Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 529 | Outubro de 2022 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

CARINA GOMES RUFINO Chefe de transferência de tecnologia, Embrapa Soja

Carina Gomes Rufino é analista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e, desde outubro de 2020, responde pela chefia de transferência de tecnologia da Embrapa Soja, em Londrina (PR). Formada em comunicação social, jornalismo, pela Universidade Estadual de Londrina, com mestrado em comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo, ênfase em comunicação e internacionalização de empresas. Desde 2016, atua na área de gestão da inovação, com experiência em projetos de inovação aberta, desenvolvimento de ecossistemas de inovação, gestão de parcerias público-privadas, relacionamento e engajamento com stakeholders.

“A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi criada em 1973 com a missão de viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira. “Nosso compromisso é desenvolver e manter um sistema forte de pesquisa agropecuária que equilibre os desafios técnicos atuais dos sistemas de produção e uma visão de longo prazo, que zela pela sustentabilidade e competitividade da agricultura brasileira”, afirma a jornalista Carina Gomes Rufino, analista da Embrapa, que desde outubro de 2020, responde pela chefia de transferência de tecnologia da Embrapa Soja, em Londrina. Segundo ela, “Trabalhar com pesquisa agropecuária é manter os pés no chão e olhos ao longe, por isso a missão da Embrapa concilia a atuação na fronteira do conhecimento, em temas como engenharia genética e agricultura digital, com os desafios que o produtor enfrenta no dia a dia de sua propriedade.



Revista Coamo: Qual a importância da área de Transferência de Tecnologias da Embrapa?

Carina Gomes Rufino: O processo de transferência de tecnologia é essencialmente uma relação de ganhos mútuos para todos os envolvidos. O relacionamento técnico com as cooperativas é tão estratégico para a Embrapa que não é visto apenas como um mecanismo de levar o conhecimento gerado na instituição. Pelo contrário, entendemos que a força de sustentação de uma organização de pesquisa como a Embrapa, vem justamente dessa conexão umbilical que temos com o cooperativismo brasileiro, que tem uma assistência técnica diferenciada junto ao produtor. Na Embrapa Soja, por exemplo, temos forte parceria institucional com o sistema Ocepar, OCB e Senar-PR, onde promovemos de forma conjunta cursos de atualização técnica para os agrônomos das cooperativas, programas de capacitação contínua como o Treino e Visita, palestras técnicas, dias de campo e elaboração de trabalhos conjuntos de validação regional para citar algumas das atividades de transferência de tecnologia que desenvolvemos juntos.



RC: Quais os avanços e desafios para a transferência de Tecnologias?

Carina: O conceito de transferência de tecnologia evoluiu muito nos últimos anos e hoje está estruturado em três grandes pilares. Além da transferência de tecnologia tradicional, que é ancorada nos conhecimentos e recomendações técnicas para os diferentes sistemas de produção, realizada por meio de dias de campo, cursos, treinamentos, unidades de referência tecnológica, também tem crescido a visão do processo de transferência de tecnologia como oportunidade para o desenvolvimento de negócios a partir de ativos gerados pela pesquisa. Outra tendência que se consolidou com resultados significativos é o conceito de inovação aberta. Na Embrapa Soja, mapeamos quatro grandes eixos prioritários que conciliam pesquisa e perspectivas de desenvolvimento de novos negócios: genética avançada, bioinsumos, agricultura de baixo carbono e agricultura digital. O negócio mais tradicional da Embrapa é a genética, que, no caso da soja, passou por uma profunda transformação nos últimos anos. Hoje a Embrapa tem um portfólio de genética de soja bem competitivo em todas as regiões produtoras e com diferenciais únicos no mercado, como a resistência a percevejos encontrada nas cultivares com a tecnologia Block. Nosso maior desafio é o desenvolvimento de mercado junto ao produtor em termos de volume de sementes e acesso aos canais de distribuição, mas temos trabalhado fortemente para reverter isso. As cooperativas têm um papel importante nessa estratégia, pois investem no programa de melhoramento da Embrapa. A Coamo é um exemplo que vem ampliando o volume de cultivares de soja da Embrapa nas plataformas Intacta e Intacta 2 Xtend para multiplicação e apresentação nas diferentes regiões. A Embrapa também tem atuado fortemente no desenvolvimento de bioinsumos. Para se ter uma ideia, a tecnologia da co-inoculação da soja com azospirillum, desenvolvida e recomendada pela Embrapa, já é feita em 25% da área de soja no Brasil. Isso é bom para o produtor e para o meio ambiente. Estamos avançando na prospecção de novos microorganismos com efeitos benéficos para a agricultura e, por meio de parcerias público- -privadas, queremos acelerar o desenvolvimento de produtos nessa área. O terceiro grande desafio é a agricultura digital e a automação na agricultura. A convergência de conhecimentos e tecnologias já está alterando profundamente a produção e o mercado agrícola. Estamos avançando nessa linha tanto em agricultura de precisão, que torna mais eficiente o manejo das áreas agrícolas, como por meio de inovação aberta com startups que desenvolvem novos mecanismos de monitoramento e conectividade de ferramentas no campo.



RC: O Programa de Soja Baixo Carbono é uma das vanguardas atuais?

Carina: O Programa Soja Baixo Carbono é uma iniciativa pioneira liderada pela Embrapa, que visa desenvolver um protocolo brasileiro de certificação da soja, composto por indicadores mensuráveis, reportáveis e verificáveis, que irá atribuir o selo Soja Baixo Carbono (SBC) à soja produzida com uso integrado de práticas e tecnologias sustentáveis que reduzem as emissões de carbono. Foi desenhado para ser um projeto de inovação setorial na cadeia produtiva da soja, que beneficie todo o setor e posicione o Brasil de forma pró-ativa na agenda de combate às mudanças do clima. O sistema de produção de soja brasileiro é um dos mais sustentáveis e favoráveis à agenda pró-clima e a agricultura brasileira é parte da solução global nesta temática. A sustentabilidade passou a ser de fato um driver de negócios. Mais do que parecer sustentável, é necessário comprometer-se, dar transparência e garantir o quão sustentáveis estão as iniciativas, por meio de indicadores e números que agreguem transparência e confiança ao processo.



RC: E como será esta certificação neste programa?

Carina: O Programa Soja Baixo Carbono vai desenvolver um protocolo de certificação de terceira parte, com base em dados científicos, que permita atestar para os mercados a eficiência dos sistemas produtivos de soja em termos de redução das emissões, por meio do uso de práticas agrícolas aprimoradas, como plantio direto, inoculação da soja, manejo integrado de pragas. O Soja Baixo Carbono será um protocolo de adesão voluntária, com foco em valorizar as boas práticas de produção. Diferente de certificações que já existem atualmente, o objetivo é criar métricas que quantificam a magnitude das reduções da intensidade das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) alcançadas ao se adotar as boas práticas agrícolas. O programa irá considerar a realidade dos diferentes sistemas de produção de soja brasileiros e permitirá quantificar o quanto as boas práticas que são incorporadas no sistema permitem contribuir para uma efetiva redução das emissões. E há uma grande convergência nessa agenda, pois as mesmas tecnologias que sabidamente aumentam a produtividade, são práticas que mitigam as emissões.



RC: Como foi estruturado o programa?

Carina: Do ponto de vista da inovação, o Programa Soja Baixo Carbono, foi estruturado para ser viabilizado por meio de parcerias público-privadas com diferentes elos que atuam junto à cadeia produtiva da soja. Desde o início, a Embrapa colocou como desafio atrair parceiros que efetivamente estivessem comprometidos com iniciativas para avançar nas agendas de sustentabilidade e de redução das emissões. Ao longo desse processo, conduzimos reuniões com grandes corporações e cooperativas e a receptividade ao projeto foi muito positiva, especialmente em função dos novos mercados que estão se organizando em relação à questão do carbono. E um ponto que fica muito evidente, seja no mercado internacional ou mercado nacional, é que as oportunidades de negócios que estão se abrindo, terão em comum, o desafio da isenção e credibilidade dos dados mensurados. Por isso, a necessidade latente de desenvolvimento de um protocolo sólido e seguro para quantificar a sustentabilidade do processo produtivo de produção de soja foi muito bem recebida.



RC: A soja produzida com tecnologias sustentáveis terá maior valor?

Carina: Quando o produtor faz um plantio direto bem-feito, com rotação de culturas que gere uma boa palhada, usa técnicas como inoculação e coinoculação, faz um bom manejo de pragas, cumpre os requisitos de propriedade e adequação ao código florestal, ele se torna também um importante agente que apresenta soluções para combater as mudanças do clima. É justamente esse perfil de produtor que o Soja Baixo Carbono quer valorizar ao certificar e quantificar o quanto sua prática produtiva está contribuindo para a redução das emissões por tonelada de grão produzida. O SBC vai avançar com essa agenda ao criar condições para medir de fato essa contribuição, por meio de critérios cientificamente aceitos, permitindo que um produtor de excelência seja valorizado e reconhecido por isso. O Brasil é um dos maiores exportadores de alimento do mundo, uma potência agroambiental, e pode liderar também a forma como a governança dos requisitos de sustentabilidade irá se desenvolver e criar condições para que o produtor brasileiro seja protagonista nessa agenda, afinal, a forma como ele conduz suas práticas produtivas são importantes contribuições para que o mundo fique dentro de suas metas climáticas de redução do aquecimento global. As cooperativas, que tão bem representam o produtor e fazem essa interlocução com o mercado, têm a possibilidade de sair na frente nesse mercado ajudando a garantir que o retorno do investimento do produtor em boas práticas seja valorizado nos programas de bonificação, de acesso a mercados globais, criação de produtos para o consumidor com selos atrelados. É uma oportunidade de novamente liderar a pauta das discussões e fazer com que os benefícios cheguem diretamente para o produtor.



Carina Gomes Rufino, Chefe adjunta de Transferência de Tecnologia da Embrapa Soja

RC: Na sua opinião qual é a importância do cooperativismo para o desenvolvimento dos Estados e do Brasil?

Carina: O cooperativismo foi a mola propulsora do desenvolvimento do agro ao criar representatividade e dar condições de organização ao produtor. Sempre esteve à frente dos grandes ciclos de transformação da agricultura brasileira e se tornou um elo fundamental para a economia dos estados, para a geração de emprego, agregação de valor na agropecuária, estabelecimento de melhores condições negociais para o produtor, no processo de transferência de tecnologia e inovação no campo, e, mais recentemente, no fomento ao desenvolvimento do ecossistema de inovação agritech. O cooperativismo também tem desempenhado um papel estratégico na defesa de políticas públicas, na interlocução com os poderes legislativo e executivo. Essa capacidade de olhar de forma mais ampla o setor, seus desafios de curto, médio e longo prazo e sua capacidade de liderar transformações é que fazem do cooperativismo brasileiro um exemplo para o mundo e um orgulho para todo cidadão.



RC: E quanto a parceria da Embrapa com a Coamo?

Carina: Nossas histórias se mesclam ao longo desses anos todos e o grande beneficiado dessa parceria é o produtor. A Coamo foi visionária e pioneira quando, desde o início de sua história, criou e estruturou sua fazenda experimental, trazendo a pesquisa agropecuária para atuar junto nos grandes desafios. Juntos seguimos construindo história, discutindo melhorias no manejo do solo, na fertilidade, na resistência de plantas daninhas, pragas e doenças, de forma técnica, focada em resultados práticos e baseados em dados gerados na própria região. Juntos, estamos dando um passo importante, para abertura de novos ciclos de inovação, com o Programa Soja Baixo Carbono.

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