Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 485 | Outubro de 2018 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

"Movimento sólido para preservar os princípios e valores da cooperação para as futuras gerações."

Nelson Costa: organizado, o cooperativismo cresce e dá resultados com renda, empregos e desenvolvimento

"As cooperativas precisam agir para não serem impactadas com todas essas mudanças que estão chegando, traçar estratégias para fortalecer e perenizar o cooperativismo como instrumento sustentável para o desenvolvimento socioeconômico e de conservação da natureza, deixando para as futuras gerações um movimento sólido que preserva os princípios e valores da cooperação.” A conclusão é do engenheiro agrônomo Nelson Costa, superintendente da Federação e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Fecoopar), uma das três entidades que formam o Sistema Ocepar.

Costa iniciou suas atividades na Ocepar em setembro de 1980 e participou do processo de modernização do cooperativismo e dos trabalhos para a constituição das cooperativas de crédito do Paraná, e também da organização do sistema sindical cooperativo no Estado, das negociações junto ao Governo Federal para criação de linhas de créditos específicas para as cooperativas, a exemplo do Programa de Agroindustrialização das Cooperativas (Prodecoop) e agora o Plano Estratégico PRC 100, que está dando novo rumo para o cooperativismo paranaense.



Revista Coamo: Como avalia a evolução do sistema cooperativista no Paraná?

Nelson Costa: O cooperativismo do Paraná perdeu mais de duas dezenas de cooperativas de 1985 até 2018. Diversos fatores provocaram isso, mas fundamentalmente essa perda está relacionada às diversas crises econômicas que o país passou nas décadas de 1980 e de 1990, com inflação e juros elevados e falta de recursos para o crédito rural; problemas de gestão e a incapacidade de acompanharem a evolução da agropecuária. Basta lembrar que muitas atuavam com o café, mas, devido à geada de 1975, perderam seu principal negócio. Daí migraram para grãos e algodão. Mas, o algodão acabou e elas não foram rápidas o suficiente para buscar alternativas. Felizmente, outras cooperativas ocuparam os espaços deixados e os agricultores permaneceram no sistema cooperativo.



RC: Porque os anos 1980 foram um marco para o cooperativismo?

Costa: A partir do início dos anos de 1980, houve um trabalho integrado das cooperativas agropecuárias e Ocepar, e foram criadas as cooperativas de crédito. Com isso, o sistema se fortaleceu no Estado. As cooperativas agropecuárias tiveram mais espaço para o crescimento horizontal, inclusive, em outros Estados e investiram na agroindustrialização, que já responde por quase 50% de toda a produção.



RC: Como se sente como cooperativista observando o sucesso do cooperativismo, maior movimento social do mundo?

Costa: Iniciei as atividades na Ocepar em setembro de 1980 e participei de todo o processo de modernização do cooperativismo. Dentre outras atividades, coordenei os trabalhos para a constituição das cooperativas de crédito do Paraná, a organização do sistema sindical cooperativo no Estado, as negociações junto ao Governo Federal para criação de linhas de créditos específicas para as cooperativas, a exemplo do Programa de Agroindustrialização das Cooperativas (Prodecoop), e, agora, com o Plano Estratégico PRC 100, que está dando novo rumo para o cooperativismo paranaense. Esses e outros trabalhos ajudaram o sistema a se organizar e crescer, dando resultados e gerando emprego, renda e desenvolvimento.



RC: Como é o trabalho de representatividade da Ocepar junto às entidades e órgãos do governo, e quais os resultados?

Costa: A Ocepar, juntamente com a OCB e outras entidades, tem realizado grande trabalho visando equacionar uma série de entraves para o desenvolvimento das cooperativas e cooperados. Muitas vezes esse trabalho passa despercebido, mas sem esse esforço não teríamos conseguido uma série de benefícios. Neste ano, por exemplo, se equacionou as pendências do Funrural, possibilitando que cooperativas e produtores regularizassem a situação perante à Receita Federal, e, no bojo do processo, obteve-se a redução de forma permanente da alíquota, de 2,3% para 1,5%. Na área de carnes, manteve-se a desoneração da folha de pagamento até o final de 2020, vindo ajudar o setor que passou por dificuldades de ordem sanitária e de mercado. Também, está se buscando a liberação do Paraná como área livre de vacinação contra a aftosa, tendo a Organização Mundial de Saúde Animal declarado o Brasil, no último mês de maio, como área livre de febre aftosa com vacinação. O Paraná deixará de vacinar seus animais a partir de maio de 2019, com vistas a obtenção do certificado de livre sem vacinação. Na área ambiental, em 2018, houve julgamento no Supremo Tribunal Federal, que reconheceu aconstitucionalidade do Código Florestal, o que deu tranquilidade para os produtores rurais. Na área das cooperativas de crédito, foi aprovada a Lei Complementar nº 161, que autoriza as cooperativas a captar depósitos dos entes públicos municipais, como prefeituras e autarquias. São essas e outras ações da Ocepar que fortalecem a representação do cooperativismo.



RC: Quais são os principais temas debatidos atualmente pelo cooperativismo?

Costa: Existem diversos temas que estão sendo debatidos. Com certeza, o principal é o tabelamento de fretes que elevou drasticamente o custo de transporte e que ainda não foi equacionado. Existem também três Ações Diretas de Inconstitucionalidade que estão com o ministro Luiz Fux, no Supremo Tribunal Federal, mas sem expectativa de solução a curto prazo, pois precisam ser julgadas e isso depende do ministro. Há uma grande expectativa com relação a mudanças governamentais que possam vir a impactar as cooperativas, como alterações no crédito rural, com redução do montante de recursos para o seguro rural. Também um dos problemas que preocupa o setor é a economia internacional, em especial, com relação ao aumento do protecionismo em alguns países, sejam de ordem sanitária ou de entraves para exportação, que afetam a produção brasileira como um todo.



RC: Quais são os principais desafios do cooperativismo e como foi a evolução ao longo das últimas décadas?

Costa: Alguns pontos chamam a atenção das cooperativas e precisam ser trabalhados. O primeiro, é a falta de mecanismos de capitalização, que sempre foi um problema. A alta dependência dos associados ao crédito e dificuldades do aporte de recursos necessários para o custeio, especialmente nas décadas de 1980 e 1990, levou as cooperativas a financiar a produção mediante a concessão de adiantamentos de insumos para pagamento com a entrega da produção. Esse modelo levou a maioria das cooperativas a passar por dificuldades financeiras. No início dos anos 1980, iniciou a constituição de cooperativas de crédito para reunir a poupança dos produtores com o compromisso de financiar a produção. O projeto previa que cada cooperativa agropecuária teria uma de crédito. Essa ideia foi alterada em vista da necessidade de crescimento delas e do atendimento às exigências do Banco Central, o que resultou na separação dos dois ramos. Com isso, as cooperativas de crédito se abriram para buscar novos associados e expandir as áreas de atuação. No final da década de 1990, face à necessidade de dispor de recursos para financiar a expansão das cooperativas agropecuárias, buscou-se um programa específico de recursos junto ao Governo Federal, que originou o Prodecoop, que financia a maioria dos investimentos agroindustriais do setor. Mas esses mecanismos não são suficientes e há necessidade de as cooperativas terem acesso ao mercado de debêntures (título de dívida em que o investimento se torna um empréstimo para determinada empresa) e IPO (Oferta Pública Inicial - o processo pelo qual uma empresa mercantil vende suas ações ao público pela primeira vez). Em segundo lugar, as cooperativas necessitam se inserir na transformação digital e inovação, agrupando os vários aplicativos em uma única base, visando desenvolver um “conceito” de empresa digital.



RC: Como estão ocorrendo as transformações para o mercado cooperativo?

Costa: Este é o terceiro ponto, pois muitas transformações estão ocorrendo no mercado, com a globalização e o retorno do protecionismo, a evolução do transporte marítimo, com navios cada vez maiores e navegação de longo curso, deslocamento da demanda para os países do Sudeste Asiático, evolução dos serviços financeiros digitais, comércio eletrônico, novas fontes de energia e crescimento da classe média em alguns países, como na China.  Essas e outras questões, estão mudando o mercado de produtos e serviços. Atingem todos os ramos do cooperativismo, que está conseguindo se adaptar e crescer.



RC: É preciso pensar em novas estratégias para o crescimento?

Costa: Sim, é necessário pensar em novas estratégias para projetar seu crescimento nesse mercado, em constante e rápida mutação, com muitas opções de fornecimento de produtos e serviços competitivos e de qualidade. No ramo agropecuário, por exemplo, o mercado vem se tornando cada vez mais concentrado e exigente. Por exemplo, mais de 50% do volume de soja e carnes de frango exportados pelas cooperativas vão para a China, que não compra produtos industrializados a não ser a carne de frango. Da mesma forma, no mercado Interno, há grande concentração em poucas grandes empresas em cada segmento de produtos.  Na originação da produção, nos últimos anos, observou-se um crescimento de empresas estrangeiras. No entanto, muitas não estão conseguindo se firmar, mesmo investindo bastante em suas operações. Por outro lado, as cooperativas têm conseguido se sobressair porque contam com a confiança dos associados e não deixam de honrar os pagamentos com os produtores, mesmo diante de dificuldades financeiras.



RC: Com o apoio da Ocepar, as cooperativas estão investindo mais na profissionalização e gestão dos funcionários e cooperados. Este é o caminho para alavancar o presente rumo às décadas futuras?

Costa: O setor cooperativo tem procurado se profissionalizar, por meio das ações de capacitação proporcionadas pelo Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), buscando qualificar seus profissionais para atuar em um mercado cada vez mais competitivo e globalizado. Os desafios são cada vez maiores e, com isso, aumenta a necessidade de dispor de novos “talentos”, com disposição para aprender e buscar conteúdos e soluções nas mais diversas áreas de conhecimento e de se comunicar adequadamente. Mas isso não tem se mostrado suficiente, porque as cooperativas concorrem com empresas transnacionais que, além de terem profissionais qualificados, também dispõem de mecanismos de mercado para alavancar recursos financeiros, não disponíveis para as cooperativas. Por isso, é necessário que haja também aberturas na legislação a fim de que as cooperativas tenham profissionais qualificados e ferramentas gerencias e legais para poderem competir com igualdade de condições.



RC: Qual sua percepção sobre o grau de participação e fidelização dos cooperados no dia a dia das cooperativas paranaenses?

Costa: As cooperativas têm melhorado as unidades de recepção, procurando agilizar o descarregamento, além de dar opções de mercado para a compra, com os planos safra, e oportunidades de mercado futuro ou de balcão para as vendas. Mas isso, não resolve ao todo, porque existem cooperados com ímpeto de especulação. Todavia, é importante que as cooperativas continuem o processo de modernização para mostrar ao cooperado que a cooperativa é a melhor opção no conjunto - na entrega de insumos, comercialização da produção, assistência técnica e fornecimento do crédito -, e ainda tem as sobras que não há no concorrente. O último ponto importante a se observar é que na cooperativa há confiança, tanto que não se tem notícias que um cooperado deixou de receber pela produção entregue. Na concorrência, todo ano alguém não recebe.



RC: A sociedade tem valorizado mais o cooperativismo, com seus produtos, benefícios e serviços. O senhor também percebe esta mudança cultural?

Costa: O mercado de varejo é muito exigente em qualidade e preço. As cooperativas ainda têm dificuldades para atuar nesse mercado por diversas razões, dentre elas a falta de uma cesta de produtos que possa lhes dar maior visibilidade nas prateleiras dos supermercados, a forma como os mercadistas atuam com os fornecedores exigindo diversas bonificações etc. Não basta termos os melhores produtos e com garantia de origem, se na prateleira somos iguais. Por isso, é importante investir cada vez mais nos diferenciais dos produtos das cooperativas, mostrar sua origem, a rastreabilidade, a forma de produção etc. Precisamos fugir um pouco do marketing tradicional e mostrar esses apelos para os consumidores. Além disso, precisamos atuar mais fortemente no mercado internacional, buscar parcerias e alianças para atuar de forma mais compacta e criar marcas internacionais, a exemplo, das carnes, café etc.

Nelson Costa, superintendente da Fecoopar
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