Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 487 | Dezembro de 2018 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

“A cooperação é a única forma de existirmos de maneira mais fértil na existência humana.”

Mario Sergio Cortella: "Como sou educador, partilho também nesta minha atividade daquilo que eu sei, aquilo que eu preciso saber e aquilo que eu gostaria de saber."

“A  cooperação é a única maneira de existirmos de maneira mais fértil na existência humana. A humanidade só sobreviveu até hoje, porque foi capaz de em vários momentos cooperar." A entrevista com o filósofo, professor, escritor, político e palestrante, Mario Sergio Cortella, não poderia começar diferente a não ser com uma frase. Ele é um dos maiores pensadores brasileiros da atualidade e, há mais de 30 anos, vem repassando o seu conhecimento, seja em palestras ou livros. Confira a entrevista exclusiva à Revista Coamo. 



Revista Coamo: Quem é Mario Sergio Cortella?

Mario Sergio Cortella: Sou um caipira, nascido em Londrina, mas moro na capital paulista há 50 anos. Eu finquei minhas raízes no Paraná, mas não deixei âncora nenhuma, pois a raíz alimenta e a âncora imobiliza. Por isso, sou alguém que constrói uma página da minha vida com outras pessoas, levo muitos comigo e outros ficam pelo caminho. Como educador, partilho daquilo que eu sei, aquilo que eu preciso saber e aquilo que eu gostaria de saber. Sou avô de quatro netos, pai de três filhos, amigo de muita gente e adversário de vários.



RC: Professor, com 30 anos escrevendo, o senhor está lançando uma coletânea de todo esse trabalho. Como resumir 30 anos de estrada? 

Cortella: São 38 livros que eu publiquei nesse tempo e de fato vai sair uma coletânea com frases e pensamentos, chamado “O melhor do Cortella”. É engraçado quando alguém coloca um título desse num livro. A editora Planeta quis fazê-lo porque “O Melhor do Cortella” dá uma certa sensação de elevação, mas sem falsa modéstia, porque de fato ali há uma seleção daquilo que eu construí nesse tempo como alguém que aprendeu bastante e soube que também pode ensinar. Só é um bom ensinante quem for bom aprendente. Por isso, esses 30 anos me alegram fortemente, afinal eu aprendi a ler no ano 1960 em Londrina no grupo escolar Hugo Simas e, a partir de lá, não parei mais de ler e nem de escrever.



RC: Aquilo que temos nem sempre nos deixa felizes e o que não temos nos infelicita de maneira bem intensa, o senhor fala sobre isso em alguns livros. A ideia da falta nos prejudica?

Cortella: Quando a falta é algo que nos machuca, sem dúvida. Mas, há várias coisas que faltam, que nos fazem bem, pois exatamente faltam. Quando me falta ódio, doença, inveja, é bom demais. Mas há faltas que seriam carências, aí elas se transformam em necessidade e eu preciso ter possibilidade de ultrapassá-las. De maneira geral, a falta pode ser que seja um símbolo que aquilo é meu desejo para o futuro e, também, pode ser sinal do meu comodismo por não ter ido buscar o que queria. Preciso me arrepender e fazer uma revisão de mim mesmo.



RC: Como a construção da ética pode colaborar com a prática do patriotismo?

Cortella: A ideia de patriotismo precisa ser trabalhada para não perder a noção de humanidade. Ser patriota não significa ser exclusivista. Ser patriota não significa ser xenófobo. Xenos no grego antigo significa aquele que vem de fora, o estrangeiro e, é por isso, que xenofobia é aquela pessoa que recusa quem é forasteiro. Então, a ética, é a capacidade de olhar o patriotismo como forma de respeito e não de exclusão. É uma forma de admiração e honra, e não mais de segregação. Por isso, a ética é a possibilidade de protegermos a nossa casa, de cuidar da nossa casa comum. A nossa casa comum em grande escala é o nosso planeta e, aí vamos reduzindo, nosso planeta, nosso continente e nosso país, nosso estado, nossa cidade, e nossa casa de família.



RC: O senhor acredita que o brasileiro acordou e está mais patriota?

Cortella: Não necessariamente. Em alguns momentos entendemos o patriotismo numa direção que pode estar equivocada. Já houve época, que se entendia o patriotismo como sendo apenas saudações aos símbolos nacionais. Em outros momentos era apenas a seleção brasileira de futebol colocada como sendo a nossa referência, como dizia Nelson Rodrigues, "seleção é a pátria de chuteiras". Há momentos que entendemos aquilo que é patriótico, como sendo um projeto nacional que pode ser feito por homens e mulheres decentes. Algumas pessoas ao serem notadas naquilo que não deveriam fazer, acabam mostrando de fato o que não deve ser feito. Nesse sentido, podemos sim ser mais patriotas. Ainda estamos no começo da estrada. Como disse um dia Winston Churchill, "nós só estamos no fim do começo e não no começo do fim ainda". 



RC: O senhor escreve nos seus livros sobre a impunidade, a corrupção e leva os leitores à uma reflexão. O senhor acredita que a recusa a impunidade é o caminho e alavanca para sermos cidadãos melhores?

Cortella: A ideia de crise é muito importante, porque a palavra crise tem origem no Sânscrito - um idioma utilizado no que hoje é a Índia. Kry em sânscrito significa purificação, que aliás é uma palavra que vem da agricultura. Quando você separa o joio do trigo, o feijão da pedra, o arroz da palha. Kry é purificação e toda a purificação dói. Estamos vivendo um momento febril, a febre não é uma doença, mas sim um sintoma, que incomoda e perturba. Estamos vivendo uma crise que precisa ser vivida para que a gente não esqueça de algo que é importante demais. Os ausentes nunca têm razão e, nesse sentido, a pessoa que se omite, é quem talvez não seja praticante daquilo que é o desvio ou mal feito. Mas se ela silencia, e se ela se omite, acaba sendo de alguma forma uma cúmplice ou conivente. Sob o ponto de vista do resultado dá na mesma.



RC: Sobre o ideal de ser feliz cada um tem uma ideia. Para o Cortella, o que é felicidade?

Cortella: Ninguém é feliz o tempo todo, ninguém é infeliz o tempo todo. A felicidade não é um lugar que você chega, pelo contrário, são circunstâncias que você vive. A vida tem turbulência, dificuldade e trauma, mas não tem só isso. Por isso, quando a felicidade vem, você tem que abraçá-la, falar e colocá-la no colo. Ela não vem sempre, ela vai embora, volta e, portanto, é preciso saber que quando ela vem preciso ser capaz de cuidar e ter afeto por ela. A felicidade vem para mim de vários modos. Quando um neto pula no meu colo, me escala, quando eu consigo andar de mãos dadas com a Claudia com quem eu sou casado, quando sinto que algo que fiz e falei, obteve para as pessoas um efeito benéfico. É isso que me deixa feliz e, é claro, ela não dura o tempo todo, ainda bem, pois assim dá vontade que volte depois.



Mario Sergio Cortella, escritor e filósofo

RC: Qual a importância da cooperação, com seus valores e, qual o paralelo entre uma pessoa ambiciosa e gananciosa?

Cortella: A cooperação é a única maneira de existirmos de maneira mais fértil. A humanidade só sobreviveu até hoje, porque foi capaz de cooperar em vários momentos. A competição é importante quando não avança no terreno da ganância, pois uma pessoa gananciosa é aquela que quer para si a qualquer custo, enquanto uma pessoa ambiciosa é aquela que quer mais e melhor. Por exemplo, quem trabalha com uma estrutura cooperativada tem que querer mais e melhor. O que não pode é só querer para si a qualquer custo. Esse tipo de ganância embora garanta sucesso imediato, não se mantém com o tempo. A grande lógica do cooperativismo e da vida cooperada, está na substituição do conceito de cada um por si e Deus por todos, para uma noção de um por todos e todos por um. Aqueles que ficam, cada um por si e Deus por todos, acabam enfraquecendo a si mesmo e os outros. Aqueles que ficam à procura de todos por um e um por todos, ganham vitalidade, energia e o futuro.



RC: Um de seus livros mais recentes é “A sorte segue a coragem”.  Professor, a sorte segue a coragem e a coragem é a seguidora da sorte. Como é isso?

Cortella: A sorte é a ocasião, circunstância que não depende de você. No interior, usamos a ideia de que o cavalo passa arriado, mas não basta o cavalo estar arriado. É preciso saber montar, prestar atenção e ver aonde está passando, e para aonde vou. Não adianta nada o cavalo passar arriado e eu montá-lo.  A coragem é a coragem acima de qualquer coisa, é ter humildade de saber que não sabemos de todas as coisas. É a coragem de aprender aquilo que não conhece e, aí sim, fazer com que um momento propício e favorável, a sorte como a gente diz, possa ser aproveitado. De nada adianta o cavalo passar arriado duas vezes para algumas pessoas, pois não se trata de ‘vamos que vamos, primeiro a gente enlouquece e depois vê como fica’. Coragem é quando se organiza e se estrutura. É claro, a sorte vai atrás disso, não adianta ela vir se nós não soubermos o que fazer com ela.



RC: Com três décadas de estrada, o ser humano é simples ou complexo?

Cortella: É sempre complexo, sou professor há 44 anos, por tanto eu lido com gente há 44 anos e sou gente há 65 anos.



RC: É mais fácil hoje ou antes?

Cortella: Varia muito da área. Era mais fácil em algumas coisas e não era em outras, a escola que eu cursei quando menino era uma escola que tinha autoritarismo, não tinha apenas autoridades, mas ela tinha o exagero, em relação a memorização, tinha uma atenção ao conteúdo. Você tinha algumas relações muito machucantes entre várias pessoas. Portanto, é mais difícil hoje algumas coisas e outras não são.

Ao contrário do que se imagina, somos uma sociedade muito violenta. O que temos é mais recusa à violência, sem imaginar que há 130 anos em nosso país, ainda tínhamos pessoas que eram proprietárias de outras pessoas, que podiam machucá-las, maltratá-las, torturá-las, comprá-las e vendê-las. Tivemos um avanço significativo, é mais difícil, mas não é impossível.



RC: Depois do processo eleitoral deste ano que entrará para a história sob vários aspectos, o que o senhor espera do próximo governo? Quais as lições verificadas na eleição em vários Estados?

Cortella: Espero que o governo tenha uma claridade muito forte do que fará, mas que isso seja logo. Não tivemos tantas ocasiões de saber qual era o projeto de ambos candidatos que foram para o segundo turno de modo mais nítido, mas se tinha alguma informação com relação a algumas ideias gerais. Não se sabe qual é o plano na Educação, na Saúde, no campo da agricultura. É um momento de atenção na cidadania, que não se esgota na eleição, mas continua no acompanhamento dos parlamentares.



RC: Qual sua mensagem para o associados e funcionários da Coamo neste final de ano?

Cortella: Eu sempre lembro de uma frase do Ted Turner, um grande homem da comunicação nos Estados Unidos e isso acabou se tornando um lema da minha vida. Ele dizia “Deseje o melhor e prepare-se para o pior”. Deseje o melhor, isto é o teu desejo, a tua cabeça, a sua inclinação tem que ser em direção ao melhor, mas não deixe de se preparar para que as coisas não sejam como se deseja. Isso significa não que você deseja o pior, ao contrário, você deseja o melhor, mas você tem que estar preparado para a turbulência que aparece. Isso vale para que não sejamos surpreendidos. Isso, independente da mudança de governo, pois vale para a vida, o tempo todo. Deseje o melhor e prepare-se para o pior.

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