Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 489 | Março de 2019 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

“Sucesso do agronegócio é mérito dos agricultores junto com a pesquisa"

Henrique Debiasi é pós-graduado em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria (1999), mestre em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal de Santa Maria (2002) e doutor em Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2008). Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Física do Solo, atuando principalmente nos seguintes temas: ergonomia, cultura de tecidos, biotecnologia, tratores agrícolas e pré-básicas.

“Com muito orgulho, fui criado dentro de uma lavoura de soja, lá no Rio Grande do Sul. Tenho vivenciado há quase 30 anos a realidade e as dificuldades que o agricultor enfrenta. Esse conhecimento do dia-a-dia do produtor tem sido muito útil na definição do enfoque do meu trabalho como pesquisador.” A afirmação é do engenheiro agrônomo Henrique Debiasi, pesquisador de manejo do solo e da cultura, da Embrapa Soja.

Para ele, a revolução que o agronegócio brasileiro tem passado é decorrente do desenvolvimento e adoção conjunta de diferentes tecnologias. “Desde cultivares com maior potencial produtivo e modificadas geneticamente, até o manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas, passando também pelos avanços na agricultura de precisão.”



Revista Coamo: Qual sua área de pesquisa na Embrapa Soja?

Henrique Debiasi: Desde que ingressei (2008), me dedico, juntamente com os colegas da equipe de manejo do solo e da cultura, à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias para o aprimoramento da qualidade do manejo do solo em sistema plantio direto (SPD), que sejam viáveis técnica, operacional e economicamente para os produtores. O trabalho não se limita ao Paraná, mas também em outros Estados. O foco principal é a melhoria da qualidade estrutural do solo, por meio da utilização de sistemas de rotação, sucessão e/ou consorciação envolvendo espécies vegetais com alta produção de palha e, principalmente, de raízes. Também temos destinado grande parte do nosso tempo ao desenvolvimento de ferramentas para monitoramento da estrutura do solo, que sejam acessíveis à assistência técnica e aos produtores, como o Diagnóstico Rápido da Estrutura do Solo (DRES).



RC: Qual a importância dos resultados do trabalho da Embrapa Soja?

Debiasi: Dimensionar a contribuição que a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias vêm dando ao agronegócio brasileiro não é difícil, basta ver a competitividade da agricultura brasileira no cenário mundial, em que pese nossas históricas dificuldades estruturais. Na década de 70, éramos importadores de alimentos; hoje, somos o 2º maior exportador mundial, o agronegócio tem 42% das exportações e mais de 20% do PIB; em 2018, o superávit do agronegócio na balança comercial foi superior a US$ 87 bilhões, enquanto que os demais setores apresentaram saldo negativo de US$ 29 bilhões (dados do CEPEA). A cadeia da soja exerce papel determinante: somente os embarques de grãos, farelo e óleo corresponderam, em 2018, a US$ 41 bilhões, mais de 40% do valor total exportado pelo agronegócio.



RC: Como vê a parceria entre agricultores e pesquisa?

Debiasi: O grande mérito do sucesso do agronegócio brasileiro é o trabalho incansável dos nossos agricultores, mas é necessário reconhecer a grande contribuição das tecnologias e conhecimentos produzidos pela pesquisa. E, nesse caso, não é possível atribuir o mérito a esta ou aquela instituição de pesquisa, pois todas contribuíram de forma expressiva.



RC: Quais são os desafios para os próximos anos?

Debiasi: Gerar conhecimentos e tecnologias inovadoras que contribuam para o aumento da produtividade, reduzam os custos, minimizam os impactos ambientais e, sobretudo, diminuam os efeitos negativos de intempéries climáticas, principalmente a seca.



RC: E quanto ao nível tecnológico?

Debiasi: O desafio é o desenvolvimento de uma tecnologia inovadora que permita avanços significativos na produtividade. Isso exige muito mais esforço e passa, pelo conhecimento das interações entre a genética das plantas, o ambiente (solo e clima) e o nível tecnológico utilizado. Quando se altera minimamente qualquer um destes fatores, a resposta aos demais se modifica também. Isso exige tempo, metodologias cada vez mais avançadas e caras, equipes de pesquisa com integrantes de diferentes áreas do conhecimento e, principalmente, parcerias com o setor produtivo.



RC: Como observa a relação  entre as tecnologias e o seu uso pelos agricultores?

Debiasi: Este é um grande desafio, o de diminuir a discrepância entre as tecnologias e conhecimentos disponíveis e aquilo que de fato é utilizado pelo produtor. Isso é notório em relação ao manejo e conservação do solo, onde práticas e tecnologias “básicas”, algumas milenares, como a rotação de culturas, o terraceamento e o cultivo em nível, têm ficado em segundo plano. Neste contexto, cabe a pesquisa se aproximar do setor produtivo, fazendo com que as tecnologias de fato cheguem ao usuário final. Da mesma forma, é papel da pesquisa aprimorar continuamente tecnologias já consolidadas, adaptando-as às alterações que constantemente ocorrem nos sistemas de produção, e tornando-as mais acessíveis e simples para fomentar sua adoção.



RC: A estrutura do solo é componente essencial da fertilidade?

Debiasi: A estrutura determina o desenvolvimento radicular das plantas, bem como armazenamento e os fluxos de água e gases no solo, elementos essenciais para a produção agrícola. Em outras palavras, manejar adequadamente a fertilidade estrutural do solo significa principalmente potencializar o crescimento das raízes e a disponibilidade de oxigênio e água no solo. A água é o principal insumo para a produção agrícola, tanto é que, se observarmos os resultados das últimas safras, vamos facilmente concluir que as grandes perdas de produtividade estão, na ampla maioria das situações, associadas à seca. Levantamentos da equipe de manejo do solo e da cultura da Embrapa Soja, mostram que, em oito das últimas dezesseis safras no Paraná (50%), tivemos quebra de safra por seca, ao menos em algumas regiões, totalizando um prejuízo acumulado de mais de US$ 5 bilhões. Ao mesmo tempo, a capacidade de crescimento radicular da soja e do milho é espantosa. Resultados de nossas pesquisas mostram que, em condições de solo não limitantes, as raízes de soja e milho chegam, aos 70 dias após a emergência, a cerca de 1,5 e 2 m de profundidade, respectivamente. Portanto, essas culturas têm condições de suportar veranicos sem grandes prejuízos por um período de tempo maior do que de fato temos observado hoje na prática.



RC: Quais são importantes tecnologias conquistadas nesses anos todos?

Debiasi: A tecnologia que mais impactou positivamente a agricultura no Brasil neste período foi o Sistema Plantio Direto (SPD). Não é a toa que escolhi como linha de pesquisa a área de manejo do solo. Trabalhei na lavoura, juntamente com meu pai, na época do preparo convencional. Era um trabalho árduo, várias semanas dedicadas a operações de gradagem pesada e gradagem leve. Depois vinham as chuvas torrenciais, e boa parte da camada superficial do solo ia parar no Rio Jacuí. A mudança para o SPD na nossa propriedade, na safra 1992/93, foi essencial para que permanecêssemos na atividade, e isso foi a realidade de toda a região.



RC: Qual o impacto e resultado da correta utilização do manejo do solo?

Debiasi: No atual contexto da produção de grãos, o manejo correto do solo envolve um conjunto de práticas conservacionistas, envolvendo principalmente a adoção plena do SPD e a utilização de práticas mecânicas de controle da erosão, como o terraceamento e o cultivo em nível. Adotar plenamente o SPD significa limitar o revolvimento do solo à linha de semeadura, mantê-lo permanentemente coberto e utilizar sistemas diversificados de produção, envolvendo o cultivo de espécies vegetais com alto potencial de produção de palha e raízes.



RC: Quais os aspectos a serem melhorados no tocante ao uso do Manejo do solo?

Debiasi: Com certeza, a  qualidade do manejo no solo adotado pelos produtores brasileiros melhorou muito nos últimos 30 anos, mas também é preciso avançar mais. Hoje, o principal aspecto a melhorar envolve o aumento da produção de palha e raízes no sistema de produção, por meio da rotação, sucessão e/ou consorciação de culturas. No Paraná, mais de 90% da área de soja no verão é cultivada com milho na 2ª safra. Nas regiões mais frias, tem predominado a sucessão trigo/soja. Esses sistemas não atendem a produção de palha e raízes para manter o solo permanentemente coberto e melhorar a sua estrutura. O resultado tem sido a compactação do solo, com reflexos negativos sobre a conservação do solo e a produtividade das culturas, especialmente em anos secos. A falta de manutenção ou mesmo retirada dos terraços sem critério técnico, assim como a semeadura “morro abaixo”, impulsionados principalmente pelo aumento do tamanho das máquinas, também preocupam bastante. Um exemplo foi demonstrado no último Encontro de Cooperados na Coamo: a perda de água por escoamento chegou a ser quatro vezes maior em uma área cultivada morro abaixo comparativamente ao cultivo em nível. Simulamos uma adubação em cobertura com cloreto de potássio e, após uma chuva de 20 milímetros em dez minutos perdeu-se 71% da quantidade aplicada na água do escoamento.

Henrique Debiasi em uma estação sobre solo no Encontro de Cooperados na Fazenda Experimental da Coamo

RC: Como avalia a parceria entre a Coamo e a Embrapa?

Debiasi: A avaliação é muito positiva, temos diversos trabalhos de pesquisa e difusão de tecnologias em parceria, envolvendo diferentes áreas, em andamento há muitos anos, e com resultados significativos. A complexidade dos problemas e desafios enfrentados pelo produtor, em conjunto com a escassez de recursos humanos e financeiros, que de forma geral atingem todas as instituições públicas, exige o fortalecimento das parcerias entre a pesquisa pública e o setor produtivo. Nós, pesquisadores, temos que ter consciência que nosso trabalho não conduzirá à avanços práticos se permanecermos na “zona de conforto”, limitarmos nossas pesquisas à estação experimental, sem nos preocuparmos também com o impacto e a difusão das informações geradas pelas teses, dissertações e artigos científicos. Esse entendimento é compartilhado entre a Embrapa Soja e a Coamo, o que faz desta parceria um sucesso.



RC: O trabalho da Fazenda Experimental da Coamo é importante instrumento de difusão?

Debiasi: Trata-se de um trabalho diferenciado e que, felizmente, tem servido de exemplo para outras empresas. Estou como pesquisador da Embrapa há 11 anos, e participei como palestrante no Encontro de Cooperados na Fazenda da Coamo em oito oportunidades. A organização, a relevância dos temas abordados, e o número e a qualidade dos participantes realmente impressionam. Mas o grande diferencial dos Encontros de Cooperados é o caráter estritamente técnico, onde o foco é a difusão de informações com real valor científico e prático. A Coamo e a Embrapa Soja conduzem, na Fazenda Experimental da cooperativa, experimento de diferentes sistemas de rotação de culturas, que vai completar 34 anos em abril. Trata-se de um dos experimentos de manejo do solo mais antigos do Brasil, e muitas tecnologias foram desenvolvidas, validadas e demonstradas através dele.



RC: Qual é o papel do pesquisador, da assistência técnica e do produtor rural?

Debiasi: Os pesquisadores têm sido intensamente cobrados pela sociedade por descobertas que levem a inovações tecnológicas e, por sua vez, tragam benefícios econômicos, sociais e ambientais. Esse de fato é o nosso grande desafio. Porém, o constante aprimoramento de tecnologias já disponíveis, o avanço no conhecimento da resposta das culturas ao manejo e aos fatores ambientais no longo prazo, assim como a participação efetiva na disseminação das informações geradas, continuam sendo importantes contribuições a serem dadas pela pesquisa. A mudança em uma tecnologia implica que as demais sejam revistas, e isso não implica necessariamente em inovação. Um exemplo disso foi a disseminação de cultivares de soja precoces e de crescimento indeterminado, que exigiu pesquisas que resultaram em alterações nas indicações de população de plantas. Tudo isso é papel da pesquisa também. Já a assistência técnica e os produtores devem estar atentos aos avanços tecnológicos e nos conhecimentos obtidos pela pesquisa, de modo a aumentar a rentabilidade e diminuir o risco da sua atividade, bem como preservar o ambiente, sobretudo o solo.



RC: Qual sua mensagem aos cooperados da Coamo?

Debiasi: A mensagem  é de agradecimento a todos os cooperados e suas famílias, que com seu incansável trabalho e persistência, contribuem para que o agronegócio seja exemplo mundial de eficiência, sustentando a economia deste país. Sempre desconfiem de “tecnologias” milagrosas, isto não existe no mundo real. Lembre-se: em qualquer atividade, o sucesso só vem com muito trabalho, capricho, gosto pelo que faz e com a valorização dos conhecimentos técnicos e científicos gerados pela pesquisa isenta.

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