Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 447 | Maio de 2015 | Campo Mourão - Paraná

Especial

A FORRAGEIRA QUE VIROU A SALVAÇÃO DA LAVOURA

Brachiária ruziziense, que já foi vista como invasora, tem feito sucesso em jornada dupla, que favorece tanto a agricultura quanto a pecuária

Gessí Ceccon foi pioneiro na pesquisa do sistema que ajudou a mudar a realidade da região

Desde 2005, há exatamente dez anos, uma nova tecnologia vem ganhando espaço e mudando para melhor a realidade agrícola em grande parte do Estado do Mato Grosso do Sul. Uma técnica que passa necessariamente por um manejo estratégico e vem contribuindo com a agregação de matéria orgânica e aumento da sustentabilidade do sistema produtivo.

A brachiária ruzizienses, que antes era cultivada somente como alternativa de inverno para o pastoreio do gado, tem sido vista com outros olhos porque também garante a formação de palha em abundância para o sistema de plantio direto, favorecendo o desenvolvimento da soja no verão. A forrageira resiste bem às condições de clima e solo da região e se encaixou perfeitamente tanto na integração agricultura/pecuária quanto no consórcio com o milho safrinha.

INTEGRANDO A PRODUÇÃO

Amparada pela pesquisa, a brachiária superou a desconfiança dos produtores e passou de planta daninha à protetora e aliada do solo. “A intenção no início era somente produzir palha para proteger o solo porque havia uma janela grande entre a colheita do milho e o plantio da soja. Foi quando começamos a pensar em alternativas e surgiu a brachiária por ser perene e nesse sentido se destacou a ruzizienses. Nos primeiros trabalhos avaliamos pelo menos oito ou nove espécies da forrageira, já na linha intercalar com o milho”, explica Gessí Ceccon, fitotecnista e Doutor em Agricultura, pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste de Dourados(MS), conhecido em todo o Brasil como o pai da tecnologia.

Ceccon lembra que era preciso encontrar alternativas que permanecessem mais tempo cobrindo o solo. Tarefa difícil, devido as altas temperaturas e constantes veranicos registrados na região, que provocavam a decomposição rápida da palhada. “O milho, por mais que produzisse massa seca era considerado de baixa cobertura e uniformidade, inviabilizando a proteção do solo”, comenta.

Os primeiros ensaios foram realizados em Dourados, na sede da Embrapa, e em propriedades de produtores parceiros do projeto, localizadas nos municípios de Bataiporã e São Gabriel do Oeste. “A partir daí começamos a ajustar a tecnologia, melhorando a população de plantas para que não houvesse concorrência com o milho causando perdas para a cereal. Passamos a aprofundar as pesquisas em torno do consórcio, identificando as doses de herbicidas para o controle da população de plantas, época e distância de dessecação, entre outros fatores”, conta o pesquisador. Ele esclarece que era grande a desconfiança em torno da tecnologia. “Existia um preconceito enorme sobre a brachiária porque estávamos acostumados com a gramínea da integração com o gado, que são as brizantas e são diferentes, pois precisam de mais tempo para dessecação”, diz.

Um conceito que logo foi quebrado já que os ensaios começaram a mostrar que era possível produzir mais soja após a retirada da brachiária, e milho sem perdas estatisticamente significativas. “Na época, o produtor percebeu que o milho produzia um pouco menos, mas ao mesmo tempo a soja rendia mais, o que era viável para o sistema. Levando em consideração os benefícios para o solo e a produtividade da soja estava comprovado que valia a pena desenvolver a tecnologia. Perdia-se um pouquinho no milho consorciado, mas ganhava-se na soja e no próximo milho. Foi aí que publicamos um trabalho mostrando o retorno econômico das três safras [milho consorciado, soja e milho solteiro]”, observa Gessí.

ESPECIALIZAÇÃO MOTIVADA PELA EXPANSÃO

Com o passar dos anos, a notícia sobre as vantagens do sistema se espalhou e a tecnologia passou a ganhar mais adeptos. Em 2013, cerca 29% da área de plantio do Mato Grosso do Sul foi coberta com o consórcio. Em 2014, o número aumentou para 40%. Percentual repetido em 2015 e que só não será maior por não haver semente de brachiária disponível no mercado, uma vez que, outros Estados como Mato Grosso, Goiás, Maranhão, Piauí e Tocantins também aderiram ao sistema. “Como as áreas desses Estados são maiores do que as do MS, as empresas optaram por investir mais para atendê-los, o que causou a falta de semente no mercado. Mas, metade da área consorciada no Estado é uma expectativa boa. Espero que não cresça muito para não virar sucessão de soja e consórcio, precisamos alternar o sistema com o milho solteiro”, alerta Gessí.

A expansão da tecnologia, no entanto, obrigou as empresas de sementes a investir mais na qualidade do material, que exige o máximo de pureza, para não prejudicar a distribuição e estande da forrageira, quando consorciada com o milho. “A semente de brachiária deve ter a mínima impureza possível. Se não for, o agricultor percebe logo em seguida porque prejudica a distribuição uniforme das plantas. Por isso, assim como o consórcio, as empresas também se especializaram e oferecem sementes de qualidade, tanto de brachiária quanto de milho”, diz.

MARACAJU, O BERÇO DA TECNOLOGIA

Apesar de os primeiros ensaios terem sido realizados em Dourados, Bataiporã e São Gabriel do Oeste, foi em Maracaju, na região Sudoeste do Estado, que a tecnologia se aprimorou e passou a ser referência. Interessada no tema a Fundação MS, com sede no município, em parceria com a Embrapa, implantou o sistema e apresentou aos agricultores. Daí em diante o consórcio foi se expandindo e contribuindo de forma direta com a sustentabilidade da produção não apenas de grãos, mas também de carne. Os agropecuaristas passaram a produzir milho no inverno, engordar o gado na entressafra após o corte do cereal, e soja no verão. Um tripé produtivo e vantajoso para quem adotou.

Caso do cooperado Ake Bernhard Van Der Vinne, um holandês que migrou de Castro, na região dos campos gerais no Paraná, para o Mato Grosso do Sul há mais de 20 anos. Pioneiro na adoção da brachiária, ele lembra que já utilizava a forrageira no sistema de produção ainda no Paraná e quando chegou a Maracaju, em 1994, continuou a explorar a gramínea de forma menos tecnificada do que agora. “Não fazíamos o consórcio na época como é hoje. Semeávamos a brachiária depois que o milho estava com seis a sete semanas. Cheguei a jogar a semente com 30 dias após o plantio do milho. Achava que não prejudicava o milho, mas na verdade perdia em produtividade. Hoje, a tecnologia está aprimorada e só temos vantagens”, garante o agropecuarista, que utiliza tanto a brachiária solteira para pastoreio como em consórcio com o cereal, onde também forma massa para alimentação animal e para cobertura do solo. Na sequência, entra a soja.

SÓ VANTAGENS

Ake Bernhard Van Der Vinne é pioneiro na adoção da brachiária

Para Van Der Vinne, os benefícios são inúmeros, desde que a tecnologia seja bem manejada. “Se for bem feito é só vantagem. Quando se maneja bem a brachiária ela não prejudica a produção do milho e ainda forma uma excelente camada de massa para alimentação do rebanho e cobertura do solo, contribuindo para o plantio direto. Sem contar, que ajuda a segurar plantas daninhas, como a buva, por exemplo. A boiada, a soja e o solo agradecem”, brinca o produtor. Nos pouco mais de 100 alqueires cultivados com milho segunda safra na fazenda, 100% é consorciado com ruzizienses. Em outros 100 alqueires, a forrageira entra de forma solteira somente para alimentação do rebanho, num sistema rotacionado de 18 meses.

DIVISOR DE ÁGUAS

Na opinião do cooperado, a instalação da tecnologia em Maracaju já está marcada na história da agricultura da região. “Pena que alguns produtores ainda não fazem o sistema consorciado, mas acredito que sejam poucos. O maior desafio é convencer que não há perdas no milho. Quando bem feito, certamente não dá”, afirma.

AJUSTE FINO

Com o passar dos anos, a tecnologia foi ganhando ajustes necessários, que estão contribuindo diretamente para a melhoria e longevidade do sistema. O mais significativo e importante ocorreu na Fazenda Pejuçara, de propriedade do cooperado Celso Luiz Villani. Ele conta que em 2008 começou a fazer o consórcio com o mesmo objetivo dos produtores da região: diminuir o estresse hídrico provocado durante os veranicos. Daquele ano em diante a tecnologia foi testada de várias formas na busca por soluções que aperfeiçoassem o sistema. Foi aí que Celso e o filho Daison começaram a fazer o consórcio com a implantação de uma linha de brachiária e duas de milho, inovando a tecnologia. “Passamos a fazer isso na safra de 2012 e deu certo. Desta forma, a brachiária concorre menos com o milho e praticamente não existe perda. Mesmo com pouca população de plantas de brachiária, quando tiramos o milho ela se espalha rapidamente cobrindo o solo da mesma forma que o sistema tradicional”, argumenta.

CELSO VILANI E O FILHO DAISON INOVARAM A TECNOLOGIA AO IMPLANTAR NO CONSÓRCIO O SISTEMA DE UMA LINHA DE BRACHIÁRIA E DUAS DE MILHO

Braço direito do pai nos negócios, Daison Villani é agrônomo por formação e acompanha de perto o desenvolvimento das lavouras. Defensor da tecnologia, ele lembra que a brachiária além de todas as qualidades já citadas, também ajuda extrair fósforo retido no solo, liberando o mineral em forma de palha. “Sem contar que depois que começamos a trabalhar com ela, acabou a erosão nas nossas áreas”, conta cooperado que integra a 19ª turma de Jovens Líderes Cooperativistas da Coamo.

Ciente de que estão no caminho certo, Daison revela que as produtividades tanto de milho como de soja melhoraram depois da implantação da brachiária. “É significante o aumento de produtividade com a soja. Com o milho, nesse sistema de linha dupla não tivemos nenhuma perda de produção”, garante o cooperado, que junto com o pai faz 100% da área de 1.800 alqueires de plantio de milho no inverno consorciada com a brachiária ruzizienses.

BOM PARA PECUÁRIA E AGRICULTURA

TECNOLOGIA MUDOU A REALIDADE DA AGRICULTURA MARACAJUENSE, MANTENDO OS NÍVEIS DE PRODUTIVIDADE A CADA ANO

Para o cooperado Roberto de Oliveira Silva Junior, proprietário da Estância Maracaju, o consórcio proporciona o aumento do nível de segurança para o desenvolvimento da atividade agrícola, principalmente porque a região é de constante veranico. “Não temos mais altos e baixos. Estamos produzindo sempre na média. Nossa necessidade é fazer muita palha devido as altas temperaturas. A tecnologia chegou para resolver um grande problema que tínhamos que era a falta de cobertura no solo”, comemora.

Cooperado Roberto Oliveira Silva com o filho Roberto Neto

Implantado em pequenas áreas da fazenda em 2008, o sistema hoje ocupa 100% dos 780 alqueires de milho da propriedade em forma de consórcio com o milho de segunda safra. Conforme Roberto, o início foi difícil e cercado de dúvidas, que com o passar dos anos foram sendo esclarecidas, facilitando o trabalho e o desenvolvimento da tecnologia. “No começo não sabíamos a quantidade de quilos de brachiária por alqueire, mas com o ajuste que a Embrapa e Fundação MS possibilitaram hoje sabemos exatamente o que fazer”, diz.

Segundo Roberto Silva Junior, havia no início uma desconfiança relacionada a perdas com o milho, especialmente em invernos secos, que sofria estresse por conta da presença da brachiáira. Um temor que foi superado pelo ajuste do sistema e que já não existe. “Mesmo que hajam perdas, o rendimento da soja no verão compensa”, afirma Roberto, lembrando que a forrageira também contribui com a supressão de plantas daninhas. “Ela tem um efeito de controle muito grande sobre a buva por exemplo. O que ajuda na diminuição de custos.”

Agropecuarista por tradição, o cooperado também produz bois e faz da brachiária uma das principais fontes de alimentação do rebanho no período mais crítico do ano, onde geralmente as pastagens perenes estão degradadas e com falta de massa. “Isso não acontece com a brachiária. Aqui na fazenda pelo menos não. Para se ter uma ideia, estamos terminando nossos bois na brachiária com um excelente resultado. O ganho é de em média duas arrobas por animal num espaço de 90 dias, basicamente à base dessa gramínea”, garante.

PRATO PRINCIPAL

Nos últimos dez anos, a forrageira se tornou indispensável para o sistema de produção, melhorando os resultados da agricultura e pecuária

Eduardo Nascimento: não faltam motivos para adoção à tecnologia

São muitos os exemplos de utilização do consórcio milho com brachiária na região de Maracaju. A gramínea é ferramenta indispensável para os produtores maracajuenses, considerados pioneiros na aplicação, ajuste e desenvolvimento do consórcio, alicerçados pelo conhecimento científico de técnicos da Embrapa Agropecuária Oeste e Fundação MS. Parceria e coragem elogiada pelo agrônomo Eduardo Xavier do Nascimento, encarregado do Departamento de Assistência Técnica da Coamo em Maracaju. “Estão todos de parabéns pela iniciativa. Foi um início difícil até adequar a tecnologia, mas hoje, todos estão colhendo os frutos”, comenta Nascimento. Ele informa que dos 85 mil alqueires de área de milho safrinha cultivados em Maracaju anualmente, aproximadamente de 70 a 80% é consorciado com brachiária.

QUANDO MENOS É MAIS

Na opinião do técnico da Coamo não faltam motivos para adoção à tecnologia. Conforme Eduardo Nascimento, é justamente nos períodos de pouca chuva e clima irregular que a brachiária mostra sua capacidade de agregação ao sistema produtivo. “Além do controle de plantas daninhas, por ter a cobertura do solo praticamente o ano todo, ela proporciona aumento de matéria orgânica e a umidade do solo interferindo positivamente em vários fatores. Quando chove menos é que vemos a importância da formação da palhada, que ajuda a manter a soja vigorosa por mais tempo mesmo com seca”, explica. “Mas, é preciso ter cuidado para não adquirir sementes contaminadas, com muita impureza, como já ocorreu aqui na região e acabou desanimando alguns produtores”, conclui o agrônomo.

ÁREA AMPLIADA NA REGIÃO DA COAMO

Na região da Coamo, que compreende os Estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, a tecnologia se espalhou depois que foi apresentada no tradicional Encontro de Verão, realizado anualmente na estação experimental da cooperativa. De lá para cá, muitos produtores aderiram à tecnologia, apostando no equilíbrio do sistema produtivo oferecido pela brachiária. Para se ter uma ideia, hoje são 5.948,75 hectares (2.458,16 alqueires), de consórcio com a gramínea explorados pelos cooperados, especialmente no Oeste do Paraná e em Mato Grosso do Sul. “Isso somente nas áreas consorciadas e financiadas que temos registros. Sem contar, as que não adquiriram financiamento e as áreas com brachiária solteira”, explica o engenheiro agrônomo Lucas Esperandino, supervisor de Assistência Técnica da Coamo.
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