperados, principalmente para aqueles que não vivenciaram a história do trabalho e as conquistas de décadas anteriores?

Gallassini: Temos que trabalhar muito esses dois públicos: o grande e o jovem produtor. É preciso entender isso. Com o grande produtor, o objetivo é fazer com que ele consiga ver além do que é do seu interesse. Ele está numa cooperativa, tem que trabalhar de acordo com a cooperativa, e perceber que, dessa forma, há benefícios para todos, fruto da união de todos. Já o jovem é contestador por natureza, quer mudar o mundo. Ele acha que os pais, às vezes, não têm visão. Então, surgem os conflitos de gerações. Na Coamo, temos um programa de formação de jovens líderes, onde eles conhecem a filosofia cooperativista e entendem a importância de dar sequência ao trabalho dos pais. Já são mais de 900 jovens formados em 23 turmas desde 1998.



RC: A Coamo é uma grande empresa de comodities internacionais. Faz parte das estratégias entrar em operações internacionais, por meio de alianças, com cooperativas e empresas de outros países?

Gallassini: Não. A estratégia comercial da Coamo é atuar individualmente. Exportamos cerca de 50% da produção recebida dos nossos cooperados. A comercialização das commodities agrícolas é feita com base nos sistemas FOB e CIF, com certificado de rastreabilidade, que garante o controle dos produtos Coamo do campo até o seu destino. Temos também um terminal portuário próprio no Porto de Paranaguá, principal porta de saída para o mercado externo. Atualmente, vendemos para Europa, China e vários outros países da Ásia.



RC: Qual a importância do Sistema Ocepar para a consolidação do cooperativismo no Paraná e melhoria do processo de governança e gestão do setor?

Gallassini: Considero a Ocepar (Sindicato e Organização das Cooperativas do Paraná) o órgão político do cooperativismo, em âmbito estadual, e a OCB, em âmbito nacional. Então, o Sistema Ocepar presta um grande trabalho que é coroado de sucesso. Orgulha e eleva o cooperativismo paranaense por sua seriedade, gestão e contribuição para o desenvolvimento do nosso setor.



RC: Qual sua visão sobre o futuro do cooperativismo do Paraná?

Gallassini: A minha vida gira em torno do cooperativismo, afinal, são 50 anos de trabalho na Coamo e 30 anos na Credicoamo. Sou produtor de soja, milho e crio boi, portanto, sou cooperado da Coamo (agropecuária), Credicoamo (crédito), Cooperaliança (carnes) e, também, beneficiário da Unimed (saúde). Então, o cooperativismo é a minha vida. Entendo que o cooperativismo continuará tendo muito sucesso, porque nenhuma empresa comum faz igual a uma cooperativa. Empresas da China tentaram se estabelecer aqui. Apareceram também multinacionais com a intenção de comprar empresas locais para receber soja na origem. Empresas querem lucrar, diferente das cooperativas, que tentam equilibrar o econômico com o social. Por isso, digo que esse trabalho junto ao cooperado tem que ser feito pelas cooperativas. E tem também a introdução de novas tecnologias, o apoio para o aumento de produtividade e armazenagem suficiente, para que todos os cooperados possam ser atendidos. Isso só o cooperativismo faz. O cooperativismo é, antes de tudo, uma filosofia de vida. Tenho plena certeza de que continuará a prestar grandes serviços para o desenvolvimento de milhões de cooperados e seus familiares.

Entrevista publicada, também, na Revista Paraná Cooperativo

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