Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 514 | Junho de 2021 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

“Somos o farol que deve orientar o mundo para um paradigma mais solidário e com desenvolvimento”

Ariel Guarco, nasceu em Coronel Pringles, uma pequena cidade do sul da província de Buenos Aires, Argentina, com cerca de 20 mil habitantes. É médico veterinário de profissão, mestre em economia agrária e tem graduação em Economia Social. Sua experiência no cooperativismo se iniciou na cooperativa elétrica da sua cidade natal, na qual começou a trabalhar aos 23 anos, ocupando diferentes cargos até a presidência em 2007. No ano seguinte, foi eleito presidente da Federação de Cooperativas Elétricas e de Serviços Públicos de Buenos Aires (Fedecoba) e desde 2011 preside a Confederação Cooperativa da República Argentina (Cooperar), a organização máxima do cooperativismo argentino.

O presidente da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), Ariel Guarco, cooperativista argentino, é o personagem da entrevista da Revista Coamo deste mês. A ACI foi fundada há 125 anos, é composta atualmente por 319 organizações de 112 países, com impacto em praticamente todos os setores da economia e da sociedade. É uma das mais antigas organizações não governamentais e a primeira entidade não governamental a receber o status consultivo nas Nações Unidas, Guarco é o segundo presidente mais jovem da história da ACI e o segundo latino-americano a presidir a organização. O primeiro foi o brasileiro Roberto Rodrigues, de 1997 a 2001, que também foi o primeiro dirigente não europeu a presidir a ACI.



Revista Coamo: Qual o sentimento de ser cooperativista?

Ariel Guarco: Ser cooperativista é um modo de vida. É uma escolha sobre como queremos viver em nossas comunidades, cidades, países e regiões, sobre como queremos trabalhar, produzir, consumir, economizar. Estas ações, são parte essencial de nossa vida cotidiana, podem ser guiadas por valores e princípios cooperativos. Ou seja, elas podem ser baseadas em uma identidade que nos une globalmente e nos ajuda atender necessidades e aspirações em conjunto. Ser cooperativista é comprometer-se com a realidade que nos rodeia, sem deixar ninguém para trás. Desde muito jovem me identifiquei com esta doutrina e tenho orgulho de fazer parte deste movimento juntamente com mais de um bilhão de membros das três milhões de cooperativas existentes em todo o mundo.



RC: Quais os propósitos e missão da ACI na sua gestão? Há perspectivas para o crescimento do cooperativismo?

Guarco: Quando assumi esta responsabilidade em 2017, eu o fiz à frente de uma proposta que foi inicialmente elaborada pelo movimento cooperativo do meu país, Argentina, a qual se juntaram, posteriormente, organizações das Américas. Por fim, esta proposta foi aprovada pelos membros da ACI de todos os continentes. Quero dizer que a plataforma que sustenta meu mandato é baseada na constante interação e diálogo com os membros da ACI. Estas visitas em mais de 50 países e à quase metade dos membros, que tenho continuado à distância desde o início da pandemia, me permitem reforçar a ideia de que somos um movimento único no mundo, porque representamos a maior rede global de empresas com raízes em seus territórios, com valores e princípios que as unem internacionalmente, cuja atividade está orientada para o bem comum. O Plano Estratégico da ACI, desenvolvido com base em duas consultas aos membros e aprovado na assembleia realizada em Kigali, em 2019, estabelece em objetivos e iniciativas concretas, os caminhos a serem seguidos até 2030. O ICETT, um Think Tank de grandes empresas cooperativas de diferentes regiões e setores, nos ajuda a promover a integração e a difundir nossa identidade. Neste contexto que a humanidade está vivendo, não só temos perspectivas de crescimento, mas somos o farol que deve orientar o mundo para um paradigma mais solidário sob o qual ele possa se desenvolver.



RC: Conte-nos um pouco sobre o papel organizacional da Aliança Cooperativa Internacional (ACI).

Guarco: A Aliança Cooperativa Internacional (ACI) tem 125 anos de existência, é composta atualmente por 319 organizações de 112 países, com impacto em praticamente todos os setores da economia e da sociedade. Fundada em 1895, é uma das mais antigas organizações não governamentais e uma das maiores em termos de número de pessoas representadas. Tem um escritório global com sede em Bruxelas, quatro escritórios regionais (África, Américas, Ásia-Pacífico e Europa) e oito organizações setoriais, que reúnem cooperativas de todo o mundo dedicadas a ramos como: trabalho, serviços e produção industrial; produção agropecuária; saúde; finanças; seguros; pesca; consumo e habitação. Possui também quatro comitês temáticos: Gênero, Pesquisa, Direito e Desenvolvimento, e uma Rede Mundial da Juventude. Esta arquitetura institucional é apoiada pela governança da Assembleia Geral e depois pelo Conselho Mundial, onde as regiões também estão representadas, com uma vice-presidência cada, os setores, o Comitê de Igualdade de Gênero e a Rede da Juventude. Por outro lado, a ACI é a primeira entidade não governamental a receber o status consultivo nas Nações Unidas, onde é cada vez mais ouvida. Além disso, reafirmamos os vínculos com organizações como a OIT e a FAO, entendendo que somente por meio do diálogo com atores tão importantes no cenário global poderemos consolidar a aliança para o desenvolvimento sustentável, proposta pela ONU em sua Agenda 2030.



RC: Qual é o momento do cooperativismo no âmbito mundial?

Guarco: O cooperativismo está presente em praticamente todos os setores econômicos e atua em todos os continentes. Na ACI, continuamos a trabalhar para promover a integração cooperativa, fortalecer as redes de gênero e juventude e apoiar setores e regiões, para que esta integração se torne uma realidade de fato, que dê frutos em todos os campos onde uma cooperativa deve atuar juntamente com seus membros.



RC: Em quais continentes o cooperativismo está mais desenvolvido?

Guarco: Praticamente, não há nenhum lugar no mundo sem algum grau de desenvolvimento cooperativo. Em cenários muito diferentes, com estruturas políticas, econômicas e culturais específicas de cada lugar, as cooperativas baseiam seu desempenho nos mesmos valores e princípios que as guiam internacionalmente. Como presidente da ACI, pude visitar mais de 50 países em todos os continentes e tenho observado este diferencial das cooperativas. É verdade que em alguns lugares há mais experiência acumulada com base em certos desenvolvimentos, e que em outras partes esses desenvolvimentos são mais incipientes, mas o importante é que na maioria dos países existem organizações que integram cooperativas e que podem contribuir para o progresso geral do setor. Estamos propondo que as entidades com maior volume, trajetória e capital acumulados possam acompanhar o surgimento de novas cooperativas e ajudá-las a se consolidar.



RC: Como avalia a atuação do cooperativismo e os desafios diante da pandemia?

Guarco: Propomos aprofundar nossa identidade cooperativa, ou seja, colocar nossos princípios em ação e reconstruir juntos o tecido social e econômico danificado pela pandemia. Atualmente, nossas organizações estão sendo muito afetadas pela crise sanitária, social e econômica que estamos atravessando em todo o mundo. Mas a pandemia também permitiu mostrar, mais uma vez, que as cooperativas são resilientes perante diferentes tipos de crises e podem ajudar suas comunidades a seguir em frente. A Covid nos colocou à prova, assim como a todos os atores sociais e econômicos que produzem bens ou prestam serviços. No caso das cooperativas, estão atuando de maneira excepcional em todas as áreas. As cooperativas de saúde estão na linha de frente de contenção diante do avanço da Covid.



RC: Quanto aos diversos segmentos do cooperativismo, qual o cenário atual e como ajudam no desenvolvimento global?

Guarco: As cooperativas agroindustriais continuam a produzir alimentos e outros bens essenciais para a população. As de serviços públicos continuam a fornecê-los apesar das dificuldades de muitas famílias em manter o pagamento. As de telecomunicações estão fornecendo a conectividade tão necessária neste momento para manter a atividade profissional e os laços pessoais. As cooperativas dos setores financeiro e seguros reajustaram seus instrumentos para atender às necessidades das empresas e das famílias. As de habitação contribuem para tornar mais sustentável o habitat das pessoas em situação de confinamento. As de trabalho estão mantendo a fonte de renda de muitas pessoas em momentos de forte destruição de empregos. Poderíamos continuar dando exemplos. O importante é destacar e reconhecer que este modelo empresarial não só resiste à uma crise da magnitude desta que estamos atravessando, mas também é uma chave para sairmos desta crise, melhor do que entramos.



RC: O cooperativismo brasileiro tem atuado forte na profissionalização e gestão. Como a ACI observa esta atuação?

Guarco: É fundamental avançar tanto na profissionalização dos quadros técnicos que compõem as organizações cooperativas, quanto na formação de líderes que tenham uma visão alinhada com a identidade cooperativa. Esta identidade não deve ser uma âncora que nos mantém estáticos, mas, ao contrário, um motor que nos impulsiona a agir dentro de nossas comunidades, atendendo de forma inovadora, profissional e eficiente às demandas que surgem dia após dia. Devemos promover isto por meio de plataformas que cheguem às novas gerações e permitam expandir nossas atividades a setores, e oferecer bens e serviços da mesma forma ou melhor do que outros tipos de empresas.



RC: O tema do Dia Internacional do Cooperativismo em 2021 é “Reconstruir melhor juntos”. Qual é a principal mensagem e motivação?

Guarco: “Reconstruir Melhor Juntos” é um chamado para sair desta crise de forma cooperativa que, como eu disse antes, é uma crise sanitária, mas que também tem um forte impacto econômico e social em escala global. Estamos convencidos de que ninguém pode se salvar sozinho de uma situação tão complexa como esta, por isso, estamos convidando não apenas cooperativistas, mas todas as organizações e indivíduos diante da oportunidade, construir um mundo mais sustentável, onde o ser humano e o meio ambiente estão no centro dos acontecimentos.



RC: Quais são as perspectivas para o futuro do cooperativismo? Será mais digital ou tecnológico? Mais inovador? Mais transformador?

Guarco: O cooperativismo é sempre transformador. Quando os pioneiros de Rochdale, em 1844, iniciaram o que hoje consideramos a primeira cooperativa da era moderna, eles fizeram a maior inovação social de todas que estavam acontecendo no contexto da Revolução Industrial. Hoje, com avanços tecnológicos muito mais dinâmicos, devemos continuar a ser protagonistas dessas inovações e estampar cada avanço com o selo de nossos valores e princípios. Toda transformação nos modos de produção e consumo deve contemplar o bem comum como um horizonte, e podemos garantir isso a partir do modelo cooperativo.



RC: O setor Agropecuário produz alimentos com origem e sustentabilidade. Como observa esta atuação, principalmente, em ano de pandemia?

Guarco: É uma tarefa essencial para poder continuar fornecendo alimentos à população, em um contexto tão complexo como este. Certamente os iniciadores da Coamo não imaginavam que há mais de meio século, ao se unirem, estavam criando uma empresa de tamanha magnitude no Brasil, que dá enorme contribuição para a produção de alimentos e melhoria da qualidade de vida de muitas famílias em áreas rurais e urbanas. A Coamo demonstra que a identidade cooperativa é a base deste tipo de empresas, desde o momento em que nascem da vontade de um grupo de pessoas que decidem resolver uma necessidade em conjunto, até cada um dos pontos máximos de crescimento que alcançam ao longo do tempo.



RC: Qual sua mensagem para os cooperados da Coamo?

Guarco: Em primeiro lugar, parabenizá-los pelo trabalho que realizam para produzir, inovar, diversificar e ser um verdadeiro exemplo de progresso com uma identidade cooperativa. Em segundo lugar, convidá- -los a aprofundar essa identidade e compartilhá-la com o resto de sua comunidade, para que este movimento tão vasto que estamos formando no mundo, continue a crescer em cada país. O Brasil em particular tem uma enorme trajetória cooperativa e empresas como a Coamo são vitais para que este modelo continue a crescer, para que as novas gerações também vejam o cooperativismo como um sistema que permite viver com dignidade e alcançar a realização pessoal e profissional junto com outras pessoas.

Colaboração: Assessoria de Comunicação Social
da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

Ariel Guarco, presidente da Aliança Cooperativa Internacional (ACI)
É permitida a reprodução de matérias, desde que citada a fonte. Os artigos assinados ou citados não exprimem, necessariamente, a opinião do Jornal Coamo.