Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 475 | Novembro de 2017 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

“GASTAR COM SUSTENTABILIDADE DE FORMA MAIS HARMÔNICA E DURADOURA”

Elvira Cruvinel Ferreira é chefe do departamento de Promoção da Cidadania Financeira (Depef) no Banco Central do Brasil e membro suplente do Comitê Nacional de Educação Financeira (Conef). Doutora em Administração (EBAPE/FGV), mestre (EBAP/FGV) e bacharel (EAESP/FGV) em Administração Pública. Autora do livro “Responsabilidade Social em instituições financeiras” (Elsevier, 2008), coordenadora dos livros Governança Cooperativa (Banco Central, 2009) e “Perspectivas e Desafios para Inclusão Financeira no Brasil: visão de diferentes atores” (Banco Central, 2009). Foi gerente do projeto estratégico Governança Cooperativa – diretrizes e mecanismos para fortalecimento da governança em cooperativas de crédito.

Se o cidadão gastar indevidamente, isso pode ser um grande problema e gerar consequências. O ideal é que cada um conheça sua realidade financeira e com o orçamento definido possa gastar nas suas prioridades,  viver melhor e aumentar o seu bem-estar e sua qualidade de vida e de seus familiares. A dica é de Elvira Cruvinel Ferreira, chefe do departamento de Promoção de Cidadania Financeira do Banco Central do Brasil, na entrevista deste mês para a Revista Coamo.

Segundo ela, o papel do departamento de Promoção da Cidadania Financeira do Banco Central é melhorar o bem-estar financeiro da população, por meio da educação financeira, inclusão financeira e da proteção aos consumidores de serviços financeiros.


Revista Coamo: O Banco Central do Brasil criou o departamento de Promoção da Cidadania Financeira. Qual o objetivo dessa área?

Elvira Cruvinel Ferreira:  O Banco Central trabalha com a cidadania financeira, por isso é importante não só para a vida e melhoria na qualidade de vida das pessoas, mas também para a economia no nosso país.


RC: Como a senhora vê a percepção dos brasileiros com relação a Educação Financeira?

Elvira: Assim como no mundo todo, a partir de 2008, o tema Educação Financeira passou ser mais debatido e trabalhado tanto para o adulto quanto crianças nas escolas. Mas, ainda precisa ser mais disseminado. Avançamos bastante, as pessoas já começam a falar sobre o assunto e se preocupar. Existem muitos formadores de opinião e muitas pessoas trabalhando o tema, mas penso que ainda carece de mais conhecimento por parte da população brasileira.


RC: Mas o que é Educação Financeira?

Elvira: Trata-se de um comportamento responsável, porque dinheiro é uma parte importante para a vida de cada um de nós. O dinheiro é importante porque com ele fazemos as trocas e conseguimos as coisas para melhorar a nossa qualidade de vida. Então quando se fala em dinheiro, falamos da vida financeira, da educação financeira das pessoas, de como as famílias se organizam, como a comunidade, a cidade e a economia toda se organizam. Se os indivíduos são financeiramente saudáveis: eles mantêm o orçamento sob controle, fazem uso consciente e responsável do crédito e contribuem para a estabilidade financeira do país.


RC: O dinheiro pode trazer felicidade, mas para alguns pode trazer dívidas, frustações e insatisfações?

Elvira: Exatamente, o dinheiro tem que ser bem usado e trabalhar a nosso favor, não deve ser um fim a si mesmo, pois ninguém deve trabalhar só para conseguir dinheiro. O dinheiro é bom porque te ajuda a ter as coisas que você precisa para ser feliz e ensinamos nesta área de Educação Financeira do Banco Central, que o dinheiro é o meio para a melhoria da qualidade de vida, então o consumo deve ser responsável e consciente. O cidadão deve pensar exatamente no que ele precisa, nas suas prioridades seja a curto, médio ou a longo a prazo, por isso é fundamental que ele tenha um planejamento financeiro. É importante que cada um organize a sua vida e faça com que o dinheiro trabalhe a seu favor.


RC:  Muito se fala em “Gastar com sustentabilidade”, mas o que é isso na Educação Financeira?

Elvira: Quando falamos em gastar, estamos pensando em gastar para suprir as necessidades básicas ou para comprar supérfluos, os quais são importantes também, para termos satisfação nas coisas necessárias para a sobrevivência e que podem nos dar alegria. Mas é necessário que todos tomem cuidado com aquilo que não é necessidade, pois muitas vezes o supérfluo pode ser um desperdício. E desperdício sim deve ser completamente eliminado das nossas vidas. Quando falamos em organização financeira, a gente deve pensar no que precisamos e onde vamos investir o dinheiro a curto, médio ou a longo prazo para satisfazer as nossas necessidades e as da nossa família de uma forma mais harmônica e duradoura. Isso é gastar com sustentabilidade.


RC: Muito se comenta atualmente do aspecto financeiro na relação entre pais e filhos. Como deve ser essa relação para a promoção da cidadania financeira?

Elvira: Esse é um ponto muito importante, pois até pouco tempo, ou até mesmo hoje, ainda tem muitas falhas. Dizem que o dinheiro é um tabu e não é um assunto para ser conversado. Às vezes, a decisão do orçamento financeiro e da família só fica na mão do chefe (pai ou responsável) e isso não é legal, e como pode passar por situações difíceis ele não dialoga com o cônjuge e os filhos, ou com as outras pessoas que moram naquele núcleo familiar. Então, orientamos para que as pessoas nas famílias se comprometam juntos, vejam o orçamento e saibam onde se pode economizar, de modo que o orçamento da casa fique melhor. Analisem o que se pode abrir mão em nome do bem-estar familiar. Quanto mais cedo conversar com os filhos sobre o dinheiro, melhor. No caso dos pais, é importante o exemplo deles, pois não adianta um discurso de um jeito e a prática ser diferente. Isso não vale só para a questão “dinheiro”. É bom que os pais tenham isso em mente e reflitam esta questão, pois se eles derem um mau exemplo isso não será bom para os filhos.


RC: A tecnologia está em crescente evolução, a senhora acredita que deve ser redobrada a atenção de pais e filhos com as mídias digitais que estimulam vendas e o aumento de consumo?

Elvira: O consumo é impulsionado não só por mídias, mas por todo um conjunto de situações e questões que fazem as pessoas acharem que precisam consumir para se sentirem felizes e isso não é verdade. Se você tem uma outra postura diante da vida isso muda o seu comportamento, e você sabe que é mais importante o seu bem-estar, pois às vezes você compra as coisas sem nenhuma necessidade e fica endividado por meses e até anos. Então, é importante pensar bem antes de comprar e analisar se de fato o objeto da compra vai te fazer feliz a médio e a longo prazo.


RC: Quais são os princípios da educação financeira?

Elvira: A “receitinha básica” é gastar menos do que se ganha, pois se você gasta mais do que você ganha não vai dar certo, a conta não vai fechar. Devemos ter sempre o objetivo de poupar e conseguir organizar a sua vida financeira em torno do seu orçamento, e investir o dinheiro em uma forma rentável, ou seja, que o dinheiro não fique debaixo do colchão.  Assim, com orçamento definido você analisa e define quais são as prioridades da sua família e aonde você quer chegar. É muito bom sonhar e desejar, querer uma casa, uma viagem, pensar no casamento da filha, na faculdade dos filhos, mas para isso é preciso planejamento. É hoje e não amanhã que devemos começar a poupar e organizar a nossa vida financeira. Quanto mais cedo começar, mais benefícios você vai ter para sua vida e para sua família.


RC: A Educação Financeira é uma questão de hábito. Tem que estar no “cardápio” diário?

Elvira: Começamos uma estratégia financeira nacional criada formalmente no final do ano de 2010 e estamos avançando. Hoje existem muitas escolas que têm esse programa. Existem outras frentes de educação financeira que encontramos em sites, youtubers e têm programas de televisão falando no assunto. Estamos vivenciando isso no cotidiano, e isso serve para melhorar nossa vida e nossos ambientes, e ensina que devemos trabalhar e ganhar dinheiro, e viver nossa vida de maneira equilibrada com nossa família.


RC: Então é preciso ter o equilíbrio para administrar o dinheiro e ter uma felicidade duradoura, ao invés de uma frustação prolongada?

Elvira: Exatamente, se você consumir descontroladamente e gastar mais do que o previsto, isso vai ser um problema, que irá ficar com uma dor de cabeça muito grande. Muitos brasileiros estão endividados, não dormem bem e não vivem bem em função das suas dívidas. Então não produzem como deveriam, ficam com problemas de saúde e familiar. Recomendamos que cada um pense nos seus projetos de vida e lutem para que sejam realizados, mas que antes de tudo tenham conhecimento da sua realidade financeira e se organizem para viver melhor, concretizar seus negócios e sonhos.

“Cada um deve pensar exatamente no que precisa, na suas prioridades a curto, médio ou a longo prazo, e para isso é fundamental o planejamento financeiro.”

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