Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 539 | Setembro de 2023 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

RICARDO ACCIOLY CALDERARI

Membro dos Conselhos de Administração da Coamo e da Credicoamo e pioneiro no plantio direto na região de Campo Mourão

"Olhando para trás, tenho certeza de que se existe agricultura hoje é por causa do plantio direto."

A região de Campo Mourão (Centro-Oeste do Paraná) está comemorando 50 anos da adoção do sistema de Plantio Direto. Foi a segunda do país a implantar esta tecnologia que mudou para melhor a vida de milhares de produtores. Em Campo Mourão, o pioneirismo foi dos agricultores Joaquim Peres Montans, Antonio Álvaro Massareto e Ricardo Accioly Calderari, e, também, de Gabriel Borsato e Henrique Gustavo Salonski (in memorian), – cooperados da Coamo. 

Eles foram homenageados dia 31 de agosto no evento que celebrou os 50 anos do plantio direto em Campo Mourão, promovido pela Associação dos Engenheiros Agrônomos de Campo Mourão (AEACM) que reuniu profi ssionais de várias regiões do Paraná. Ricardo Calderari representa todo este grupo de pioneiros e fala da história e dos avanços do Plantio Direto na Entrevista deste mês na Revista Coamo.


Revista Coamo: Quando surgiu o plantio direto no mundo? 


Ricardo Accioly Calderari: Tudo começou em 1950, na Inglaterra. Pesquisadores da Imperial Chemical Industries (ICI), procuravam opções para a agricultura e descobriram o "Reglone" - um herbicida de contato, que contém paraquat, capaz de destruir as ervas daninhas. A partir deste trabalho foi que a empresa desenvolveu o plantio direto e pouco tempo depois foi introduzido nos Estados Unidos e se espalhou para vários países do mundo. Foi na região do Meio Oeste e Sudeste americano que a tecnologia se desenvolveu com mais rapidez e com pesquisas signifi cativas. Para se ter uma ideia, no início da década de 1960, vários agricultores iniciaram testes em fazendas e já em 1973, havia um total de 430.000 hectares de PD apenas nos EUA e Canadá. 

RC: No Brasil como foi a história do plantio direto? 


Calderari: O plantio direto chegou em 1972, na cidade de Rolândia, no Norte do Paraná, com o produtor Herbert Bartz – in memorian-, que foi aos Estados Unidos e adquiriu uma plantadeira AIIi Chalmers - específi ca para o PD. No dia 20 de outubro de 1972, ele colocou a máquina para plantar 150 sacas de soja sobre a palhada de trigo e braquiária, que estavam com mais de um metro de altura. A notícia desse plantio se espalhou, pois era uma técnica diferente do que fazíamos, estávamos acostumados a arar e gradear, e plantar sobre a terra nua. Depois de Rolândia, chegou à região de Campo Mourão, que foi a segunda do país a implantar o sistema. 


RC: Como o PD chegou em Campo Mourão? 


Calderari: A prática do PD foi implantada em novembro de 1973, pelos produtores Joaquim Peres Montans, Henrique Gustavo Salonski, Gabriel Borsato, Antonio Alvaro Massaretto e eu. Na época, o Montans tinha mais contato com o Herbert e era o nosso guia. Tivemos a visão e adotamos a técnica apostando que viriam bons resultados em safras futuras. Depois de Campo Mourão, o PD alcançou outras regiões como a de Ponta Grossa, nos Campos Gerais, e outras do Paraná e do Brasil. Este avanço consolidou a adoção desta importante descoberta para a conservação do solo e o incremento das produtividades na agricultura mundial. Com todo esse trabalho, Campo Mourão tornou-se município Modelo do Brasil em conservação de solos.

RC: Foi um progresso que vocês imaginavam? 


Calderari: Os novos agricultores sequer imaginam como eram os solos e a agricultura lá na década de 1970. Como agricultores, na época, tínhamos duas grandes preocupações: precisávamos de chuva, mas quando chovia, nem precisava ser muito forte, para que as terras fossem literalmente ‘lavadas’ e tudo se perdia, a lavoura e o solo. Então, olhando para trás, tenho certeza de que se existe agricultura hoje é porque existe o plantio direto. 


RC: Como era a realidade agrícola na região de Campo Mourão na década de 1970? 


Calderari: A nossa região tinha uns dez mil hectares de Plantio Direto. Iniciamos os trabalhos de difusão e a partir dos anos 1980 foi que a tecnologia deslanchou. Os números mostram que, em 1984, a região já tinha mais de 60 mil hectares de lavouras com este novo sistema e com o trabalho dos técnicos este número foi crescendo e praticamente 100% das áreas de cultivo da região têm plantio direto. Com o PD saímos de 70 sacas de soja por alqueire para mais de 150, 200 sacas. Com as novas tecnologias, variedades, com adubação verde, rotação de culturas, poderemos elevar ainda mais as produtividades”.

Ricardo Accioly Calderari é engenheiro agrônomo e cooperativista nato. Nasceu na Lapa (PR) e se mudou para Campo Mourão em 1970. É membro dos Conselhos de Administração da Coamo e da Credicoamo e um dos fundadores da Associação dos Engenheiros Agrônomos de Campo Mourão. Recebeu várias homenagens pelo pioneirismo no plantio direto na região de Campo Mourão. Recebeu o Mérito Agronômico outorgado em 2000 pela Confederação das Federações dos Engenheiros Agrônomos do Brasil (Confaeab), o de Agricultor Modelo do Município de Farol, Troféu Ocepar pela contribuição ao cooperativismo, e os de Cidadão Honorário do Município de Campo Mourão, em 2014, e este ano de Cidadão Benemérito do município de Lapa, sua terra natal.

"UM SISTEMA EQUILIBRADO NECESSITA DE BASTANTE PALHADA. POR ISSO, A IMPORTÂNCIA DE SE FAZER A ROTAÇÃO DE CULTURAS, NO VERÃO E NO INVERNO.”

RC: Quais os benefícios do plantio direto? 


Calderari: Após cinco décadas, o plantio direto continua safra após safra sendo comemorado por todos nós agricultores. Entre os benefícios, estão a tranquilidade e agilidade no plantio, reserva de umidade no solo, menor custo de produção, segurança, germinação uniforme, desenvolvimento das plantas em um mesmo padrão, tolerância ao veranico e, sobretudo, o cuidado, a conservação e preservação dos solos. Além de conservar e proteger o ambiente produtivo, a prática do PD sempre com rotação de culturas e formação de muita palha, aumenta a matéria orgânica no solo. Melhora a estrutura, a qualidade e a produtividade do solo por meio de substância orgânica, reduz a erosão, melhora a qualidade da água. O uso do PD foi determinante para que fosse ampliado o potencial de matéria orgânica no solo, por isso é que o sistema é a maior revolução da agricultura e do meio ambiente.


RC: Qual a importância da rotação de culturas no processo produtivo? 


Calderari: Um sistema produtivo bem equilibrado necessita de bastante palhada. Por isso, a importância de se fazer a rotação de culturas, tanto no verão quanto no inverno. A palhada ajuda a segurar a chuva na área do plantio, infiltrando a água no solo e evitando que escorra. Para que isso ocorra de forma eficaz precisa, também, de curvas de nível, uma prática antiga, mas que muitos agricultores estão deixando de fazer. 


RC: O senhor entende que o Brasil é referência, exemplo no cuidado e preservação da natureza? 


Calderari: Com certeza, o Brasil é um exemplo na preservação da natureza. É o mais ambientalista e um exemplo para o mundo. Temos que ter lavoura para as próximas gerações e preservar muito bem o solo.

 Os cooperados da Coamo praticam e difundem essas técnicas de preservação e produção sustentável. Mesmo quando vão para outras regiões do país, levam essa conscientização que aprendem na cooperativa. Qualquer lugar do Brasil que tiver um produtor que é ou foi cooperado da Coamo, sabemos que desenvolverá a agricultura pensando no meio ambiente.


RC: Como foi a reação dos participantes no encontro em 2018 na França quando souberam do cuidado do Brasil com a preservação? 


Calderari: Fui em 2018 como diretor-secretário da Coamo e participei em Lille, na França, da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, que foi promovida pela Associação Internacional de Soja Responsável (RTRS). Tinha dezenas de autoridades representando mais de 40 países dos cinco continentes, ligadas à cadeia produtiva da soja. Foi a primeira vez que o setor produtivo brasileiro havia participado deste evento, representado por seis cooperativas agrícolas - cinco do Estado do Paraná e uma de Goiás, que juntas, representam 11% da produção brasileira de soja. Foi de fundamental importância, pois tivemos a oportunidade de rebater várias críticas feitas ao Brasil a respeito da produção agrícola e do meio ambiente. 


RC: Eles ficaram impressionados com a manifestação do setor produtivo? 


Calderari: Mostramos ao mundo que o Brasil não é o que eles pensam. Escutamos críticas de estrangeiros e até mesmo de brasileiros, de pessoas mal-intencionadas, que com interesses diversos, querem mostrar ao mundo um Brasil que não cuida do meio ambiente, que tem terras estéreis e agricultores que não usam tecnologia e estão empobrecendo, o que é uma grande mentira. Mostramos que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente, aumenta sua produção exatamente por contar com agricultores tecnificados, empreendedores e preocupados com a natureza.

Ricardo Calderari é pioneiro do sistema de plantio direto em Campo Mourão (PR)

"O Brasil é exemplo na preservação da natureza. O país é o mais ambientalista do mundo"

RC: O senhor entende que há outros interesses por parte de quem faz críticas ao agro brasileiro?

 

Calderari: Não tenho dúvida disso, pois outros países produtores de soja estão na verdade assustados com o crescimento agrícola do Brasil e fazem de tudo para complicar e rebaixar a agricultura brasileira. Produzimos bem e com responsabilidade. Aqui no Sul do Brasil temos cerca de 20% da área da propriedade rural destinada para reserva legal. No Cerrado esse número sobe para 35% e na Amazônia para 80%, e o agricultor não tem nenhuma remuneração a mais por isso, bem diferente do que vimos na Alemanha, por exemplo, onde qualquer área de mato é remunerada. 

RC: Então, quem se posiciona contra o Brasil não quer o nosso crescimento agrícola? 


Calderari: Quando vemos notícias falando mal da nossa agricultura é porque tem alguma coisa por trás, outros interesses. Deu orgulho a gente mostrar lá na França que o agricultor brasileiro faz muito bem a sua lição de casa e que o nosso país é o que melhor cuida do meio ambiente no mundo. Eles fi caram simplesmente calados. 


RC: Qual a sua mensagem aos agricultores de ontem e aos mais novos? 


Calderari: O solo existe há bilhões de anos e é necessário que cada geração faça a sua parte na preservação para que possamos continuar produzindo e alimentando as pessoas no futuro. Para isso, precisamos adotar todas as técnicas possíveis no controle de erosão, fazer plantio direto e manter as matas ciliares preservadas. As lavouras são cultivadas sem mexer na terra. Qualquer mexida desagregará benefícios de milhares de anos, tornando a área propícia para a erosão”, finaliza.

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