Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 519 | Novembro de 2021 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

CLAUDIO FILGUEIRAS PACHECO MOREIRA

Claudio Filgueiras Pacheco Moreira é contador e Mestre em Contabilidade Financeira – Derivativos, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Trabalha no Banco Central do Brasil (BC) desde 1998, com passagens pela supervisão de bancos, financeiras, corretoras e distribuidoras, administradoras de consórcios e cooperativas de crédito. Atuou no segmento de cooperativas de crédito por mais de 10 anos e diretamente no crédito rural desde 2017, como chefe do Departamento de Regulação, Supervisão e Controle das Operações do Crédito Rural e do Proagro (Derop). Antes do BC, foi oficial da Marinha do Brasil (área financeira), formado pela Escola Naval.

“O crescimento e o aumento da renda de cidades do interior do país em áreas de atuação de cooperativas ligadas ao agronegócio comprovam a importante contribuição do cooperativismo no desenvolvimento econômico regional”. A afirmação é de Claudio Filgueiras Pacheco Moreira, chefe do Departamento de Regulação, Supervisão e Controle das Operações do Crédito Rural e do Proagro (Derop), do Banco Central do Brasil. Filgueiras é o entrevistado deste mês na Revista Coamo. Segundo ele, o Sistema Financeiro Nacional (SFN) vem passando por transformações intensas nos últimos anos. Entre estas, estão o surgimento das startups financeiras, mais conhecidas por fintechs, que têm contribuído muito na inovação; e o crescimento do sistema cooperativista de crédito.



Revista Coamo: Qual a missão da sua área no Banco Central do Brasil?

Claudio Filgueiras Pacheco Moreira: A missão do Departamento de Regulação, Supervisão e Controle das Operações do Crédito Rural e do Proagro (Derop) é garantir que as instituições financeiras apliquem de forma regular e eficiente os recursos do crédito rural e do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), em linha com as diretrizes da Política Agrícola e do Conselho Monetário Nacional (CMN).



RC: Quais são os objetivos do Derop no Bacen?

Claudio: Os objetivos são: assegurar que os recursos do crédito rural sejam efetivamente aplicados pelas instituições financeiras nas atividades previstas na regulamentação; atuar para reduzir o custo do crédito para o produtor rural, bem como, o custo de observância das instituições financeiras; e possibilitar que o Proagro seja instrumento eficaz de mitigação do risco de inadimplência nas operações de crédito rural.



RC: Como analisa o cooperativismo de crédito brasileiro?

Claudio: O Sistema Financeiro Nacional (SFN) vem passando por transformações intensas nos últimos anos. Destaco dois pontos dessa transformação: o surgimento das startups financeiras, mais conhecidas por fintechs, que têm contribuído na inovação; e o crescimento do sistema cooperativista de crédito. Isso foi motivado pela modernização das cooperativas, que passaram a ser mais competitivas e, como consequência, aumentaram sua participação no market share no SFN. Cabe ainda destacar que o cooperativismo de crédito tem contribuição relevante no desenvolvimento econômico regional, financiando micro e pequenas empresas, e na inclusão financeira.



RC: A origem das cooperativas de crédito foi para financiar as atividades agrícolas e pecuárias. Como avalia o desempenho nestas atividades?

Claudio: No Brasil, o cooperativismo de crédito surgiu da união de produtores rurais com dificuldade em acessar recursos para financiar seus empreendimentos, tendo se expandido para outras atividades urbanas. No âmbito do crédito rural, a participação das cooperativas de crédito nesse segmento passou de 9,1% em 2015 para 14,8% em 2020. Acreditamos que ainda há muito espaço para crescer, pois as cooperativas de produção agropecuária financiam acima de 90% de suas necessidades de recursos fora do sistema cooperativo de crédito.



RC: Qual o futuro do Proagro e dos outros mecanismos de mitigação de riscos nas atividades rurais?

Claudio: O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) foi instituído em 1973 com o objetivo principal de exonerar o produtor rural de obrigações financeiras relativas à operação de crédito rural de custeio cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais adversos, pragas e doenças que atinjam rebanhos e plantações. Atualmente, há dois programas de governo para atender a mitigação de riscos climáticos: o Proagro, que é administrado pelo Banco Central do Brasil (BCB), e o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural – PSR, que é administrado pelo Ministério da Agricultura. Essa sobreposição traz ineficiência no gasto dos recursos da União. O Proagro cumpriu importante missão ao disponibilizar um instrumento de mitigação de riscos quando não havia oferta de seguro rural por parte de seguradoras privadas. Hoje, com esse mercado em franca expansão, com várias seguradoras privadas operando, o processo natural seria a existência de apenas um programa para atender essa necessidade.



RC: O Brasil tem sido notícia no exterior sobre a preservação ambiental. Qual a visão do BCB em relação a este tema e a importância da sustentabilidade?

Claudio: O tema sustentabilidade está na pauta de muitos bancos centrais e reguladores em todo o mundo, e na agenda estratégica do BCB. Eventos climáticos, ambientais e sociais adversos podem ter impactos significativos na estabilidade do sistema financeiro. Por exemplo, a agropecuária, tanto por ações de reflorestamento ou recuperação de pastagens degradadas, como pelo lado da conversão do uso da terra para a agropecuária sem práticas adequadas de conservação e manejo, pode tanto reduzir como aumentar as emissões de gases de efeito estufa (GEE), com efeitos relevantes sobre o clima.



RC: Recentemente, o Banco Central realizou consultas públicas para edição de normativos sobre sustentabilidade.

Claudio: Essas consultas resultaram em normativos que tratam de sustentabilidade: Gerenciamento de riscos (Resoluções CMN nº 4.943 e nº 4.944); Políticas de responsabilidade social, ambiental e climática das instituições financeiras (Resolução CMN nº 4.945); Divulgação de informações (Resolução BCB nº 139); e Impedimentos sociais, ambientais e climáticos (Resolução BCB nº 140). Esta última, consolida em uma seção do Manual de Crédito Rural (MCR), os dispositivos legais e infralegais que impõem restrições à concessão de crédito rural. Essas restrições serão automatizadas no âmbito do Bureau de Crédito Rural Sustentável, e funcionarão como uma segunda linha de defesa para as verificações que as instituições financeiras já realizam. Além disso, o projeto do Bureau de Crédito Rural Sustentável prevê dar mais transparência e eventuais incentivos às operações de crédito rural que possuam adicionalidades sociais, ambientais e climáticas.



RC: O Banco Central tem feito vários cruzamentos com os dados do campo. Na sua visão, como podemos passar para o mercado internacional que, no Brasil, a contratação do crédito rural segue a estrita legalidade do ponto de vista ambiental?

Claudio: Um passo importante é a implementação das verificações automatizadas de sobreposição com unidades de conservação, áreas embargadas no bioma Amazônia, terras indígenas, territórios quilombolas (Resolução BCB nº 140). Essas verificações serão implementadas gradualmente, e estarão prontas até o início do próximo ano agrícola. Outro passo importante é demonstrar o cumprimento do Código Florestal. O processo de validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) por parte do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) está em andamento. Com maior número de propriedades com o CAR validado, torna-se mais fácil demonstrar ao mercado internacional a estrita legalidade do crédito rural.



RC: Teremos recursos suficientes para atender os produtores rurais?

Claudio: A demanda por alimentos no mundo todo aumentou com a pandemia. Com isso, cresceu a demanda por recursos do crédito rural. No ano agrícola vigente (2021/2022) não faltam recursos aos produtores rurais. As contratações, apenas no período de julho/2021 a setembro/2021, foram de R$96,9 bilhões em crédito rural, com aumento de 37,5% em relação ao mesmo período do ano anterior. O principal destaque foi o crescimento de 47,9% em operações contratadas a taxas de juros livremente pactuadas. No entanto, as tradicionais fontes de recursos direcionadas do crédito rural não conseguirão prover os recursos para atender ao ritmo acelerado de crescimento do agronegócio brasileiro. A Lei nº 13.986 modernizou os títulos do agronegócio de forma a estimular o financiamento da produção com recursos do mercado de capitais. Como consequência, já se observa crescimento relevante na emissão de CPR, LCA e CRA.



RC: Como analisa o volume de recursos disponibilizado pelas cooperativas de crédito aos associados para o fomento das operações rurais?

Claudio: O crédito rural disponibilizado pelas cooperativas de crédito saltou de R$34,5 bilhões no ano agrícola 2019/20 para R$ 49,3 bilhões em 2020/21, representando um crescimento de 43%.



RC: As cooperativas impulsionam o crescimento e o desenvolvimento das comunidades onde atuam. Como analisa esta situação em relação ao desenvolvimento do agronegócio?

Claudio: O crescimento e o aumento da renda de cidades do interior do país em áreas de atuação de cooperativas ligadas ao agronegócio comprovam a importante contribuição do cooperativismo no desenvolvimento econômico regional.



RC: Como o senhor vê o desenvolvimento das operações contratadas por meio digital no crédito rural?

Claudio: Várias instituições financeiras já dispõem de aplicativos para contratação de operações de crédito rural totalmente digitais. Seguindo a tendência de inovação, e com a expansão da telefonia móvel para a zona rural, essa forma de contratação tende a crescer exponencialmente nos próximos anos. O projeto do Bureau de Crédito Rural Sustentável prevê que um tomador de crédito possa acessar e compartilhar os dados de suas operações com qualquer empresa ou pessoa física. Isso permitirá o crescimento da oferta de crédito rural por fintechs e agtechs, bem como o acompanhamento em tempo real pelos produtores de suas operações.



RC: Deixe sua mensagem para os diretores e cooperados da Coamo e da Credicoamo.

Claudio: Parabenizo a Coamo, a Credicoamo e seus dirigentes pela destacada atuação nas regiões onde atuam. Reforço a afirmação em função do desenvolvimento dos valores do cooperativismo, em especial da ajuda mútua para o crescimento regional, a elevação equitativa da condição socioeconômica dos cooperados, e a inclusão financeira nas regiões em que estão presentes. Tenho convicção de que os dirigentes e os cooperados da Coamo e da Credicoamo estão aptos a conduzir o desenvolvimento das atividades de forma cada vez mais alinhada aos princípios de sustentabilidade.

É permitida a reprodução de matérias, desde que citada a fonte. Os artigos assinados ou citados não exprimem, necessariamente, a opinião do Jornal Coamo.