Intercooperação entre Coamo e Cooperesíduos, cooperativa de reciclagem de Campo Mourão, vem fazendo a diferença e transformando a vida das famílias cooperadas e da comunidade
Reciclar, reutilizar, transformar e cooperar. O que essas palavras têm em comum? Tudo! Em Campo Mourão, uma cooperativa de reciclagem vem crescendo e mostrando o quanto a união faz a diferença. Nessa trajetória também está presente a intercooperação com a Coamo, contribuindo com recursos humanos e materiais desde a fundação da Cooperesíduos, há 13 anos. Duas cooperativas formando uma grande família com o objetivo de minimizar o impacto ambiental do lixo produzido. A reciclagem é um processo de reaproveitar itens descartados, que sobrecarregariam ainda mais os aterros em novos produtos. Transformando esses materiais, que voltam para a cadeia produtiva, se preserva o meio ambi-
ente, sem contar que contribui para o desenvolvimento da economia local e a manutenção de espaços urbanos limpos.
O cooperativismo é dividido no Brasil em diversos ramos da economia e um destes é de trabalho, produção de bens e serviços, onde está segmentada a reciclagem. Essas cooperativas, tem a nobre missão de recolher o lixo reciclável e direcioná-lo para empresas e instituições que se encarregam da nova destinação. A Cooperesíduos realiza um importante trabalho envolvendo o desenvolvimento econômico e social de seus cooperados, bem como, a contribuição com o Meio Ambiente.
Marcinete Carriel de Oliveira, é vice-presidente da Cooperesíduos. Ela é cooperada há 12 anos e teve a vida transformada pelo cooperativismo. “A Cooperesíduos é muito especial. Foi daqui que junto com o meu marido consegui financiar a nossa casa e realizar um sonho. Deste trabalho, também garanto o sustento e a educação para meus filhos. Além disso, no nascimento do meu segundo filho, tive licença-maternidade remunerada.”
A história da Marcinete com a reciclagem começou cedo, ainda criança com nove anos de idade. Ela ajudava a mãe a recolher lixo reciclado na rua. “Quando mudamos para Campo Mourão, começamos a coletar nas ruas. Saíamos de madrugada e passávamos a manhã toda trabalhando. Depois entregávamos esse material, e eu ia para casa tomarbanho e ia para a escola. Cresci assim.”
A pequena Marcinete cresceu, se casou, teve a primeira filha e nesse meio tempo, a Cooperesíduos surgiu. “Minha mãe entrou primeiro. Ela foi uma das fundadoras e graças a essas pessoas que vieram primeiro e trabalharam por tudo isso que temos hoje, que estou aqui. Eu entrei depois de um ano. Eu já conhecia a reciclagem e aqui eu aprendi o valor comercial de cada material.”
O cooperativismo mudou não só a vida da Marcinete, mas de todos os 14 cooperados da Cooperesíduos. A mudança não só foi no aspecto econômico, mas principalmente social. Eles têm um local digno para trabalhar. Não estão sujeitos aos riscos da rua, à chuva e ao sol, e podem ter em seu lar um local de descanso. Sem contar, que o resultado do seu trabalho está na conta todo mês. “Quem coleta na rua sabe da incerteza que é, não tem um valor fixo, não tem um valor de diária. Então, o cooperativismo mudou a vida de todos nós”, comemora a vice-presidente.
Um trabalho e, porque não dizer, um legado que vem sendo transmitido aos que vem chegando na cooperativa. “Conseguimos ensinar outras pessoas sobre o que é a reciclagem, como deve ser e qual a importância para a nossa cidade e o planeta. É muito gratificante e emocionante falar sobre isso, pois nós ajudamos e as outras pessoas nos ajudam”, se emociona Marcinete ao falar de uma das profissões que irá garantir o futuro do ecossistema.
"Quem coleta na rua sabe da incerteza que é, não tem um valor fixo, não tem um valor de diária. Então, o cooperativismo mudou a vida de todos nós."
MARCINETE CARRIEL DE OLIVEIRA
A busca pela liberdade trouxe a cooperada Juciely Cirilo Nunes para a Cooperesíduos. “Procurei emprego e não encontrei uma oportunidade, trabalhei em outra instituição de reciclagem e não deu certo. Foi quando me falaram da Cooperesíduos e eu me encontrei. Depois de uns quatro anos que estava aqui, acabei saindo e nesse período me divorciei. Com quatro filhos para criar, voltei para a cooperativa e fui muito bem acolhida e estou até agora, totalizando nove anos.”
Juciely conseguiu criar os filhos e ter uma casa própria. “Todos meus filhos estão na escola e eu tenho um lar para criar eles com conforto e segurança. É gratificante abrigar meus filhos em uma casa que é nossa e saber que é fruto daqui. Também levo os ensinamentos da reciclagem para eles. Meus filhos sabem separar o lixo e qual o dia correto de colocar para coleta. E, eles informam os amigos da escola.”
As raízes de Juciely são parecidas com as de Marcinete. “Quando eu era criança, acompanhava a minha avó no lixão. Eu já tinha a experiência do que era trabalhar com reciclado desde pequena, porque minha família veio disso, veio do reciclado. Inclusive, foi uma tia minha que me incentivou a procurar a Cooperesíduos”, revela.
Sem ter como fugir de comparações, Juciely recorda como era a vida antes e como está hoje. “No céu aberto você toma chuva e sol. Tem o risco de se machucar, se cortar e o perigo com os bichos. Aqui eu tenho horário para entrar e sair, pausa para o café, horário de almoço. Me sinto valorizada.”
Juciely se orgulha do trabalho que realiza e sabe a importância que tem para o meio ambiente. “Eu posso ensinar tanto os novos cooperados, quanto a minha própria família, sobre a necessidade de tirar do meio ambiente tudo que vai poluir. O que para muitos é um simples lixo, para nós é o que paga as contas e gera renda.”
"No céu aberto você toma chuva e sol. Tem o risco de se machucar, se cortar e o perigo com os bichos. Aqui eu tenho horário para entrar e sair, pausa para o café, horário de almoço. Me sinto valorizada."
JUCIELY CIRILO NUNES
Maria Aparecida Santos é uma das primeiras cooperadas da Cooperesíduos. Atualmente ela é a mais antiga de casa. Cida, como é conhecida, tem uma história diferente da Marcinete e da Juciely. Ela nunca foi catadora. “Eu trabalhava de diarista e com criança pequena tinha que levar e buscar na escola. Geralmente quem trabalha nas casas precisa sair às 18 horas e essa hora a escola já fechou. Então, os horários não batiam e eu precisava sair correndo para buscar meus filhos. Aqui, saímos às 16 horas. Dá tempo tranquilo de ir pegar as crianças. Eu gosto do trabalho de separar. Nós passamos por um treinamento, e esse conhecimento fomos repassando para os que foram chegando.”
Cida também viu sua vida melhorar devido a força da cooperação. “A cooperativa mudou muita coisa em minha vida, e isso foi muito além de melhorar a renda. Hoje quem sustenta a casa sou eu, e estou realizando um trabalho que contribui para o meio ambiente. Mudou para muito melhor a minha vida”, comemora. A cooperada destaca que a conscientização de todos pode melhorar o futuro do mundo. Ela acredita que a cooperativa oferece segurança para o futuro dos cooperados, como a aposentadoria garantida pelo pagamento do MEI, e afirma que a reciclagem já está transformando vidas dentro da cooperativa.
Há um ano e três meses na Cooperesíduos, Cleverson Antunes Cristo, já comemora os bons frutos da cooperação. Ele é primo da Marcinete e foi a prima quem trouxe ele para o cooperativismo. “Na rua é muito sofrido, você tem que sair da sua casa pela manhã e passar o dia inteiro com um carrinho e exposto a tudo. Há muito tempo eu catava lixo reciclado na rua. Depois, comecei a trabalhar e me acidentei, fiquei afastado e sem renda. Foi na Cooperesíduos que consegui dar um novo rumo para a minha vida profissional.”
"A cooperativa mudou muita coisa em minha vida, e isso foi muito além de melhorar a renda. Hoje quem sustenta a casa sou eu, e estou realizando um trabalho que contribui para o meio ambiente."
MARIA APARECIDA SANTOS
"Tem gente que vê isso aqui como um lixão, mas eu vejo como um futuro, o que é lixo para um é luxo para outro."
CLEVERSON ANTUNES CRISTO
Como funciona a Cooperesíduos?
A divisão da renda na Cooperesídusos é proporcional ao dia trabalhado dos 14 cooperados. Eles trabalham de segunda-feira a sexta-feira das 08 às 16 horas, com uma hora de almoço e pausa para o café. Eles têm um estatuto e neste documento está previsto o pagamento do Microempreendedor Individual (MEI), uma garantia para que todos tenham os direitos previdenciários assegurados.
Intercooperação
A Cooperesíduos cresceu muito nos últimos anos. Porém, ainda tem muito a ser feito. Para isso, a cooperativa de reciclagem conta com o apoio de diversas empresas e entidades de Campo Mourão. Além de ter um laço especial de cooperação com a Coamo. A parceria entre as cooperativas está presente desde o início. São 13 anos de uma relação que vai além do que os números contabilizam. A intercooperação é um dos princípios do cooperativismo e consiste na colaboração entre cooperativas, independentemente de ramo, para fortalecer o movimento e os princípios cooperativistas.
Segundo a vice-presidente da Cooperesíduos, Marcinete Carriel de Oliveira, a Coamo é o braço direito. “Nos ajudou muito mesmo. Antes da formalização da cooperativa, fazíamos o trabalho todo braçal. Hoje, temos uma empilhadeira que facilita muito e ninguém mais ergue peso. A Coamo realiza a manutenção dos equipamentos, fez um trabalho de segurança no trabalho, nos fornecendo treinamento e equipamentos de Proteção Individual (EPI’s). A Coamo sempre teve um olhar de carinho com a gente.”
Djalma Lucio de Oliveira, coordenador de Sustentabilidade Ambiental da Coamo, diz que o suporte da cooperativa é estrutural e humano
Djalma Lucio de Oliveira, coordenador de Sustentabilidade Ambiental da Coamo, lembra muito bem do início da Cooperesíduos. “Em 2011 surgiu uma demanda de uma cooperativa de catadores em Campo Mourão. Demos o suporte estrutural e com toda a parte burocrática. Toda a concepção do estatuto que ainda hoje rege a Cooperesíduos, foi formatado pela nossa Gerência Jurídica”, recorda Oliveira.
O suporte da Coamo é estrutural e humano. “Assessoramos a Cooperesíduos na parte administrativa, arcamos com a contabilidade com uma empresa especializada em cooperativa de catadores, abastecemos o caminhão deles, damos a manutenção de toda a estrutura física. Com o apoio da nossa diretoria, nossos colaboradores, se envolvem e abraçam a causa. Vemos o quanto todos se sentem realizados em cooperar.”
Os resíduos recicláveis gerados na Administração Central da Coamo, e nas unidades próximas, semanalmente são concentrados em um local específico para que a Cooperesíduos faça a coleta. Assim como alguns recicláveis da Indústria e da Unidade de Transportes. “Eles possuem um caminhão próprio para realizar coletas e a Coamo contribui com um grande volume”, acrescenta Oliveira.
Para Ana Caroline dos Santos Cantarelli, supervisora de Sustentabilidade Ambiental a parceria é um verdadeiro exemplo de como a união é a base para o desenvolvimento. “É uma satisfação atuar com a Cooperesíduos, porque vejo que, além do trabalho que eles fazem em busca do benefício econômico, eles prestam um serviço fundamental para a nossa comunidade e o planeta.”
Ana Caroline reforça a importância de cada um conhecer o trabalho da Cooperesíduos e contribuir. “O trabalho deles contribui tanto para o desenvolvimento de suas famílias quanto para o meio ambiente. A reciclagem permite que materiais retornem à cadeia produtiva, prolongando a vida útil dos aterros sanitários e gerando impacto positivo para toda a sociedade. Por outro lado, muitas pessoas desconhecem como esse processo funciona. Por isso, é essencial valorizar e reconhecer a importância do trabalho que eles realizam.”
A intercooperação entre a Coamo e a Cooperesíduos refl ete um dos princípios fundamentais do cooperativismo. De acordo com Robson Mafioletti, superintendente da Ocepar, a intercooperação é um modelo que traz ganho de escala para as cooperativas envolvidas. Além de melhorar os serviços, essa prática permite a entrada em novos mercados e a ampliação da atuação de diferentes cooperativas em setores variados.
A intercooperação permite que cooperativas de diferentes portes, desde as grandes, já consolidadas, até as pequenas e emergentes, possam colaborar mutuamente. Essa troca de experiências e práticas cooperativas é benéfica para as comunidades locais, já que as cooperativas, por sua natureza, mantêm um interesse focado nos resultados locais, distribuindo sobras e prestando serviços ao longo do ano.
Mafioletti destaca que essa integração também fortalece o cooperativismo no Paraná, onde 30% do cooperativismo brasileiro está localizado. Ao expandir esse modelo, espera-se que os resultados sejam positivos para a população e as comunidades atendidas. Além disso, ele ressalta que os modelos de intercooperação estão em constante modernização, com espaço para crescimento e avanços no futuro.
Política nacional de resíduos
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, vigente desde 2010, tem a finalidade de promover a gestão sustentável dos resíduos sólidos no Brasil, e a logística reversa é um dos principais instrumentos para se alcançar esse objetivo. Segundo Djalma Lucio de Oliveira os Alimentos Coamo são consumidos em todo território nacional, e as embalagens, após o consumo, são incluídas no programa de logística reversa. “Em 2024 temos a obrigação de recolher 30% de todas as embalagens que forem consumidas no Brasil. Para viabilizar esse programa, além da parceria, em âmbito local, com a Cooperesíduos, temos contratos com duas entidades que apoiam cooperativas de catadores em todos os estados brasileiros.”
Oliveira informa, também, que a comprovação do
efetivo recolhimento e reciclagem das embalagens de alimentos depende de auditoria independente que confirma a autenticidade de todas as notas fiscais de venda dos recicláveis pelas cooperativas. “Em 2023, dentro do programa de logística reversa da Coamo, foram recolhidas aproximadamente 1.800 toneladas de material reciclável em todo Brasil, por meio de cooperativas e associações de catadores atendidas pelas duas entidades contratadas. Em Campo Mourão a parceria com a Cooperesíduos não depende de intermediários. Então, a contrapartida, na forma de recursos e ações estruturantes, é repassada de forma direta, conforme as demandas e necessidades da cooperativa.”
Cooperados da Cooperesíduos com Djalma Lucio de Oliveira, coordenador de Sustentabilidade Ambiental, e Ana Caroline dos Santos Cantarelli, supervisora de Sustentabilidade Ambiental, ambos da Coamo
O que esperar do futuro?
Os números de lixo reciclado ainda são pequenos. Tem muito campo a ser explorado e muita mudança a ser feita. Cada um precisa fazer a sua parte. Uma ação que inicia dentro de casa. Todos precisam buscar conhecimento, se informando sobre o que é ou não reciclado. No Brasil, 4% dos resíduos sólidos que poderiam ser reciclados são enviados para esse processo, índice muito abaixo de países de mesma faixa de renda e grau de desenvolvimento econômico, como Chile, Argentina, África do Sul e Turquia, que apresentam média de 16% de reciclagem, segundo dados da International Solid Waste Association (ISWA).
O Brasil é dividido em cinco regiões, com a Coamo atuando diretamente nas regiões Centro- -Oeste e Sul. Segundo dados do Panorama Resíduos Recicláveis 2022/2023, em 2022, o percentual de coleta de resíduos sólidos urbanos, incluindo resíduos recicláveis, foi de 97% na região Sul e 94,9% na região Centro-Oeste. No entanto, a média de municípios com coleta seletiva porta a porta, atendendo à população urbana, foi de apenas 11,6% no Centro- -Oeste e 31,9% na região Sul.
A coleta seletiva desempenha um papel fundamental no sucesso das associações de catadores, que são responsáveis por grande parte da triagem e reciclagem dos materiais coletados. A expansão da coleta seletiva, especialmente em áreas urbanas, aumenta diretamente a quantidade de resíduos recicláveis disponíveis para essas associações, fortalecendo sua capacidade de gerar renda e promover a inclusão social de seus membros.
A relação do número de associações de catadores e número de catadores, bem como a quantidade de resíduos recicláveis que foram recuperados em 2023, por estado, conforme a Tabela 1.
Fonte: Anuário da Reciclagem
Os resíduos mais comuns enviados a reciclagem são: plástico, latas de aço e alumínio, embalagens longa vida, papel e vidro. As porcentagens de reciclagem por resíduos são:
Fonte: Cempre
Desenvolvimento sustentável
As cooperativas de reciclagem promovem um ciclo virtuoso de desenvolvimento que transforma a atuação de catadores e catadoras, transborda para os negócios e impacta toda comunidade onde estão presentes. Elas contribuem para dignificar o trabalho dos catadores, favorecem a inclusão social e econômica de trabalhadores que, em sua maioria, não são qualificados e estão em situação de vulnerabilidade. Além disso, figuram como possibilidade de trabalho formal para catadores, propiciando um ambiente de menor insalubridade e com equipamentos de proteção individual; permite maior ganho de escala produtiva do que no trabalho informal, com a catação avulsa nas ruas e em lixões. Adicionalmente, quando organizados em cooperativas, os catadores podem firmar contratos com o poder público e com a iniciativa privada, para realizarem, dentre outros serviços, a coleta, triagem, classificação, processamento, e a logística reversa dos resíduos reutilizáveis e recicláveis.