DR. PAULO KUHNEM
Fitopatologista da Biotrigo Genética
De acordo com a Sociedade Brasileira de Nematologia, os nematoides causam prejuízos de mais de R$ 16 bilhões ao ano somente na cultura da soja. Diversas medidas de controle integradas têm sido utilizadas para mitigar essas perdas, tais como o uso de cultivares de soja resistentes, o tratamento de sementes com nematicidas e a rotação de culturas com espécies não hospedeiras. Tais medidas têm seu foco de controle apenas durante a estação de cultivo de verão. No entanto, o manejo durante a entressafra tem auxiliado no combate aos nematoides, e a cultura do trigo tem se mostrado uma aliada na redução populacional dessas pragas, além de proporcionar rentabilidade no inverno para o produtor.
Dentre as principais espécies que infectam a soja no Brasil, pode-se destacar o nematoide das galhas (Meloidogyne javanica e M. incognita), nematoide das lesões radiculares (Pratylenchus brachyurus), nematoide do cisto (Heterodera glycines) e nematoide reniforme (Rotylenchulus reniformis).
A prevalência da espécie ou a intensidade e extensão dos sintomas nas lavouras de soja variam devido a diversos fatores. Dentre os fatores relacionados ao solo, a ocorrência de nematoides tem sido associada a solos com baixa fertilidade, baixo teor de matéria orgânica e mais sujeitos ao déficit hídrico. Em solos argilosos, com altos teores de matéria orgânica e em regiões com boa distribuição de chuvas, os sintomas da parte aérea podem não serem vistos, fazendo com que a presença de nematoides nas lavouras passe desapercebida, o que tem levado erroneamente à conclusão de que nematoides não têm potencial de perdas econômicas nessas áreas.
Sintomatologia
Os sintomas primários são observados no sistema radicular. O nematoide das galhas causa o engrossamento das raízes, formando galhas de número e tamanhos variados. Já os sintomas do nematoide das lesões consistem em um sistema radicular menos volumoso, pouco desenvolvido e raízes parcial ou totalmente escuras.
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Sistema radicular de soja com formação de galhas causadas por Meloidogyne sp. e lesões escuras causadas por Prathylencus brachyurus |
Os sintomas de ambos os nematoides são normalmente observados em reboleiras, com plantas amareladas e menos desenvolvidas. Ao analisar a parte aérea das plantas nessas reboleiras, as infectadas pelo nematoide das galhas apresentam folhas com manchas cloróticas ou necrose entre as nervuras, sintoma conhecido como folha “carijó”. Já as plantas infectadas pelo nematoide das lesões apresentam nanismo, clorose e murcha nas horas mais quentes do dia.
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Lavoura de soja com reboleiras causadas por nematoide e sintomas de folha carijó |
Ao identificar esses sintomas, é importante se ter claro que a erradicação dos nematoides é uma tarefa extremamente difícil, sendo necessária a adoção de uma estratégia baseada em medidas integradas de manejo que visem a redução populacional e minimizem as condições favoráveis ao seu desenvolvimento. O uso de cultivares resistentes é uma das principais medidas a serem utilizadas. Utiliza-se o fator de reprodução (FR) para caracterizar o nível de resistência de uma cultivar aos nematoides.
FR de cultivares aos nematoides
Menor que 1 – não houve reprodução, cultivar é resistente
Entre 1 e 2 - baixa taxa de reprodução, cultivar é moderadamente resistente
Acima de 2 – maior taxa de reprodução, cultivar é moderadamente suscetível ou suscetível
O papel do trigo na redução da população de nematoides
Dentre as culturas disponíveis no inverno, o trigo é uma alternativa com rentabilidade econômica para o produtor que, além de proporcionar diversos benefícios ao sistema, também tem apresentado, em diversos genótipos, potencial na redução da população de nematoides.
Resultados de um ensaio realizado em 2021 pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), em Umuarama/PR, para avaliar em condições controladas a reação de quatro cultivares de trigo (TBIO Calibre, Astro, Duque e Aton) às duas espécies de nematoide das galhas indicam, na média, um fator de reprodução de 0,64 para M. incognita e 1,40 para M. javanica. Comparados com a soja testemunha do experimento, a redução média na população foi de 79% para M. incognita e de 75% para M. javanica. As cultivares de trigo avaliadas praticamente não diferiram entre si quanto à reação a ambas as espécies de nematoides das galhas. No entanto, o FR apresentou variação de 0,33 a 1,11 para M. incognita e 0,36 a 0,89 para M. javanica. Tais resultados demonstram a viabilidade da utilização da cultura do trigo no manejo integrado de nematoides e a necessidade de se conhecer a reação dessas e de outras cultivares separadamente para cada espécie.
Já em ensaio de campo realizado em Campo Mourão/PR, em 2018, após avaliar o efeito de diferentes sistemas de manejo, como pousio, milho segunda safra, aveia e trigo sob a população de nematoide das galhas, observou-se que o híbrido de milho utilizado aumentou em oito vezes a população inicial, com fator de reprodução de 8,1. Enquanto isso, os manejos de aveia e trigo tiveram FR de 0,24 e 0,43, respectivamente, demonstrando que o uso das variedades testadas para essas culturas reduziu efetivamente a população de nematoides no campo. Vale ressaltar que o pousio também apresentou um FR baixo, de 0,71. No entanto, nesse experimento foi realizado um controle eficaz de plantas daninhas, as quais são hospedeiras do nematoide das galhas. Além de não gerar renda no inverno, o pousio mantém o solo desprotegido.
Fica evidente a existência de uma variabilidade genética no trigo que demanda a caracterização da reação de cada cultivar para cada espécie de nematoide. Entretanto, cultivares de trigo têm mostrado potencial para auxiliar na redução populacional de nematoide das galhas, podendo ser utilizadas como uma das estratégias de manejo integrada destas pragas, além dos demais benefícios já conhecidos da cultura e da rentabilidade econômica para o produtor.
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Confira o artigo na íntegra, com todos os gráficos dos experimentos. |
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