Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 509 | Dezembro de 2020 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

Mercado: Conjuntura atual e tendências da economia e agropecuária brasileira e internacional

Aquiles de Oliveira Dias, diretor de Suprimentos e Assistência Técnica da Coamo, e Alexandre Mendonça de Barros, especialista no mercado de Agronegócios

“As tendências da economia e da agropecuária brasileira e internacional” foi tema de palestra para os cooperados da Coamo, ministrada na primeira quinzena de novembro, pelo especialista no mercado de Agronegócios, Alexandre Mendonça de Barros. Ele é engenheiro agrônomo, professor de Economia Agrícola pela Fundação Getúlio Vargas e Fundação Dom Cabral. Tem formação em engenharia Agronômica e doutor em Economia Aplicada pela Esalq/USP. É membro do Comitê de Assessoria Externa da Embrapa—Pecuária Sudeste e do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp. Na palestra, Barros respondeu perguntas formuladas pelo diretor de Suprimentos e Assistência Técnica da Coamo, Aquiles Dias, mediador no evento, que registrou a participação de produtores, funcionários dentre milhares de espectadores.



Revista Coamo: O que está acontecendo neste ano atípico e como essa conjuntura econômica mundial está impactando no agronegócio?

Alexandre Mendonça de Barros: Nos últimos meses, assistimos uma mudança na percepção macroeconômica internacional, isso tem afetado os preços em dólar e, praticamente todas as commodities, para não ficarmos somente na soja. O ano que vem será um ano de grande crescimento econômico e de recuperação, pois em 2020 o PIB caiu no mundo todo e a economia encolheu, com exceção da China que deve fechar o ano crescendo 2% mesmo com a pandemia e paralisação nos últimos dois trimestres. A inflação de alimentos na China apareceu e, assim, que ela voltou a crescer, a demanda veio de maneira ativa, porque durante a pandemia as pessoas perderam emprego e renda. Aprendemos que fora de casa, as pessoas tendem a consumir mais proteína animal. A projeção de crescimento da China é de 8% e tem gente falando em 10%, e todos os demais de 1, 3, 5, 5% recuperando a queda (Brasil deve ter 2,8% de crescimento).



RC: Qual o impacto da redução da taxa de juros?

Alexandre: Há dois meses, o Banco Central Americano preocupado com a queda do PIB veio ao mercado e anunciou uma inflação acima de 2% e sua média é de 2%, e toda vez que passar de 2%, o Banco Central sobe a taxa de juros para conter a inflação. Esse ano, eles falaram que dado a gravidade do desemprego e da pandemia, vão aceitar uma inflação superior aos 2%. Na prática eles vão ter taxa de juros zero e injetar muito dólar na economia, o que significa que o dólar começa a se enfraquecer perante as moedas fortes. No mercado internacional, desde que o dólar começou a perder força, os fundos aumentaram sua posição em cima da soja, do milho, do trigo e do algodão. Os especuladores viram que o mundo vai crescer de novo, vai se normalizar e a demanda de alimentos aumentar, e com o dólar mais fraco, os fundos de investimentos terão ganho de valor reforçando o aumento das commodities. Quando a nossa taxa de juros foi ficando baixa e a inflação também mais baixa, os investidores foram embora e mais de 40 bilhões de dólares saíram do país. Muitas empresas brasileiras exportadoras tinham dívidas em dólar no exterior, mas como a dívida real está mais barata do que a dívida que pode tomar em dólar, as empresas estão deixando o dólar lá fora. Esses dois movimentos devem ter gerado uma saída de mais de 80 bilhões de dólares.



RC: O que de fato o mercado agrícola internacional está impactando no preço das commodities, especialmente na soja, milho e trigo?

Alexandre: Isso vem antes da pandemia, é o fenômeno que provocou o maior choque agrícola de uma década, com o problema da peste suína africana na China, que foi grande em 2018 e 2019, e em 2020 veio o coronavírus. A China está passando por uma reestruturação gigantesca, e tem o maior consumo de carnes do mundo, por isso, está comprando soja para 2021, 2022. Há uma mudança estrutural desde o surgimento da peste suína africana, no segundo semestre de 2018, provavelmente oriunda da Rússia.



RC: Diante deste cenário, quais são as consequências?

Alexandre: A China era produtora de quase metade da carne suína do mundo com 115 milhões de toneladas, antes da peste suína, e de carne vermelha em torno de 60 milhões de toneladas. A produção de suínos era gigante e caiu por causa da doença, com redução de 45% do rebanho chinês de matrizes. Então, com esta realidade, empreendedores chineses estão fazendo investimentos em dois grupos para criação de 3 milhões de cabeças de suínos. Essa expansão é praticamente em cima de ração e está afetando a retomada do rebanho chinês. Como demora 18 meses para o leitãozinho crescer, ganhar peso e ser abatido, conforme o rebanho vai crescendo eles precisam de um volume significativo de soja e milho, e isso reflete nos aumentos da importação junto a diversos países. Se a China voltar a ter o rebanho que tinha, vai precisar de 25 a 30 milhões de toneladas de soja, por ano, para atender essas novas demandas. A China é o segundo produtor de milho, com 260 milhões de toneladas, e consome esse mesmo valor, só que a China nunca importou milho em grandes volumes, mas em torno de três milhões de toneladas e no máximo sete milhões, porque o milho naquele país é duas vezes o preço do mercado internacional para evitar a entrada de produto externo.



RC: Os Estados Unidos já colheram suas safras e estamos implantando a nova safra de soja e milho. Por que as atenções se voltam para a produção da América do Sul?

Alexandre: A questão que envolve o mercado brasileiro é que a safra dos Estados Unidos já está definida. O governo americano teve que rever para baixo as suas expectativas. Abriram falando de 120 milhões de toneladas de soja se o clima tivesse sido perfeito e fecharam em 116 milhões. No milho, a projeção era a colheita de 400 milhões de toneladas de milho, daí revisaram para 380 milhões, e com a seca e frio reduziram para 374 milhões de toneladas de milho, o que é uma safra boa, mas encolheu em relação as expectativas iniciais. Os estoques previstos nos Estados Unidos de soja são baixos, e isso aumenta a pressão de compra da América do Sul e acontece também com o milho. No caso do trigo, o cereal é importante nesse momento porque é usado para ração. Este cenário ajudou a reforçar o movimento de alta dos preços da soja, do milho e do trigo, somado a várias conjunturas de recuperação do consumo mundial. Então todos se voltam para a América do Sul, porque somos muito relevantes. O Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, viraram polo principal de oferta de soja no mundo, e a Argentina é o maior exportador de farelo, com metade da produção mundial. A colheita da produção na América do Sul depende das condições climáticas. Até abril deve continuar essa dominância do fenômeno La Niña, daí ela perde força. No caso do cerrado pode trazer chuvas, e com o atraso do plantio da soja retardar o plantio de safrinha.



RC: Quais as previsões da produção mundial de soja e milho?

Alexandre: O cenário é bastante desafiador quanto as previsões de safra de soja e milho no Brasil e no mundo. Na soja, os americanos devem produzir 116 milhões de toneladas na safra 2020/2021, o Brasil 133, a Argentina 54, a China 18 e outros países 48. Os Estados Unidos devem crescer 20%, o Brasil 6%, e o estoque final deve ser de 80 milhões de toneladas, volume 5% menor. As estimativas projetam um clima positivo no Brasil. No milho, o balanço de oferta e demanda aponta para uma produção nos Estados Unidos de 374 milhões de toneladas, na China 260, na União Europeia 66 e no Brasil 110 milhões de toneladas, sendo 30 milhões na primeira safra e 80 milhões na segunda safra.



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RC: Diante dessas conjunturas quais devem ser os cuidados dos produtores?

Alexandre: Vivemos um momento histórico com preços nunca vistos. Estamos vendo um ganho absurdo nos preços, mas não tem nenhum mal que dure para sempre e nem um bem que perdure sempre, tudo tem ciclo econômico para cima ou para baixo. O que parece que não vai acabar, um dia acaba, então estou preocupado com tudo isso. Normalmente nessas horas as pessoas começam a levantar tudo, sobem os valores ativos, ficam mais caras as máquinas, explodem os preços das terras e aumentam os arrendamentos. Mas, se investir agora e, depois, voltar a normalidade lá na frente, ficarão as dívidas e podemos ter problemas de endividamento. Estamos assistindo juros muito baixos e quando os juros caem os ativos sobem de valor, isso é uma conta básica, então as pessoas não vão deixar o dinheiro parado, mas vão pôr para circular essa moeda. Os produtores estão “surfando” nessa onda histórica. Penso que os produtores devem assumir a consciência do controle e da eficiência produtiva e não exagerar, mas ter calma na “troca dos pés”, e se manterem capitalizados, para ter solidez de longo prazo, pois só sobrevive quem consegue manter a cabeça fria e a cautela.

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