Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 476 | Dezembro de 2017 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

“SE O BRASIL FOSSE ADMINISTRADO COMO UMA COOPERATIVA, TERIA DEMOCRACIA EM SUA PLENITUDE, IGUALDADE E EFICIÊNCIA NA GESTÃO."

Sou uma pessoa abençoada por Deus, pela formação de agrônomo. Trabalhando com o agricultor na produção de alimentos iniciei o exercício da minha profissão em uma cooperativa do Sudoeste do Paraná há 30 anos, exatamente em um dia 21 de setembro, no dia em que começa a primavera. Sou muito feliz por completar 30 anos de cooperativismo.” A afirmação é do gaúcho de São Lourenço do Sul - a "Pérola das Lagoas", Leonardo Boesche, que do interior foi para Curitiba trabalhar na Ocepar – Sindicato e Organização das Cooperativas Paranaenses na área de Organização do Quadro Social. Atualmente ele é superintendente do Sescoop-PR, o Serviço Social de Aprendizagem o Cooperativismo.

Leonardo vive pelo cooperativismo, sistema que considera " justo, honesto, com valores e princípios. Dentro do cooperativismo faço um trabalho direcionado para a educação e trabalhando com gente."


Revista Coamo: O Senhor completou recentemente 30 anos de cooperativismo. Como começou e o que significa esta marca? Como era o cooperativismo naquela época e como é hoje: faça um paralelo.

Leonardo Boesche: Sem dúvidas, essa marca de 30 anos, é uma grande satisfação e até mesmo um orgulho para mim, pois pelo fato de trabalhar em uma cooperativa, se tem uma filosofia extremamente importante, uma filosofia muito rica, em termos de justiça, igualdade e equidade. Eu vim do Rio Grande do Sul para trabalhar no Paraná, na Emater-PR e fui deslocado para a área de Cooperativismo. Trazia do Rio Grande do Sul uma carga muito forte e negativa com relação ao Cooperativismo - meu pai, um pequeno agricultor acabou sendo conselheiro fiscal de uma cooperativa que hoje não existe mais, mas que tinha muitos problemas- e na minha adolescência só ouvia ele falar mal da cooperativa – Por que estão metendo a mão na cooperativa?. Quando cheguei na Emater, na região de Francisco Beltrão me deslocaram para o Cooperativismo. Tive uma resistência até mesmo porque eu não queria trabalhar com Cooperativa. A sensação que eu tinha é que cooperativa não era uma coisa legal, mas comecei um estágio no Cooperativismo em Capanema na Coagro em 1987 no dia 21 de setembro. Comecei a entender o que é o Cooperativismo, comecei a enxergar as diferenças que existiam entre o cooperativismo paranaense e o gaúcho e acabei me apaixonando pelo sistema. Fiz dele uma filosofia de vida que procuro praticar, não só nas minhas atividades profissionais, mas com os amigos, com a minha família e com as pessoas que eu convivo porque cooperativismo sem sombra de dúvidas é um dos grandes valores que a sociedade deveria preservar.


RC: Essa realidade mudou com a Constituição Federal de 1988?

Boesche: Sim, naquela época estava em vigor uma legislação, anterior à Constituição de 1988, onde o Brasil até mesmo dentro do cooperativismo garantia um certo paternalismo. As cooperativas eram acompanhadas pelo governo, que tinha acesso a algumas questões, e o cooperativismo tinha falhas na gestão. A partir da nova Constituição de 1988, as cooperativas ficaram livres da tutela governamental e passaram por uma realidade mais próxima do mercado, inclusive com a globalização e a concorrência internacional. O que observamos é que aquelas cooperativas que não perceberam essa mudança de cenário não estão mais conosco e as que observaram e perceberam que o cenário mudou e se adaptaram, se profissionalizaram e passaram a ter uma gestão mais profissional, uma forma diferente de se relacionar com o associado. Foi isso que fez que com que as cooperativas especialmente aqui no Paraná se transformassem em grandes corporações, o que para nós também é um motivo de orgulho. Foi durante praticamente esses 30 anos no período em que estou no cooperativismo que ocorreu essa transformação e tive a oportunidade de participar desse movimento.


RC: Como se identificou no trabalho de Organização do Quadro Social no Cooperativismo?

Boesche: Eu costumo sempre falar com relação a isso de que eu sou muito grato a Deus por três questões fundamentais que aconteceram na minha vida. A primeira é a minha formação, eu poderia ter escolhido qualquer outra profissão, mas não, me formei em engenharia agronômica, pois agronomia, para mim, é uma das profissões mais nobres que existe. É uma profissão que ajuda alimentar o mundo, e sou muito grato a Deus por ter me dado a oportunidade de ser engenheiro Agrônomo. Em segundo lugar, sou muito grato a Deus porque poderia ter ido praticar a minha formação em qualquer outra empresa – em uma cerealista, multinacional-, mas Deus me direcionou para o Cooperativismo, que é o sistema mais justo que existe dentro de uma sociedade economicamente organizada. A minha gratidão a Deus é que dentro do Cooperativismo ele me jogou na área de Educação e trabalhar com a educação é uma coisa gratificante. Os resultados podem ser difíceis, mas você consegue resultados porque trata constantemente com o desenvolvimento de pessoas, e desenvolver pessoas é uma tarefa complexa, mas ao mesmo tempo muito gratificante.


RC: Qual é a importância da organização do quadro social em uma cooperativa?

Boesche: É fundamental, sem o quadro social organizado não existe uma sociedade cooperativa, então da mesma forma que clamamos por uma sociedade brasileira mais organizada que siga o modelo do cooperativismo, dentro da cooperativa, precisamos organizar o quadro social. Quando se tem um quadro social organizado e consciente, com conhecimento e formação, dificilmente uma cooperativa terá dificuldade para se desenvolver. O conhecimento é fundamental no desenvolvimento da sociedade e para isso é importante desenvolver os cooperados para que eles possam auxiliar a administração na tomada de decisão. Eu fico muito feliz quando vejo a nossa grande referência no Cooperativismo no Paraná que se chama José Aroldo Gallassini. Ele está retomando uma coisa lá do passado que é falar sobre cooperativismo. Ele trabalha com esse aspecto junto aos associados. Isso para nós é um mantra dentro das pessoas que trabalham com a organização do quadro social. Você prepara pessoas para que, efetivamente, possam assumir os rumos da sua empresa, da sua sociedade, da sua cooperativa. Somente dessa forma vamos ter uma cooperativa atuando de forma democraticamente, justa e economicamente viável.


RC: Como observa a participação e o interesse dos associados dentro do cooperativismo?

Boesche: A régua vem subindo para todo mundo, vem subindo para o associado pois o produtor rural que não tiver eficiência na sua atividade profissional estará fora do mercado e a cooperativa que não souber atuar de uma forma democrática com esse novo produtor mais tecnificado e mais exigente certamente o perderá. Qual é o grande objetivo do cooperado com a sua cooperativa? É satisfazer as suas necessidades principais, e a principal necessidade é a econômica. Se a cooperativa não tiver eficiência econômica o cooperado não será fiel. Em segundo lugar, se a cooperativa tem uma eficiência econômica, mas não exige uma eficácia social do seu cooperado ela também terá problema. Quando se fala nessa relação cooperativa e cooperado, estamos falando de uma via de mão dupla, pois a cooperativa precisa apresentar o resultado ao associado e ele também precisa ser fiel a sua cooperativa. Essa cobrança precisa ser dos dois lados, e isso é fundamental para que essa relação seja saudável e de desenvolvimento.


RC: Porque o cooperativismo no Paraná é considerado como um dos mais organizados do Brasil?

Boesche: Desde quando foi organizado o sistema cooperativo no Paraná, um dos fatores primordiais foi a questão da organização do quadro social. Na época, existia apoio governamental por meio da Acarpa, hoje Emater, que foi importante para a organização das cooperativas e, principalmente, dos cooperados junto as cooperativas. Quando iniciamos o sistema cooperativista no final dos anos 60 e início de 70, investimos também na formação dos associados. Quando estudamos o cooperativismo no Paraná, vemos que o aspecto da educação sempre foi muito forte. Outros dois grandes diferenciais do cooperativismo paranaense são o planejamento e a informação. Temos um sistema bem informado que auxilia na gestão. A partir daí, vem o planejamento que mostra o caminho a ser seguido. Esses quatro fatores são fundamentais. No início, com o apoio da Emater na organização do cooperado. Depois, a questão educacional, que sempre esteve presente no cooperativismo do Paraná. Passando pela informação, com as cooperativas implantando o projeto de Autofiscalização, que depois se transformou em Autogestão. Por fim, o aspecto do planejamento, o próprio cooperativismo do Paraná surgiu de um planejamento. Esse é o nosso diferencial.


RC: O PRC 100 está fazendo a diferença para alavancar o cooperativismo do Paraná?

Boesche: Foi um grande desafio ter lançado o Paraná Cooperativo para alcançar a cifra de R$ 100 bilhões. Esse valor é um direcionador e vamos alcançar, sem dúvida nenhuma. Isso é uma questão de tempo. Nossa grande preocupação sempre foi em relação ao planejamento estratégico das cooperativas, e em que condições chegarão nesses R$ 100 bilhões. Porque crescer é fácil, o difícil é sustentar esse crescimento. Precisamos organizar nossas cooperativas para suportar esse crescimento que buscamos. Vemos cooperativas buscando apoio do Sescoop para elaborar o seu próprio planejamento estratégico para se reestruturar. São pelo menos, importantes 18 cooperativas fazendo isso, fora aquelas que estão fazendo por conta própria. Notamos que a ideia de planejamento estratégico contagiou todo o ambiente. Só por isso o planejamento estratégico já alcançou o seu objetivo. Sem contar que estamos vindo de um crescimento normal. Esse ano de 2017, não será na mesma proporção dos anos anteriores, porque o nosso grande faturamento está dentro dos armazéns. Comprovamos isso por meio de números, o ativo das cooperativas cresceu mais de 10% nesse ano, o que demonstra que os nossos estoques estão elevados. Então, com certeza, no ano que vem se tivermos uma boa safra com uma comercialização normal, vamos recuperar essa diferença de crescimento e seguir o caminho natural para que em 2020, ou mais tardar, 2021, estejamos com essa cifra de R$ 100 bilhões. Mas, volto a frisar: esse número é apenas um direcionador, o fundamental é investir na estruturação das nossas cooperativas para suportar esse crescimento.


RC: No Encontro Estadual em 08 de dezembro, o Sistema Ocepar celebrou os resultados do cooperativismo em 2017. Quais foram os principais resultados e quais os desafios do setor para os próximos anos?

Boesche: O ano de 2017, pelo menos nessa década, foi o mais complicado que tivemos. É um ano que politicamente foi uma catástrofe e economicamente não foi bom. Mesmo tendo a maior safra da nossa história, em termos de grãos, não crescemos em faturamento porque tivemos problemas de comercialização e as negociações com o governo foram extremamente complexas. Foi um dos piores anos para o Sistema Ocepar, digo o seguinte: sobrevivemos 2017 e estamos prontos para 2018. Essa é a grande mensagem deixada no encontro deste ano, porque no ano que vem, sem dúvida nenhuma, temos que avançar bastante em um ano de decisões importantes. Quando falamos em estrutura pública do nosso país, temos que participar de forma ativa para que a gente não passe mais pelas dificuldades que passamos nesse ano.


RC: O senhor acredita em um Brasil Cooperativo. Se fosse administrado como cooperativa como seria o nosso país?

Boesche: Com certeza, porque estaríamos praticando a democracia em sua plenitude. A igualdade em todos os sentidos. A gestão de uma cooperativa se apresenta como modelo para as organizações não cooperativas. Atualmente, a cooperação é fundamental. Se tivéssemos um governo mais cooperativo, com certeza, o nosso resultado seria diferente. Temos uma grande dificuldade porque temos um governo inchado, muito pouco democrático. As estruturas são extremamente ingovernáveis e precisamos dar uma revirada em toda essa situação. O PIB do Brasil está muito baixo pela estrutura do governo. Isso demonstra que não estamos no caminho certo quando se fala nas nossas estruturas governamentais. Uma cooperativa é muito mais eficiente.


RC: Que mensagem o senhor deixa para os associados da Coamo?

Boesche: A Coamo é uma referência em gestão de cooperativas. É sinônimo de sucesso, realização e, acima de tudo, de integração. A Coamo só é grande porque tem um quadro social extremamente ativo, responsivo em relação as novas tecnologias. É fundamental que os associados continuem dessa forma, participando ativamente da sua cooperativa. Dessa forma, continuará sendo essa grande empresa, grande cooperativa e referência para todos nós.

É permitida a reprodução de matérias, desde que citada a fonte. Os artigos assinados ou citados não exprimem, necessariamente, a opinião do Jornal Coamo.