“O agricultor de uma forma geral é muito bom da porteira para dentro, mas falta participar, opinar, estar mais presente nas entidades em que participa. Não é característica exclusiva do agropecuarista, mas do brasileiro, de ser leniente, tolerante. Temos de aprender ser mais participativos, definir estratégias em bloco e agir mais coletivamente”, afirma o engenheiro agrônomo e cooperado da Coamo, Nery José Thomé, presidente do Sindicato Rural de Campo Mourão.
O sonho do dirigente é ver os mais jovens se interessarem pelo trabalho associativo, e assim, atuarem mais das atividades associativas. “Os jovens são muito imediatistas e autossuficientes. Gradativamente eles têm de entender que as conquistas são obtidas a partir de bandeiras individuais que se transformam em bandeiras comuns e acabam se convertendo em lutas de uma categoria”
Nery Thomé é o entrevistado desta edição de setembro, com a certeza de que se não houver produção de grãos, de carne e de leite não haverá indústria e nem dinheiro circulando nas cidades e em vários segmentos. “Se não houvesse agricultura muitas regiões seriam comunidades pobres, sem riqueza e desenvolvimento”.
Revista Coamo: O Sindicato Rural de Campo Mourão existe há 52 anos. Qual é a missão deste trabalho?
Nery José Thomé: A palavra sindicato para aqueles que produzem é um termo que em nossa época soa quase como um palavrão. Muitos ainda vinculam as estruturas arcaicas ligadas a centrais de trabalhadores com alto cunho ideológico com as entidades patronais de representação de interesses. Enquanto as entidades patronais sempre foram de trabalho voluntário e sem remuneração de seus dirigentes, as entidades ligadas a trabalhadores no Brasil sofreram distorções e muitas viraram cabides de emprego. Nossa missão é agregar as bandeiras do setor agro e fazer o necessário lobby político para defender os interesses dos produtores. Esta é a função principal, as demais são secundárias. Todas as decisões são políticas e, por isto, o Sindicato não pode ter amarras partidárias. Temos de ser interlocutores com todas as correntes demonstrando a importância da atividade agropecuária para a sociedade.
RC: Como avalia o interesse e a participação dos associados?
Nery: Ainda é muito baixa. O agricultor em nossa região é muito bom da porteira para dentro. Mas falta a visão de participar, opinar, estar mais presente nas entidades. Não é característica exclusiva do agropecuarista, é do brasileiro, ser leniente, tolerante. Temos de ser mais participativos, opinar mais, definir estratégias em bloco e agir coletivamente. Não é porque a atividade, dentro de um sítio ou fazenda, é isolada que o agricultor deve se isolar. Ele tem de começar a ver que, cada vez mais, necessita de uma identidade coletiva como existe na América do Norte e Europa. Existem muitos inimigos do nosso setor agindo contra nós, e só com uma participação forte e inteligente conseguiremos manter o espaço conquistado com nossas commodities e a produção de alimentos.
RC: A região mudou com a presença e atuação do Sindicato? Cite algumas vitórias e o legado do ex-presidente “Nelsinho”.
Nery: Foram muitas ações. A maioria passa despercebida. As pessoas acham que as coisas acontecem pura e simplesmente. No agro, as motivações são decorrentes das ações dos sindicatos patronais, da Faep (Federação da Agricultura do Estado do Paraná), das cooperativas e Ocepar (Organização das Cooperativas do Estado do Paraná) ficando no âmbito estadual. Estas entidades, principalmente, mostram para as lideranças, que têm o poder de decisão. Foi assim na questão dos transgênicos e do Código Florestal onde o Nelsinho [Nelson Teodoro de Oliveira], que presidiu o Sindicato Rural de Campo Mourão por 50 anos, exerceu liderança e ação para que a implantação fosse favorável para o agronegócio, respeitando questões legais e ambientais. Se não fosse a ação organizada, o Paraná e Brasil poderiam ser uma ilha de retrocesso, não tendo acesso a agricultura moderna com imensas áreas produtivas que estão matando a fome do mundo. O Nelsinho foi um abnegado que tinha esta visão do todo e agia para defesa do nosso setor. Deixou saudades. Se não fossem as ações das entidades organizadas, não teríamos as políticas agrícolas de Crédito Rural, Seguro Rural e Proagro, Código Florestal, e os programas Descomplica Rural, Paraná Área livre de vacinação contra aftosa, isenção dos 29% de ICMS para atividade rural, tarifa rural noturna, o Marco Regulatório do Biogás; a isenção no Paraná em 2016 da cobrança pelo uso da água na produção agropecuária. Ainda na área fundiária a questão de procedimentos demarcatórios de terras indígenas no Oeste (Guaíra e vizinhança) onde a Faep investiu milhões em honorários advocatícios que finalmente suspenderam procedimentos demarcatórios em terras ditas pelas ONG"s como indígenas, paralisando uma ação que poderia pôr em risco a propriedade das terras até em nossa região.
RC: Como está a atividade agropecuária atualmente?
Nery: Estamos atravessando um momento de calmaria no setor ante tantos desafios das últimas décadas. Os últimos anos, apesar de vários comprometimentos de safra motivados por questões climáticas, trouxeram no geral bons preços e garantia de uma margem mínima na atividade. Rendimentos que foram utilizados em tecnologia, compra de equipamentos, infraestrutura e investimentos nos solos nas propriedades. Se por um lado, temos até uma calmaria nas propriedades pelo bom momento, por outro lado, é momento de estarmos atentos as mudanças que estão acontecendo na área legislativa nacional. Como o agro é o único setor que apresenta crescimento sustentado no Brasil, neste momento é de se esperar que a classe política queira tapar o buraco de suas contas na Reforma Tributária jogando a conta de sua ineficiência e incompetência em gerir os recursos, nas costas do produtor rural, das cooperativas e empresas ligadas ao agro.
RC: O setor agrícola é muito forte para a maioria das cidades. Como observa isso?
Nery: O município de Campo Mourão, por exemplo, não tem a maior área agrícola da sua região devido ao desmembramento de Luiziana e Farol, na década de 1980. Contudo, por ser a sede da microrregião da Comcam, polariza toda esta vasta região. O agro gera riqueza. A riqueza é gerada na terra com sua produção ou em indústrias, beneficiando os frutos da terra. O comércio e serviços orbitam a partir da geração da riqueza criada pelos agropecuaristas. Se não houver produção de grãos, de carne, leite, não haverá indústria e nem dinheiro circulando nas cidades, e nas áreas de serviços, educação e médica. Se não houvese agricultura em nossa região seriamos uma região pobre.
RC: Qual a imagem do agronegócio atualmente? O senhor acredita que o agronegócio se comunica como deveria com a sociedade?
Nery: Nossa imagem tem melhorado junto às lideranças políticas e empresariais, pois elas têm mais percepção de onde é gerada a riqueza para nossa região, Estado e país. Contudo, estamos perdendo a guerra da comunicação com os jovens e comunidades urbanas, que são influenciadas pelas redes sociais onde circulam fake news de toda ordem. Existem entidades patrocinadas por agropecuaristas de outros países que disputam mercado com as commodities brasileiras, que tentam pegar casos pontuais e isolados, e macular a imagem do agronegócio como um todo. O Paraná, por exemplo, é um case de sucesso na área de preservação ambiental, de florestas, nascentes. Nossos produtores são os maiores preservadores das nascentes, córregos e rios. Isto não apenas por força legal, mas por conscientização da maioria.
RC: Em época de pandemia, o setor produtivo não parou e mostrou a sua força?
Nery: Apesar das milhares de vidas perdidas, famílias com graves problemas de subsistência, o coronavírus deixou para o agronegócio uma mensagem clara. A vocação do Brasil é agropecuária, somos o celeiro do mundo, então temos que ocupar, manter e consolidar esta posição. Parece que a imprensa entendeu que se não fosse o agro estaríamos em um caos com graves convulsões sociais. Se o agro tivesse parado, o governo não conseguiria custear os inúmeros programas implantados para minimizar os efeitos da pandemia. Quem está puxando a recuperação econômica é o agro. O Brasil vai se recuperar mais rápido por ser a matriz do agro, nossa maior força.
RC: Como estão os produtores em relação a tecnologia, produção, meio ambiente e o cooperativismo?
Nery: O cooperativismo no Paraná é exemplo mundial. Foi a grande alavanca entre a pesquisa e as propriedades. A assistência técnica das cooperativas e sua organização na distribuição de insumos, recebimento e comercialização da produção consolidam o cooperativismo como grande responsável pelo progresso da agricultura. Temos enormes barreiras ainda, como por exemplo o sinal de internet na zona rural, onde na maior parte do Paraná é ridícula a cobertura. A internet é determinante para a disseminação de conhecimento. Então, não fossem as cooperativas com a assistência técnica no corpo a corpo não teríamos a tecnologia e produção que temos atualmente.
RC: O Paraná deverá conquistar em maio de 2021 o status mundial de área livre de febre aftosa em vacinação. Como o setor recebe esta notícia?
Thomé: Mais uma conquista dos Sindicatos Patronais, Faep e cooperativas do Paraná. A sociedade ainda não entendeu a importância desta conquista. Este "selo" abrirá os melhores mercados. Toda cadeia produtiva vai ser beneficiada e temos, inclusive, muitos investimentos em novas plantas industriais e de integração se preparando para nos próximos anos ocupar este espaço. Contra tudo e quase contra todos, o Paraná venceu esta batalha com a junção de suas forças produtoras, empresariais e governamentais.
RC: A Coamo está completando 50 anos em 2020. Como percebe a atuação da cooperativa?
Nery: Eu falo há décadas que a maioria da nossa população regional ainda não entendeu e não tem noção do tamanho e importância da Coamo, com a liderança e determinação do Gallassini. O que foi construído nesses 50 anos é um `case` mundial de sucesso, que deve servir de exemplo de como uma gestão honesta e focada em resultados pode mudar regiões e comunidades. Esta mudança começa dentro das propriedades agindo nas famílias, onde os filhos são treinados no modelo cooperativista, as esposas são capacitadas e os envolvidos na produção têm acesso ao que existe de mais moderno e eficiente, para garantir mais produtividades com menor custo e menor impacto ambiental. A Coamo foi e está sendo a grande responsável pela transferência de tecnologias a seus cooperados, que traz o desenvolvimento econômico e social. Tenho orgulho de ser cooperado da Coamo e da Credicoamo e nelas confio plenamente, que têm gestão firme, sempre com os olhos voltados para o futuro. Esta transição que a Coamo implantou será analisada e seguida por dezenas de cooperativas nos próximos anos.
RC: O senhor pensa que trabalho com seriedade e confiança são determinantes para o sucesso de uma entidade coletiva?
Nery: Sem dúvida. Devemos levar nossa experiência de vida para estas instituições de trabalho voluntário, com os nossos valores pessoais e compartilhar estas experiências. Esta troca de experiências faz com que tenhamos uma instituição sólida e reconhecida na defesa dos interesses da classe. Meu sonho é ver os mais jovens se interessarem por este trabalho associativo e participarem mais das atividades associativas. Os jovens hoje são muito imediatistas e autossuficientes, mas gradativamente têm de entender que as conquistas são obtidas a partir de bandeiras individuais transformadas em bandeiras comuns, resultado de luta em prol de uma categoria.
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Nery José Thomé, presidente do Sindicato Rural de Campo Mourão |
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