Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 547 | Junho de 2024 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

EDUARDO BRITO BASTOS

Engenheiro agrônomo, líder do Comitê de Sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio e presidente do Comitê de Inovação do Carbono (USP)

“Será um grande desafio alimentar dez bilhões de pessoas em 2050 e ao mesmo tempo preservar e usar a natureza a nosso favor”

"O desafio do Brasil é aproveitar enquanto potência agrícola para ser também uma potência ambiental, porque tem a maior floresta tropical do mundo, que é a terceira maior do planeta Terra, depois da Rússia e do Canadá”, afi rma o engenheiro agrônomo, líder do Comitê de Sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio e presidente do Comitê de Inovação do Carbono (USP), Eduardo Brito Bastos, entrevistado desta edição na Revista Coamo. Ele esteve em Campo Mourão na 4ª Feira do Agronegócio, Tecnologia e Inovação palestrando aos produtores e profissionais sobre mercado de carbono. “O Brasil é pioneiro em tecnologias e isso é superinteressante. Nosso país tem essa escala de implementação e preservação que nenhum outro país tem, seja percentualmente ou em área. Estamos falando de quase 40 milhões de hectares de área de plantio direto. A maioria dos países do mundo não tem esse território.”

Revista Coamo: Professor, o mundo tem necessidade de alimentar uma população de bilhões. O que tem a ver essa relação com o processo de uma agricultura sustentável com o mercado de carbono?

Eduardo Brito Bastos: Tem tudo a ver. Será um grande desafio alimentar dez bilhões de pessoas em 2050. Boa parte da agricultura brasileira não é irrigada, a gente precisa da chuva e isso depende de ciclos climáticos. Então uma boa agricultura é amiga da agenda ambiental. Temos que promover essa agricultura e ganhar dinheiro, e isso não tem nenhum problema. Na verdade, são coisas que se juntam e não se opõem.

RC: Dentro dessa produção sustentável, como está o Brasil e a atuação do produtor, que é um grande protagonista?

Eduardo: O Brasil é o quarto maior produtor e o terceiro maior exportador de alimentos do mundo. Temos um papel importante entre os dez maiores produtores de alimentos do mundo. A maioria exporta, mas consome muito mais. E o agricultor brasileiro se destaca em boas práticas e preservação ambiental, pois 60% do território brasileiro é preservado e metade disso está preservado na mão dele.

RC: E se verificar as boas práticas como o plantio direto?

Eduardo: Comemoramos que mais de 80% da área tem plantio direto em nosso país, que não deve nada para os outros, muito pelo contrário, está muito bem na conservação ambiental.

RC: Quais são os desafios para a preservação ambiental?

Eduardo: Carregamos alguns desafios como, por exemplo, o desmatamento, principalmente no bioma amazônico e no cerrado. Acabamos contaminando a discussão de uma maneira ruim, mas de novo precisamos enfrentar e endereçar isso o mais rápido possível.

RC: O senhor esteve na 4ª Feira do Agronegócio, Tecnologia e Inovação em junho, em Campo Mourão. Como está o Brasil com relação as emissões de gases do efeito estufa e a participação setorial nas emissões?

Eduardo: Estamos exatamente no inverso do resto do mundo. Boa parte do planeta Terra tem 75%, ou seja, 3/4 da emissão ligados à energia. No Brasil, 75% das emissões estão ligadas ao uso da Terra, 50% é desmatamento e 25% agricultura. Então, são olhares muito distintos e a solução é a energia, tirar o fóssil, tirar petróleo, gás, carvão, usar mais o renovável e o elétrico.

RC: E o mundo todo fica de olho no Brasil?

Eduardo: O Brasil, para muitos países e núcleos é um inimigo pela sua potencialidade e competitividade. Em dez anos, o próprio governo americano diz que o Brasil deve passar os Estados Unidos e sair de quarto para terceiro maior produtor mundial. E com isso, é claro que em muitos mercados a gente compete por acesso a esses mercados. O nosso país é o maior exportador de soja e um dos maiores exportadores de milho do mundo. Cada ano varia, mas o Brasil está sempre entre os três primeiros. No café, somos líder há mais de um século e esse papel de protagonista incomoda.

Eduardo Brito Bastos é engenheiro agrônomo formado pela Esalq, pós-graduado em Marketing, Gestão de Negócios, tem 27 anos nos setores agro e químico, líder do Comitê de Sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio, presidente do Comitê de Inovação do Carbono (USP)

RC: Diante desta posição mundial, qual deve ser a atuação do Brasil?

Eduardo: O desafio é aproveitar isso como potência agrícola e ser também uma potência ambiental, porque o Brasil tem a maior floresta tropical do mundo, que é a terceira maior do planeta Terra, depois da Rússia e do Canadá. Temos uma oportunidade incrível de juntar essas duas agendas e mostrar para o mundo que podemos continuar suprindo comida e ajudar no clima.

RC: Com a sua experiência dentro e fora do país, como é que está essa união das duas agendas?

Eduardo: Falta ainda uma aproximação tanto do poder público como no privado, por exemplo, da Agricultura com os poderes Executivo e Legislativo. A agricultura tem uma relação muito mais próxima, mas existem várias iniciativas interessantes como o Plano Nacional de Conversão de Passagens Degradadas, o próprio Plano ABC de Agricultura de Baixo Carbono. Existem estratégias de Estado favoráveis ao agricultor e ao meio ambiente. E fazer plantio direto, por exemplo, é bom para a agricultura e para o meio ambiente, assim como fazer uso de biológico é bom para o meio ambiente e bom para a agricultura. Então, temos uma agenda superpositiva, que precisa ser incrementada.

RC: Até porque o Brasil é o único do mundo que preserva e é exemplo.

Eduardo: O Brasil é pioneiro em tecnologias e isso é superinteressante, porque o nosso país tem essa escala de implementação e preservação que nenhum outro país tem, seja percentualmente, seja em área. A gente está falando de quase 40 milhões de hectares de área de plantio direto e a maioria dos países do mundo não tem esse território. Precisamos comemorar essa área de plantio direto no Brasil e parabenizar os pioneiros, como os da região de Campo Mourão, segunda cidade do país a implantar esta tecnologia revolucionária, que fizeram isso muito bem há mais de cinco décadas.

RC: Existem vários desafi os globais como crise climática, alimentar e energética.

Eduardo: São três das maiores crises que o mundo está vivendo. Nos próximos 20 anos é esperado que seja necessário dobrar a produção de alimentos. Com isso vai dobrar também o consumo de energia e isso tem que ser feito reduzindo emissões. Então, essa combinação é importante para a manutenção da vida na Terra. A gente já precisa de energia, mas precisa de uma temperatura adequada e regimes dechuvas, ligado a clima adequado. O Brasil, apesar de ser o quarto maior exportador e o terceiro maior exportador do mundo, não vende alguns produtos para cinco ou seis dos maiores mercados. A carne é um ótimo exemplo, existe um espaço enorme para a gente conquistar.

"O MAIOR DESAFIO ESTÁ EM USAR MELHOR A TERRA QUE A GENTE TEM DO OUTRO LADO. O MUNDO TODO ESTÁ DE OLHO NO BRASIL."

RC: Como o produtor vai ganhar dinheiro com o negócio de mercado de carbono?

Eduardo: Primeiro ele vai ganhar com as boas práticas. Sim, a lógica das boas práticas e quem faz plantio direto vai entender muito bem, que é reter mais água no solo, reter mais nutrientes no solo e aumentar a capacidade produtiva. O próximo passo é justamente usar esse carbono estocado no solo, o carbono de bom manejo e converter em mercado, em créditos de carbono ao converter matéria orgânica em carbono. O Brasil tem um potencial de valorar cada hectare em cerca de R$ 100,00 a mais. Então, para fazer exatamente o que já se faz, fazer cada vez melhor, obviamente, é conseguir R$ 100,00 a mais por hectare - num número médio hoje do planeta Terra para a agricultura tradicional. Mas, podemos ir para R$ 500,00 por hectare. Se a gente vai trabalhando com cultivos como café, por exemplo, cana ou floresta, que capturam ainda mais, essa é a oportunidade que a gente tem de fazer esses projetos. A recomendação nossa é agregar valor, e a cooperativa pode apoiar essa agregação, mas quem vai fazer a transformação é o produtor.

RC: Como é que está essa realidade? Já tem produtor ganhando dinheiro com o mercado de carbono?

Eduardo: São poucos exemplos em todos os estados brasileiros. Tem produtor, por exemplo, em Minas Gerais, ganhando por pagamento de serviços ambientais, por estar recuperando nascentes. O carbono daquele manejo bom de pasto, retém mais nutrientes no carbono, vai menos para a água e contamina menos a água. As empresas que usam água, refrigerantes, sucos estão pagando para esse produtor manter as nascentes.

RC: Cite alguns exemplos desta agregação de renda.

Eduardo: Tem muita coisa já acontecendo em diferentes produtos e biomas. O café do Brasil exportou o primeiro contêiner no começo de 2024 de café com carbono zero, com o prêmio do dobro da saca, o dobro do preço de Nova York há dois anos. Um frigorífico brasileiro exportou o primeiro contêiner de carne carbono zero com 5% de prêmio na carne e esse 5% foi repassado para o preço da arroba do boi.

RC: O senhor acredita então que a velocidade será maior em relação ao negócio do mercado de carbono?

Eduardo: Sim, será, porque o mundo está pedindo com mais urgência, inclusive, é muito mais urgente esta questão. O mundo tem pressa de resolver o problema da fome, mas também está preocupado com o problema do clima. O Brasil pode endereçar esse desafio muito mais rápido que a grande maioria dos países, pois tem um papel preponderante. Se eu tivesse que selecionar dois, três países, o Brasil estaria entre eles.

"O Brasil é pioneiro em tecnologias e isso é superinteressante, porque o nosso país tem essa escala de implementação e preservação que nenhum outro país tem, seja percentualmente, seja em área."

RC: E quanto ao mercado voluntário de carbono, como é isso?

Eduardo: O mercado voluntário tem vários aspectos, várias vertentes para proporcionar essa lucratividade, e uma agregação nova de renda. Os três principais são: o manejo de agricultura, então trabalhar a agricultura com boas práticas agrícolas, com plantio direto, por exemplo. Os biológicos, os sistemas fl orestais, a recuperação de praças degradadas, tudo isso está dentro da área de agricultura. Tem um segundo bloco que é restauração, então é retornar à floresta. Esse é um potencial muito interessante que existe também no Brasil. E o terceiro são os excedentes de reserva legal. No Paraná, isso não é tão comum, mas há vários Estados brasileiros que têm mais excedente, tem mais área do que a lei permite de conservação. Então, se o produtor não quiser derrubar pode converter em dinheiro, e em seis meses, no máximo um ano, ele consegue fazer dinheiro com o excedente de floresta.

RC: Qual é a sua mensagem aos cooperados com este cenário todo?

Eduardo: Os produtores devem trabalhar e implementar boas práticas, e dialogar mais com os setores que já estão trabalhando nisso. Então, devem conversar mais com as empresas que fazem esse movimento, com a cooperativa para estruturar e apresentar mais projetos. O mundo está carente de projetos e os produtores podem ajudar muito nessa jornada.

É permitida a reprodução de matérias, desde que citada a fonte. Os artigos assinados ou citados não exprimem, necessariamente, a opinião do Jornal Coamo.