Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 461 | Agosto de 2016 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

"INFERIR QUE NA PESQUISA BIOLÓGICA NADA SE SUSTENTA, MAS TUDO EVOLUI E SE RENOVA."

"Inferir que na pesquisa biológica nada se sustenta, mas tudo evolui e se renova. Na seleção, no cruzamento e na transgenia o processo evolutivo das espécies se acelera.” Esta é a frase escolhida pelo engenheiro agrônomo Celso de Almeida Gaudencio para abrir a entrevista do mês na Revista Coamo.

Pesquisador aposentado da Embrapa/Soja, Gaudencio participou diretamente de vários trabalhos desenvolvidos em prol do desenvolvimento da agropecuária brasileira, entre eles o projeto de Rotação de Culturas na Fazenda Experimental da Coamo, pioneiro no Brasil e que em 2015 completou 30 anos.


Revista Coamo: Nesses anos como engenheiro agrônomo e pesquisador, como avalia o trabalho da pesquisa brasileira?

Celso de Almeida Gaudencio, participou diretamente de vários trabalhos desenvolvidos em prol do desenvolvimento da agropecuária brasileira, entre eles o projeto de Rotação de Culturas na Fazenda Experimental da Coamo, pioneiro no Brasil e que em 2015 completou 30 anos

PERFIL

Celso de Almeida Gaudencio, formado em 1964 pela Universidade Federal do Paraná, iniciou como engenheiro agrônomo em 1965 no Serviço de Pesquisa da Secretaria da Agricultura de Santa Catarina. Foi responsável pela implantação da Subestação Experimental de Rio do Sul/SC. Trabalhos desenvolvidos: implantação de experimentos com a mandioca no Vale do Itajaí; ensaios da Rede Catarinense de Pesquisa com milho, feijão e soja; e preparação de sementes da rede de experimentos de cultivares de arroz irrigado em Santa Catarina.

Em 1968, foi nomeado pelo Ministério da Agricultura, para trabalhar na Estação Experimental de Rio Caçador/IPEAS/DNPEA, Caçador/SC. Desenvolveu ensaios de avaliação de trigo e de cevada, implantou o Ensaio de Calibração de Análise do Solo e de Bioclimatologia de Trigo/IPEAS.

Transferido para trabalhar em trigo no IPEAME/DNPEA (Instituto de Pesquisa Agropecuária Meridional) em Colombo/PR, atuou como responsável pela pesquisa de trigo nas regiões Centro-Sul, Oeste e Sudoeste. Participou da equipe de zoneamento para recomendação de época de semeadura do trigo para o Paraná. Coordenou o grupo de pesquisa vegetal do IPEAME e foi membro da Comissão Estadual de Sementes de Trigo, além de participar da equipe de Pesquisa de Fontes de Resistência às Doenças do Trigo.

Em 1975, com a transformação do DNPEA (Departamento Nacional de Pesquisa Agropecuária) em Embrapa, foi nomeado como chefe substituto da Representação da Embrapa no Paraná.

Em 1976, coordenou do Plano Integrado de Pesquisa de Trigo Embrapa/Iapar/Ocepar, junto ao Iapar em Londrina/PR. Foi responsável pelos ensaios de cultivares de trigo no Paraná até 1980, e participou da equipe do ensaio de sucessão de soja e trigo do Centro Nacional de Pesquisa da Soja/Embrapa.

A partir de 1982, atuou como responsável em diferentes projetos de sistemas de rotação de culturas em Campo Mourão (Coamo/Embrapa), Cascavel (Ocepar/Embrapa), Guarapuava (Embrapa/Agrária) e Londrina. Em 1985, pelo projeto sistema misto lavoura pastagem para recuperação do solo em Londrina, e responsável Técnico de áreas pilotos de sistema misto lavoura pastagem Embrapa/Greta 1989/1994: Fênix/PR, Iepê/SP e Sertaneja/PR (Paranagi).

Celso de Almeida Gaudencio: A pesquisa foi relevante nas culturas de algodão, cacau, café e cana-de-açúcar. Mas, não menos importante, em outras espécies cultivadas, entre as quais: adaptação do trigo às condições do inverno brasileiro, desenvolvimento de cultivares de soja brasileira até para as regiões situadas em baixa latitude, desenvolvimento da prática conservacionista da semeadura direta, geração de informações para o planejamento de sistemas de rotações de espécies vegetais anuais e sistema misto lavoura e pastagem, desenvolvimento de cultivares em diferentes espécies cultivadas e processos de cultivos para o controle de doenças, pragas e plantas daninhas.


RC: Como pesquisador, quais foram as variedades desenvolvidas e trabalhadas em prol do desenvolvimento da agricultura?

Gaudencio: Participei da condução e avaliação final de material desenvolvidos em diferentes instituições de pesquisa, sendo responsável pela recomendação de inúmeras cultivares de trigo em Santa Catarina e depois no Paraná no período de 1968 a 1980.


RC: O senhor esteve à frente de um grande trabalho realizado na Fazenda Experimental da Coamo, que é o ensaio de Rotação de Culturas. Como se sente tendo participado deste processo e como percebe a prática da rotação de culturas pelos agricultores?

Gaudencio: O Ensaio de Rotação de Culturas na Fazenda Experimental foi iniciativa da Coamo. Objetivou inicialmente gerar informações para o planejamento em longo prazo de sistema de rotações para as culturas de soja e de trigo. Neste ensaio, foram utilizadas espécies vegetais como fortes agentes biológicos para aumentar a capacidade produtiva do solo em múltiplos aspectos. As informações serviram para determinar uma política de produção, isto é, quanto se deve produzir de cada produto com a finalidade de diversificar a produção e melhorar os atributos do solo e constituir ecossistemas rurais renováveis. Os resultados desse trabalho estão disponíveis para os produtores que desejam desenvolver uma agricultura avançada. Dessa forma, pela melhoria do ambiente produtivo proporciona que as cultivares comerciais alcancem o potencial produtivo.


RC: Quais são os desafios da pesquisa em prol de uma agricultura sustentável, considerando o equilíbrio com o meio ambiente e o incremento de produtividade?

Gaudencio: Sem dúvida, a concepção de sistema misto lavoura pasto é o único meio para produção renovável com ganhos em produtividade e ambiental, por meio da melhoria física, química e biológica do solo. No sistema misto, a produção de forragem é aumentada. Mas, o efeito maior se constata nos cultivos anuais. Nestes sistemas, somente sem citar outros benefícios, é pelo aumento do material orgânico, elevação da capacidade de troca catiônica e pela reciclagem de nutrientes no solo, que por si só apresentam efeitos imensuráveis sobre a melhoria da capacidade produtiva. O desafio da pesquisa é conceber modelos de longa duração de sistemas mistos lavoura-pastagem, associado ou não ao reflorestamento, tornando o ambiente produtivo evoluído biologicamente para um novo e diferenciado ecossistema rural. Utilizar na formulação espécies vegetais tais como: aveia preta, azevém ou talvez festuca (no lugar da brachiaria) na região temperada, e do milheto e brachiária na região tropical, como variáveis para aumentar a eficiência produtiva dos solos brasileiros. Dessa forma, as cultivares como as de soja alcançam todo potencial produtivo. Outro desafio é usar os sistemas de produção agropecuária, na definição de quanto de floresta uma determinada área deve conter, especialmente em solo de alta aptidão agrícola ou em várzeas irrigadas, onde se deve priorizar agronomicamente o uso agrícola, nas revisões do código florestal, pois não é só da floresta que vive o homem.


RC: Neste contexto, o que representa o encontro anual realizado na Fazenda Experimental Coamo?

Gaudencio: O encontro consiste no sinergismo da força do espírito cooperativista, em produzir os meios para transformar o setor rural cada vez mais pujante. Me sinto orgulhoso em ter participado desde o primeiro encontro e ser testemunha da revolução no campo, influenciada pelas tecnologias ali demonstrada e adotada pelos cooperados. As estações abordam sempre a dinâmica dos problemas, que surgem no transcorrer do tempo, mostrando os caminhos para o produtor rural solucioná-los. É um evento reconhecido por todas as instituições de pesquisa envolvidas. São anos de trabalho harmônico e frutífero, semeadores de resultados e de esperanças. Cada estação de campo constitui uma grande fábrica de informações e quando adotadas traduzem o sucesso agrícola, mesmo diante das crises econômicas, transformam o negócio agropecuário numa atividade moderna e competitiva. O encontro demonstra que toda tecnologia gerada pela pesquisa, pode ser usada na agropecuária, propiciando à geração de sistemas apropriados às particularidades em recursos naturais e humanos de cada propriedade, criando uma diversidade de ecossistemas de produção rural com enormes ganhos ambientais. O encontro é o principal e consagrado elo da pesquisa e o produtor rural, responsável pelo sucesso de todos os segmentos produtivos.

Celso de Almeida Gaudencio recebeu no ano passado homenagem em comemoração aos 30 anos do projeto de rotação de culturas desenvolvido na Fazenda Experimental da Coamo

RC: Como avalia a interação e parceria entre instituições e cooperativas para a difusão e o desenvolvimento dos produtores?

Gaudencio: A cooperação técnica da pesquisa, entre instituições, como a Coamo, constituí no mais eficiente mecanismo de obtenção de resultados e da adoção tecnológica na modernização continuada dos processos determinantes da produção rural. Os resultados surgem sobre os olhos apurados do produtor, não escapando nenhum detalhe, na análise da influência e dos efeitos das variáveis estudadas, para chegar a uma conclusão.


RC: Qual é o papel do pesquisador?

Gaudencio: Diante dos problemas do campo ou da inovação tecnológica cabe ao pesquisador formular hipóteses, para resolução de problemas ou de novas tecnologias. Estudar variáveis para obtenção de dados de parâmetros pré-definidos e fazer as inferências estatísticas para comprovar ou não se as hipóteses levantadas no estudo são verdadeiras. Cabe à pesquisa criar informações para todos. Mas, é no momento de transmitir conhecimento, que este trabalho se torna humano.


RC: Qual deve ser o papel dos agricultores após receber a difusão de novas tecnologias?

Gaudencio: Cabe o agricultor eleger qual técnica pode ser adotada ou adaptada no seu sistema de produção, que traga à atividade desenvolvimento produtivo, econômico e ambiental.


RC: Qual o sentimento que fica após tantos anos promovendo a difusão de tecnologias?

Gaudencio: Enquanto profissional, sempre busquei o crescimento com desenvolvimento econômico regional, tornando a produção rural de nossa Pátria mais forte, adotando política de produção de alimentos suficiente para proporcionar o bem estar de toda população e extinguindo o estigma da fome.

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