Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 472 | Agosto de 2017 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

“EM GRAVE CRISE, O BRASIL SÓ NÃO ESTÁ PIOR POR CAUSA DA AGRICULTURA.”

Engenheiro agrônomo, nascido em uma fazenda no município de Araras, interior do Estado de São Paulo, Francisco Graziano Neto, conhecido como Xico Graziano, formou-se em 1974, na Esalq - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", unidade da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba. É mestre em Economia Agrária e doutor em Administração, conferencista, consultor em organização, marketing de agronegócios e sustentabilidade. Publicou diversos livros, entre eles A Questão Agrária e a Ecologia (1982), A Tragédia da Terra (1992), O Real na Estrada (1995), Qual Reforma Agrária? (1996), O Paradoxo Agrário (1999), Juventude Consciente (2002), O Carma da Terra no Brasil (2004) e Almanaque do Campo (2010).

O grande desafio do Brasil atualmente é a sustentabilidade, que virou uma palavra “mágica”, pois todo mundo quer ser sustentável. Mas o que é ser sustentável? ” A citação é do engenheiro agrônomo Francisco Graziano Neto, conhecido como Xico Graziano, entrevistado do mês da Revista Coamo. Além de responder a pergunta acima, ele aborda o panorama agrícola brasileiro e os desafios para o setor.


Revista Coamo: A agricultura mudou muito nas últimas décadas. O que o senhor destaca desde a época da sua graduação?

Xico Graziano: Mudou completamente. Hoje fazemos uma agricultura com alta tecnologia, e mais importante: com tecnologia própria. Quando me formei, há mais de 40 anos, o Brasil ainda tentava reproduzir a agricultura norte-americana. O Brasil foi desenvolvendo tecnologia própria, como o plantio direto, a integração lavoura-pecuária, e as safras sucessivas. Hoje, o Brasil tem altas produtividades baseadas em sistemas de produção que os americanos e europeus, não conhecem. Aconteceu uma evolução muito grande. O Brasil caminha para ser uma potência agrícola mundial, mas precisa investir mais em pesquisa e em tecnologia.


RC: Quais são os desafios que o Brasil tem pela frente com relação a tecnologia e pesquisa?

Graziano: O grande desafio do Brasil é a sustentabilidade, que virou uma palavra “mágica”, pois todo mundo quer ser sustentável. Mas, o que é ser sustentável? Sustentabilidade, resumindo, significa manter as condições de produção e imaginar que serão reproduzidas no futuro. Ou seja, qualquer processo que comprometa o futuro não é sustentável. No Brasil, sustentabilidade é confundida com a questão do meio ambiente. Porém, a sustentabilidade inclui o aspecto social e econômico. Uma tecnologia sustentável tem que garantir rentabilidade. Uma empresa para ser sustentável tem que tratar bem seus empregados e adotar tecnologias e processos de produção que sejam pouco agressivos com o meio ambiente. Essa é a agenda da sustentabilidade que o mundo inteiro está falando. O Brasil da agropecuária está trabalhando nessa agenda, mas, há muito ainda a ser feito.


RC: O que deve ser feito?

Graziano: Devemos aprimorar e ter controles mais efetivos, por exemplo, com relação ao uso e a aplicação de defensivos agrícolas e evoluir a tecnologia. Quanto mais avançarmos no manejo integrado de pragas, no controle biológico, mais vamos evoluir.  Ainda estamos no linear das tecnologias, os produtos de defensivos agrícolas que consideramos de quarta geração já são menos tóxicos e menos contaminantes. Avançamos, mas precisamos avançar mais. Outra agenda muito importante é a chamada agenda “Azul”, que é a de proteção e preservação dos recursos hídricos. Isso tem muito a ver com a irrigação. Se todos ligassem seus pivôs, não teria água. É preciso planejamento de irrigação. Até pouco tempo era raro fazer cálculo de evapotranspiração, hoje em dia, com as tecnologias, dá para gastar menos água, um décimo do que se gastava antigamente. Lembro de um programa que fizemos em São Paulo - quando era secretário de Estado do Meio Ambiente - de melhoria ambiental no setor de cana de açúcar. Um dos objetivos era acabar com a queimada e o outro reduzir o uso de água por tonelada moída. Nós conseguimos, pois reduzimos o uso de 1.500 litros para 900 litros. Essa é a agenda do futuro, uma agenda da sustentabilidade. Precisamos evoluir e aqueles que organizam a produção, como a Coamo, por exemplo, devem estar entre os líderes desse processo.


RC: Qual deve ser a missão do engenheiro agrônomo?

Graziano: A missão do engenheiro agrônomo é ajudar abrir a cabeça dos agricultores mais profissionais e fazer pedagogia. Todo mundo tem que ser um pouco professor. Tem muito agricultor que é teimoso e pensa que não vai dar certo. Mas, não é bem assim, não tem outro jeito. É necessário avançar, por isso vejo a função do engenheiro agrônomo, dos profissionais de ciências agrarias, que trabalham no agronegócio, como professor e indutor de processos tecnológicos. Ele tem que orientar e convencer as pessoas para as mudanças. O processo tecnológico é muito rápido, e se no passado a gente ficava fazendo a mesma coisa durante dez anos em um pedaço de roça, hoje se ´bobear´, de um ano para outro muda tudo. Nas minhas aulas ou nas palestras, sempre afirmo que se não tiver organização, associativismo e cooperativismo, o agricultor não aguenta viver nesse cenário de competição, pois o mundo de hoje está muito, mas muito competitivo.


RC: Nesse processo de competitividade, como está a agricultura brasileira?

Graziano: A agricultura brasileira vai bem por uma série de fatores tecnológicos e de mercado. Vemos a China comprando o mundo inteiro há pelo menos uns dez anos, e nós aproveitamos essa situação favorável, por meio das exportações das commodities – grãos, carnes, madeira, celulose, café e açúcar. A nossa agricultura está relativamente capitalizada e passando por um bom momento. Pode-se dizer que o Brasil, que vive crise econômica que os estudiosos dizem ser a maior de todos os anos, só não está pior por causa da agricultura. O PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 0,03%, é pouco, mas se não fosse a agricultura teria sido negativo. A sociedade está reconhecendo que se não fosse a força e o valor dos homens do campo, o Brasil estaria pior.


RC: Nas suas andanças por várias regiões do Paraná, conversou com dirigentes e cooperados, conhecendo um pouco mais do nosso cooperativismo. Como analisa a importância deste movimento?

Graziano: Já conheço o cooperativismo aqui do Paraná, e este é um dos meus temas de trabalho pelo Brasil. Na questão da organização dos produtores cada vez me impressiono mais. É uma situação que dá orgulho para os paranaenses, pois das 13 mais importantes cooperativas do Brasil, nove estão no Paraná. Cooperativas, como a Coamo, fazem a diferença.


RC: Nesse trabalho das cooperativas, os cooperados estão acompanhando a evolução?

Graziano: Os cooperados estão acompanhando e dão valor. Sem as cooperativas estariam em situação difícil, pois como iriam participar desse mercado, como saber a melhor hora para comercializar, e quem iria vender tudo isso? Já pensou se cada um fosse vender individualmente? Essa força e união do cooperativismo é sensacional, é um elemento fundamental do mundo contemporâneo.


RC: Com relação ao meio ambiente, como está o Brasil? Os europeus criticam muito o nosso país, então qual é esta realidade?

Xico Graziano:  "Sem as cooperativas estariam em situação difícil, pois como iriam participar desse mercado, como saber a melhor hora para comercializar, e quem iria vender tudo isso?"

Graziano: O Brasil andou por esses ´jogos de politicagens´, vamos dizer sobre as discussões do Código Florestal. A Marina Silva – ex-ministra do Meio Ambiente - dizia que estava tudo errado, que o novo código seria uma tragédia e criou uma enorme polêmica com os ruralistas e ambientalistas, que correu o mundo inteiro. E o resultado? O Código Florestal foi aprovado há cinco anos e o último relatório que vi mostrava que 408 milhões de hectares já havia sido registrado no CAR (Cadastro Ambiental Rural). Isso é sensacional, um número maior do que o Ministério do Meio Ambiente imaginava. O agricultor brasileiro, apoiado pelas cooperativas, sindicatos e federações, precisou fazer a lição de casa. Aos poucos, o Brasil está mostrando que tem condições de fazer e seguir as normas. Outro ponto importante é a destinação correta das embalagens vazias de defensivos. O Brasil é o campeão mundial nos volumes, muito mais que a Alemanha, França Japão e Estados Unidos. O Brasil tem coisa boa para mostrar na questão do meio ambiente. Talvez esteja faltando um pouco mais na comunicação, pois não contamos direito o que fazemos. Acredito que devemos investir um pouco na comunicação para melhorar a imagem da nossa agropecuária.


RC: Qual a mensagem para os cooperados da Coamo?

Graziano: Apesar do governo, saibam que essa crise política está mostrando para nós o seguinte: ´Olha, estamos cansados de governo, quanto menos governo, melhor´. Totalmente ao contrário do que pensávamos no passado: "Cadê o Governo?". Será melhor o aprendizado dessa crise terrível que está afetando a sociedade política do Brasil. Portanto, a minha mensagem é de otimismo. Sou um viajante, um lunático, que anda pelo Brasil. Assim, fazendo o meu trabalho, percebo que estamos indo bem, mas não podemos ficar parados no mundo da tecnologia, da globalização e da sustentabilidade. Tudo é muito rápido e precisamos nos acostumar com tudo isso. Temos que empoderar os jovens, pois os jovens agricultores é que vão carregar esse piano e eles precisam ser treinados. Devemos apostar na renovação dos profissionais e dos agricultores, temos que fazer a sucessão familiar nas nossas propriedades que nem sempre é uma coisa fácil. São novos temas que exigem atenção e devemos estar atentos. Para finalizar, acredito que o Brasil não só vai se tornar um grande país agrícola no mundo, como, também, uma potência agroambiental. Nosso país tem potencial e vai fazer isso.



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