Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 469 | Maio de 2017 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

“O MIP É TECNOLOGIA PARA UMA AGRICULTURA MAIS LIMPA E SUSTENTÁVEL”

"Após 45 anos trabalhando com insetos de soja, me sinto segura de que é preciso fazer o MIP como ferramenta correta para a agricultura sustentável."

A bióloga Beatriz Spalding Corrêa Ferreira, gaúcha de Encruzilhada do Sul, é doutora em Entomologia pela Universidade Federal do Paraná. Foi pesquisadora da Embrapa Soja entre 1975 a 2008 e atua na Instituição como pesquisadora consultora, com foco em manejo de pragas, bioecologia de percevejos e controle biológico de percevejos.  Participou ativamente no programa de controle biológico para percevejos, por meio do uso e liberação de vespinhas parasitoides de ovos de percevejos, onde mais tarde foi implantado um trabalho junto aos produtores da Bacia Rio do Campo, em Campo Mourão com a participação da Coamo, Emater e vários segmentos municipais e estaduais envolvidos.

A bióloga Beatriz Spalding Corrêa Ferreira é a entrevistada do mês.  Doutora em Entomologia, ela foi pesquisadora da Embrapa Soja entre 1975 a 2008 e atua na Instituição como pesquisadora consultora, com foco em manejo de pragas, bioecologia de percevejos e controle biológico de percevejos. Ela aborda os desafios e avanços relacionados à pesquisa agrícola. "Meu trabalho na Embrapa sempre esteve direcionado ao desenvolvimento de estratégias mais sustentáveis que pudessem ser adotadas pelos produtores", diz.


Revista Coamo: Como pioneira na área de Entomologia, que contribuições deu à pesquisa em sua carreira?

Beatriz Spalding Corrêa Ferreira:  Meu trabalho na Embrapa sempre esteve direcionado ao desenvolvimento de estratégias mais sustentáveis que pudessem ser adotadas pelos produtores, e essa foi também a linha mestre adotada pela equipe de Entomologia, alinhada com a missão da Embrapa Soja: Viabilizar soluções tecnológicas competitivas para o desenvolvimento sustentável do agronegócio da soja por meio da geração, adaptação e transferência de conhecimentos e tecnologias, em benefício da sociedade. Com a implantação do programa de manejo integrado de pragas (MIP) na década de 1970, obteve-se uma racionalização do uso de inseticidas, com redução dos custos de produção sem riscos à produtividade. Junto a equipe de Entomologia, em 1975, quando iniciei minhas atividades na Embrapa Soja, técnicas de amostragens foram desenvolvidas e aprimoradas, níveis de ação das principais pragas estabelecidos para as condições de Brasil e medidas de controle foram pesquisadas na busca por diferentes alternativas. Participei ativamente no programa de controle biológico para percevejos, através do uso e liberação de vespinhas parasitoides de ovos de percevejos, onde mais tarde foi implantado um trabalho junto aos produtores da Bacia Rio do Campo, em Campo Mourão, com a participação da Coamo, Emater e vários segmentos municipais e estaduais. Mais recentemente, em pesquisas focadas no manejo dos percevejos no sistema produtivo soja-milho buscando encontrar soluções integradas para melhor manejar esses insetos sugadores. Após 45 anos trabalhando com insetos da soja, quanto mais eu estudo e realizo trabalhos nessa linha de pesquisa, mais me sinto segura em afirmar, que a utilização do MIP é a tecnologia correta para uma agricultura mais limpa e sustentável num ambiente de melhor qualidade.


RC: Os percevejos são um dos fatores mais impactantes entre as pragas que atacam o sistema produtivo. Qual recomendação aos produtores para fazer a lição de casa?

Beatriz: Realmente, os percevejos são ainda hoje pragas de grande importância para o sistema produtivo, impactando diretamente no produto final, reduzindo a produção e especialmente a qualidade do grão, se não manejados adequadamente durante o ciclo de desenvolvimento das culturas. Como os danos desses insetos sugadores não são facilmente visíveis e dependendo do horário, nem mesmo os percevejos são perceptíveis na sua totalidade, ficando as formas jovens (ninfas) dos percevejos escondidas na parte mediana e baixeira das plantas, é de suma importância que as lavouras sejam monitoradas antes e durante o cultivo. Assim o produtor poderá acompanhar a ocorrência e o crescimento dessas populações ao longo do desenvolvimento das plantas e tomar a decisão de controlá-los no momento correto. É importante o produtor conhecer um pouco da biologia e do comportamento desses percevejos que estão presentes na soja e no milho, especialmente, saber que os percevejos na soja começam a ser problema a partir do desenvolvimento de vagens – fase de canivetinho, quando atingirem o nível de dois percevejos/m e no milho precisam ser controlados quando houver 1 percevejo / 10 plantas até 20 dias da emergência. Portanto, o produtor deve criar o hábito de monitorar a lavoura e não utilizar aplicações de inseticidas no aproveitamento de outra operação sem que haja a presença efetiva da praga.


RC: Qual a relação das novas tecnologias com a resistência ao percevejo?

Beatriz: A tecnologia da soja Bt  apresenta vários benefícios diretos e indiretos pela clara redução no uso de inseticida para o controle das lagartas, entretanto não tem nenhuma ação direta sobre os percevejos, além da maior preservação dos inimigos naturais no início do ciclo de desenvolvimento da cultura. Apesar disso, vários cultivos expressando um único evento Bt, em ambientes onde ocorrem pragas de alta mobilidade, agravado pela não observância das áreas de refúgio representam uma ameaça em médio e longo prazo, ao desempenho ideal da tecnologia. Até onde temos conhecimento, a curto prazo, não existe no portfólio das empresas o desenvolvimento de novas tecnologias, como plantas geneticamente modificadas ou novos inseticidas que visem o controle de percevejo.


RC: O MIP é efetivamente adotado pelos produtores? Há necessidade de mudança na condução do manejo da lavoura?

Beatriz: O MIP consiste no uso integrado de diferentes técnicas que possibilitam um manejo eficiente das pragas, resultando em produtividade com sustentabilidade econômica e ambiental. Infelizmente, ao longo dos anos os princípios do MIP não têm sido adotados efetivamente pelos produtores rurais, sendo em alguns momentos parcialmente adotado e em outros totalmente esquecido, gerando desequilíbrios e contribuindo para um crescente aumento no uso de inseticidas e maiores problemas com os insetos-pragas.  Para melhorar a utilização do MIP há necessidade de uma maior integração dos segmentos envolvidos, onde a pesquisa deverá estar em constante atualização das técnicas a serem levadas e adotadas pelos produtores, as empresas em desenvolver e disponibilizar produtos mais seletivos e de alta eficiência para o controle das principais pragas e por parte dos produtores uma maior conscientização e comprometimento com o ambiente que não poderá ser descuidado ou negligenciado dessa forma. Na condução da lavoura é preciso adotar o MIP e isso não significa não aplicar produto químico, mas sim fazer o controle das pragas no momento correto, utilizando a dose e os produtos indicados, ou seja, a tomada de decisão de controle deve estar baseada em critérios técnicos.


RC: O pano-de-batida é um aliado do agricultor?

Beatriz: Sim, o pano-de-batida é uma ferramenta importante que precisa ser utilizada no monitoramento das lavouras. Através das amostragens o produtor saberá com maior precisão as pragas que estão ocorrendo na sua área e em que nível estão presentes. Para tanto, a amostragem deve ser realizada de forma representativa e bem distribuída, passando maior segurança e precisão do resultado obtido. A pesquisa busca ferramentas mais práticas, ágeis e seguras para serem usadas como métodos de amostragem. Mas, hoje o que dispomos de forma confiável ainda é o pano-de- batida para a cultura da soja. Especialmente para os percevejos, é importante ressaltar que o monitoramento baseado na leitura visual dos insetos não representa a real população presente na lavoura de soja. É preciso considerar o comportamento desses insetos, especialmente as formas jovens dos percevejos, que representam muitas vezes mais que 70% da população daninha e que permanecem agregadas ou não na parte mediana das plantas, dificultando a sua visualização. Outro grande benefício do uso do pano é o produtor verificar a presença dos insetos benéficos, os inimigos naturais, insetos normalmente de tamanho muito pequenos mas que tem um potencial e uma contribuição grande na redução natural das populações das pragas, se preservados.


Beatriz Corrêa Ferreira: "É importante o produtor conhecer um pouco da biologia e do comportamento desses percevejos que estão presentes na soja e no milho."

RC: Quanto à soja Intacta, ela poderá ser uma solução para blindagem contra as pragas?

Beatriz: A soja Intacta é uma tecnologia que se bem utilizada poderá trazer grandes benefícios aos produtores e também ao ambiente. Hoje, as cultivares Intactas disponíveis são resistentes às primeiras lagartas que ocorrem na soja, como a lagarta-da-soja e a falsa-medideira e o não uso de inseticidas nesta fase inicial do desenvolvimento das plantas tem grandes retornos aos produtores, pois eles estarão preservando todo o complexo de insetos benéficos, bastante presentes nesta fase da cultura e com grande potencial de manter populações de algumas pragas sob controle. Entretanto, mesmo com soja Intacta é fundamental que o monitoramento das lavouras seja realizado pois essa tecnologia não tem efeito sobre as lagartas do grupo das Spodoptera e sobre os percevejos. No futuro, com certeza, teremos soja que agregará outros genes que controlarão um grupo maior de pragas-alvo. Entretanto, os benefícios e a preservação da eficiência dessas tecnologias podem ser facilmente perdidos se o produtor não adotar corretamente o plantio das áreas de refúgio. Essa é uma medida séria e sem alternativa para os produtores que cultivarem as plantas Bts.


RC: Para as próximas safras existem novas pragas que possam oferecer risco?

Beatriz: A natureza é uma caixinha de surpresas, mas pensando em insetos-pragas, acredito que a curto prazo não teremos novas pragas que possam oferecer grandes riscos. Saliento, entretanto, a ocorrência da mosca-da-haste Melanagromyza sojae, díptero da família Agromyzidae que já foi constatada no Brasil em plantas de soja de segunda safra, em plantas tiguera (Paraná) ou em plantios muito tardios (Rio Grande do Sul) e que no Paraguai tem aumentado sua incidência. Um exemplo recente de interação ocorreu com a Helicoverpa armigera quando foi detectada no Paraná. Numa ação conjunta da Coamo com a Embrapa Soja e bem inicial ao ataque constatado em lavouras na região de Campo Mourão foi verificado a ocorrência natural de parasitoides que matavam as lagartas sem completar o ciclo. O alerta, de imediato, foi divulgado ao corpo técnico fazendo com que os produtores não se precipitassem no controle dessa nova lagarta, elevando-se assim a população de inimigos naturais, que favoreceu a ocorrência da temível Helicoverpa em baixas populações no Paraná.

Beatriz Corrêa Ferreira participa sempre dos encontros na Fazenda Experimental da Coamo

RC: Como a Senhora vê o Manejo Integrado de Sistemas (MIS) no cenário agrícola brasileiro?

Beatriz: Além de ser bastante variável em função da região, ainda faltam estudos com relação ao manejo integrado de sistemas de forma mais global.  Frente às mudanças que ocorreram no cenário agrícola brasileiro, e as mudanças e adaptações também constatadas na entomofauna, é nítido que não se pode mais pensar no manejo integrado de forma isolada, só em soja ou só em milho, por exemplo, aqui no Paraná, ou só no algodão, no Brasil Central. As atualizações e o aperfeiçoamento das diferentes tecnologias envolvidas devem ser constantes e necessárias, devendo-se investigar novos desafios e realizar os ajustes tecnológicos de forma contínua garantindo assim o uso com sucesso de programas de manejo integrado de sistemas nas diferentes regiões agrícolas.


RC: Quais os principais desafios do Sistema Soja seguido de milho segunda safra?

Beatriz: Acredito que o principal desafio para o sistema soja seguido de milho segunda safra é o manejo dos percevejos, com destaque especial para o manejo do percevejo do barriga-verde Dichelops melacanthus. A ocorrência desta espécie vem aumentando a cada ano, é uma espécie mais tolerante aos inseticidas e, se não controlado, causa severos danos na fase inicial do milho. Aliado à incidência dessa espécie, também o percevejo marrom Euschistus heros preocupa em função dos níveis populacionais elevados e a taxa de resistência a alguns inseticidas apresentada por populações de diferentes locais.


RC: Como avalia o trabalho na Fazenda Experimental da Coamo para validação e difusão de novas tecnologias?

Beatriz: Os trabalhos disponibilizados pela pesquisa e realizados na Fazenda Experimental da Coamo têm fundamental importância quanto ao repasse e sua adoção pelos produtores. Desta forma a difusão é mais rápida, eles recebem a informação e conseguem visualizar os resultados de novas tecnologias. Nessa parceria entre a Coamo e a Embrapa, as duas instituições tem um foco comum e trabalham buscando atender novos desafios e gerar soluções para as principais demandas do produtor.

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