Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 562 | Outubro de 2025 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

MARIÂNGELA HUNGRIA

Engenheira agrônoma, doutora em Ciência do Solo e pesquisadora da Embrapa Soja

"A agricultura do futuro será cada vez mais sustentável, baseada em ciência, inovação e no uso inteligente dos recursos naturais."

Engenheira agrônoma, doutora em Ciência do Solo e pesquisadora da Embrapa Soja, Mariangela Hungria é uma das principais referências mundiais em biotecnologia e microbiologia do solo. Em 2025, recebeu o Prêmio Mundial de Alimentação, considerado o "Nobel" da agricultura, em reconhecimento às contribuições da ciência brasileira para a sustentabilidade da produção de alimentos. Autora de centenas de publicações e tecnologias, ela defende a integração entre pesquisa, inovação e sustentabilidade como base para o futuro do campo.

Nesta entrevista à Revista Coamo, Mariangela aborda sobre o papel do cooperativismo na geração de desenvolvimento técnico e social, o avanço dos bioinsumos e da fixação biológica de nitrogênio, e destaca como o investimento em ciência e capacitação é essencial para garantir produtividade, rentabilidade e menor impacto ambiental nas lavouras brasileiras

Revista Coamo: Qual é na sua opinião a importância do cooperativismo como instrumento de desenvolvimento técnico, econômico e social para milhares de pessoas nos cinco continentes?

Mariangela: Agradeço imensamente o espaço. Tenho enorme admiração pela Coamo, por sua força organizacional e pela capacidade de transformar conhecimento em resultados no campo. A cooperativa é um exemplo de que o desenvolvimento econômico e social pode caminhar junto com a sustentabilidade e a valorização das pessoas. Que todos continuem acreditando na ciência e na união, dois pilares que sustentam o progresso do agro brasileiro. O cooperativismo é, sem dúvida, uma das soluções mais eficazes para as limitações do setor agrícola. Desde o início da minha carreira, vejo nele um modelo que prioriza o bem-estar do agricultor - não o lucro da instituição, mas o resultado coletivo. É um sistema que oferece benefícios sustentáveis, favorece a imagem do produtor e amplia o acesso a mercados. Acredito que, no futuro, o cooperativismo poderá até ser reconhecido com um selo de sustentabilidade e agricultura regenerativa.

Mariangela Hungria em laboratório, vestindo jaleco branco e segurando duas placas de Petri.

Mariangela Hungria é engenheira agrônoma, doutora em Ciência do Solo e pesquisadora da Embrapa Soja. Referência internacional em biotecnologia e microbiologia do solo, com destaque em fixação biológica de nitrogênio e desenvolvimento de inoculantes para diversas culturas. Autora de mais de 500 publicações e 20 tecnologias, orientou centenas de alunos e atua em projetos com instituições do Brasil e do exterior. Membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciências, recebeu prêmios como o World Food Prize (2025), CNPq Mulheres e Ciência (2025) e foi eleita pela Forbes como uma das mulheres mais influentes do agronegócio. Reconhecida internacionalmente pelo trabalho com inoculantes e bioinsumos, a pesquisadora recebeu em 2025 o Prêmio Mundial de Alimentação, considerado o "Nobel" da agricultura. Nesta entrevista, ela fala sobre o papel do cooperativismo, a importância da pesquisa e as oportunidades da agricultura sustentável para o futuro do produtor brasileiro.

"O RECONHECIMENTO INTERNACIONAL REFORÇA O VALOR DA CIÊNCIA BRASILEIRA E O IMPACTO DAS SOLUÇÕES DESENVOLVIDAS PARA O CAMPO."

RC: A Coamo também atua fortemente com culturas como milho e trigo. Como as tecnologias de bioinsumos e coinoculação podem ser aplicadas de forma mais ampla nessas culturas, gerando redução de custos e aumento de produtividade?

Mariangela: Temos resultados muito interessantes não só com soja e milho, mas também com trigo. O desafio é que o mercado privado concentra seus esforços em culturas de maior expressão comercial. No entanto, as oportunidades são amplas, especialmente em leguminosas e forrageiras tropicais, como o feijão, tão importante para o Paraná. A Coamo tem um papel fundamental em levar essas soluções ao cooperado, transformando conhecimento científico em prática produtiva.

RC: A rápida evolução dos bioinsumos exige atualização constante. Como a senhora enxerga o papel das parcerias entre instituições de pesquisa, como a Embrapa, e cooperativas como a Coamo nesse processo de disseminação de conhecimento?

Mariangela Hungria em uma estufa, analisando pequenas plantas em vasos.

Mariangela: O avanço dos bioinsumos foi extraordinário, especialmente após 2020, impulsionado pela crise dos fertilizantes e pela criação do Plano Nacional de Bioinsumos. Muitos produtores que antes eram céticos começaram a testar essas tecnologias e comprovaram o que a pesquisa já dizia: é possível produzir mais, com menor custo e impacto ambiental. Hoje, vivemos um momento de consolidação. Há avanços, mas também desafios, como a falta de profissionais qualificados em microbiologia e manejo biológico. Parcerias entre Embrapa e cooperativas são essenciais para oferecer treinamento técnico e assistência de qualidade aos agricultores.

RC: Como foi receber o Prêmio Mundial de Alimentação 2025, considerado o "Nobel" da agricultura?

Mariangela: Foi uma surpresa imensa. Quando recebi a ligação, achei que estavam me convidando para palestrar, e não para me anunciar como vencedora. É a consagração de uma carreira dedicada à pesquisa pública e ao campo brasileiro. Esse prêmio me deu a oportunidade de falar ao mundo sobre três temas muito importantes: o valor dos bioinsumos, o papel essencial da pesquisa e a presença das mulheres na ciência, ainda pouco visível em muitos setores da agricultura.

"A pesquisa pública tem papel fundamental na geração de conhecimento e no desenvolvimento de tecnologias acessíveis para o produtor rural."

RC: A fixação biológica do nitrogênio na soja é uma referência mundial. Que resultados a Embrapa tem alcançado em termos de sustentabilidade e rentabilidade para o agricultor?

Mariangela: A fixação biológica do nitrogênio é um dos maiores casos de sucesso da agricultura brasileira. Graças a ela, deixamos de emitir cerca de 260 milhões de toneladas de CO2 equivalente por safra, apenas na soja. No milho, os ganhos também são expressivos. Com a tecnologia de inoculação, podemos reduzir em até 25% o uso de adubação nitrogenada, mantendo a produtividade e diminuindo emissões. É um resultado que mostra como ciência e sustentabilidade podem andar juntas.

RC: O Brasil é líder mundial no uso da Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN). Qual o papel da Coamo na expansão e correta aplicação dessas tecnologias?

Mariangela: A Coamo pode ser protagonista nesse processo. Para isso, é essencial investir não apenas em infraestrutura, mas também em profissionais qualificados e biofábricas modernas, capazes de atender às demandas dos cooperados com produtos de alta qualidade e em embalagens adequadas. As cooperativas têm a vantagem de pensar no longo prazo, e podem liderar a transição para uma agricultura mais limpa, eficiente e com menor emissão de gases de efeito estufa.

RC: Em sua visão, quais são os principais desafios e oportunidades para a Coamo na transição para uma agricultura de baixo carbono?

Mariangela: As cooperativas representam o modelo ideal de equilíbrio entre produtividade e responsabilidade ambiental. Elas podem guiar o agricultor para um novo tipo de lucro, não apenas financeiro, mas também ambiental e social. A biotecnologia do solo, especialmente a fixação biológica do nitrogênio, se encaixa perfeitamente nesse conceito. A Coamo tem todas as condições de liderar o uso de tecnologias sustentáveis, baseadas em dados científicos sólidos e adaptadas à realidade do produtor.

"Parcerias entre instituições de pesquisa e cooperativas fortalecem a difusão de tecnologias e asseguram ao agricultor acesso a soluções inovadoras adaptadas à realidade do campo."

RC: Uma mensagem final aos cooperados, funcionários e leitores.

Mariangela: Acreditem na ciência, valorizem o cooperativismo e invistam na sustentabilidade. A agricultura do futuro é aquela que produz mais, com menos impacto. A Coamo e seus cooperados têm todas as condições de serem referência mundial nesse caminho, unindo produtividade, inovação e responsabilidade ambiental.

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