Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 483 | Agosto de 2018 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

“Saída é fazer o manejo integrado e saber administrar o problema das plantas daninhas”

Dionísio Luiz Pisas Gazziero, engenheiro agrônomo e pesquisador na área de Plantas Daninhas da Embrapa

“O pesquisador brasileiro possui boa formação, alto conhecimento e muita criatividade. Nossa pesquisa assemelha-se a de países desenvolvidos e destaco o reconhecimento que temos também no exterior.” A afirmação é de Dionísio Luiz Pisas Gazziero, engenheiro agrônomo e pesquisador na área de Plantas Daninhas da Embrapa.


Revista Coamo: Qual a importância do trabalho da Embrapa em face do desenvolvimento da pesquisa agronômica brasileira?

Dionísio Luiz Pisas Gazziero: A Embrapa além de fazer suas próprias pesquisas interage e apoia as instituições estaduais como o Iapar, as universidades e as pesquisas realizadas pelas cooperativas. Temos uma importante rede de pesquisa em parceria, o que permitiu não só apoiar nossos agricultores, mas também receber o reconhecimento sobre a importância da pesquisa agrícola brasileira para o desenvolvimento do país, nos últimos 40 anos.


RC: Em que nível está a pesquisa agronômica brasileira em comparação com as de outros países?

Gazziero: O Brasil é um grande produtor de alimentos e, cada vez mais, se espera que possamos ajudar a garantir a produção para o mundo. Isso foi possível graças aos nossos agricultores e as pesquisas desenvolvidas em nosso país, não só pela Embrapa, mas também pelas empresas e universidades públicas e privadas. Além disso, as informações aqui geradas são importantes para ajudar países mais pobres que não dispõe de uma rede de pesquisa como temos no Brasil.


RC: Muitas plantas daninhas tidas como controladas no passado estão voltando, causando prejuízos e se tornando resistentes. O que fez com que isso acontecesse?

Gazziero: Os mais velhos ainda se lembram de como era difícil e complicado fazer o controle das plantas daninhas na soja convencional. Naquela época já existiam problemas com a resistência de picão-preto, amendoim-bravo, capim-marmelada entre outras.  Depois da chegada da soja transgênica resistente ao glifosato tudo mudou e ficou muito mais fácil. De uma hora para outra os problemas com as plantas daninhas desapareceram. Falava-se que não precisávamos mais fazer manejo, pois era só aplicar glifosato e tudo estava resolvido. Mas, a natureza é mais esperta que nós. Mesmo que uma espécie seja sensível a um produto, pode existir no meio da população um indivíduo que é resistente. Ele acaba sendo selecionado e não morre com a aplicação, produzindo sementes e se multiplicando na área. Depois de um tempo todos os biótipos sensíveis desaparecem e sobrevivem os resistentes. Nesse meio tempo, as colhedeiras e o vento se encarregam de espalhar para toda a vizinhança e região. Ou seja, o uso continuado do mesmo produto selecionou plantas resistentes. Assim, o problema foi causado pelo homem, que não sabe utilizar de forma adequada as tecnologias colocadas ao se dispor. O que aconteceu com a resistência aos herbicidas na soja convencional, voltou a acontecer na resistente ao glifosato. Não aprendemos com nossos erros anteriores.


RC: O que o produtor deve fazer para que isso não aconteça com as plantas que ainda são de fácil controle?

Gazziero: A saída é fazer o manejo integrado. Costumo dizer que o manejo integrado é uma filosofia de trabalho. Ou seja, é ter uma forma diferente de pensar, é ter sabedoria, conhecimento e assim resolver o problema. Manejar significa saber administrar o problema das plantas daninhas. O que é bem diferente de simplesmente aplicar continuadamente um mesmo produto. Veja o caso do glifosato. Utiliza-se glifosato na dessecação de pré-semeadura, no milho, na soja. Geralmente se aplica três a cinco vezes ao ano esse mesmo produto na mesma área. No manejo integrado você continua usando glifosato, porém, sempre que possível, substitui por outro. Se não for possível substituir é necessário fazer combinação com outros produtos de diferentes mecanismos de ação. Sempre que possível faz-se rotação de culturas, pelo menos no inverno. Usa-se espécies que produzem uma boa cobertura do solo como a aveia, o trigo, a braquiária ou qualquer outra. Para manejar é preciso planejar, é preciso prevenir, se dispor a pensar e agir sobre como não deixar que as plantas daninhas tomem conta da área de produção. É não pensar apenas no controle químico, mas sim em integrar com todas as alternativas possíveis, inclusive fazendo a agricultura e a pecuária na mesma área, em rotação, quando possível. Costumamos dizer que uma boa palhada pode ser melhor que muitos herbicidas. Enfim, precisamos dar mais atenção para os prejuízos causados pelas plantas daninhas e aprender a conviver com elas.


RC: Uma mesma planta que pode ser aliada do produtor, também, pode ser um problema. Qual deve ser o tratamento e o manejo com essa planta para que não se torne daninha e de difícil controle?

Gazziero: Azevém e aveia podem ser exemplos da sua pergunta. São espécies importantes na nossa agricultura e que nos ajudam a controlar outras espécies. Mas para muitos agricultores estas espécies estão se tornado um problema devido à resistência aos herbicidas. A solução passa pela prevenção, depois por não deixar o problema crescer na sua área e por segurar ao máximo o banco de sementes e a sua multiplicação. É preciso também trabalhar com culturas e produtos que possam ajudar no controle. Por isso eu destaco a importância do agricultor ir ao entreposto conversar com o técnico para buscar a saída mais viável. 


RC: Como avalia o controle no período de entressafra?

Gazziero: A entressafra é uma ótima oportunidade para fazermos bons controles e manter a área livre das plantas daninhas. Quando deixamos a área infestar na entressafra ou quando deixamos que as plantas cresçam demais, tudo se complica.  Plantas daninhas se multiplicam de forma impressionante. Uma única planta, depois de poucos meses, pode produzir 1000, 10.000, 100.000 sementes ou até mais, e, em pouco tempo podem tomar conta da área de produção.  Por isso, recomendo que o agricultor dê uma atenção especial ao banco de sementes e não deixe que as plantas se multipliquem, o que ocorre comumente na entressafra. Geralmente é nesse período que ocorre multiplicação das plantas daninhas. Nós precisamos ocupar o espaço e não deixar que elas ocupem.

SOBRE O ENTREVISTADO

Dionísio Luiz Pisas Gazziero é formado pela Universidade Federal Paraná desde dezembro de 1974. Em março de 1976, ele ingressou na Embrapa como pesquisador na área de Plantas Daninhas. Possui mestrado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1980) e doutorado pela Universidade Estadual de Londrina (2003). Foi consultor da FAO para América Latina e Caribe, no Grupo do Melhoramento do Manejo de Plantas Daninhas e coordenador nacional do Programa IICA/BID/PROCISUR.

Gazziero foi presidente da Sociedade Brasileira da Ciência das Plantas Daninhas, presidente da Associação dos Engenheiros Agrônomos de Londrina (AEA-LD), da Federação dos Engenheiros Agrônomos do Paraná (FEA/PR), conselheiro e diretor do CREA – PR. Recebeu o prêmio Profissional do Ano pelo CREA-PR em 2013, o prêmio de melhor trabalho científico da Revista Planta Daninha no período de 2014-2016, e tese de mestrado premiada pela Sociedade Brasileira de Plantas Daninhas.

Possui inúmeros trabalhos e capítulos de livros publicados no Brasil e no exterior. Atualmente além dos trabalhos na área de manejo integrado de plantas, também, é conselheiro do CREA-PR e diretor de Política Profissional da Associação dos Engenheiros Agrônomos do Paraná. 


RC: Para a área de manejo de plantas daninhas, o que deve se esperar da pesquisa para os próximos anos? Como o produtor rural pode ser um aliado nesse processo?

Gazziero: Há mais de duas décadas não chega no mercado produtos com novos mecanismos de ação. Antes de 2025, provavelmente, não teremos novidades nesse campo. Assim, temos que cuidar dos nossos velhos produtos. Novas tecnologias como a Soja Enlist e a Soja Dicamba estão a caminho, mas apenas para o controle de folhas largas. A soja LL já chegou. Rotacionar tecnologias será importante, mas exigirá muito planejamento. A nossa preocupação é principalmente com as gramíneas.  Com a seleção de biótipos resistentes de capim-amargoso ao glifosato passamos a usar de forma intensa os graminicidas pós-emergentes. Corremos o risco de resistências múltiplas e de perder esses produtos. Temos que pensar em usar pré-emergentes como uma ferramenta de controle. O controle de plantas daninhas está ficando tão difícil quanto era na soja convencional. Por isso, o agricultor precisa interagir muito com o seu técnico, para encontrar a melhor forma de conviver com as plantas infestantes. É importante comentar que essa facilidade que vivemos com o glifosato já acabou para muitos. Para os que ainda não tem graves problemas recomendo que fiquem atentos. Temos que ter em mente que não existe receita pronta, e que é preciso fazer o diagnóstico e a receita por propriedade.


RC: A Coamo se preocupa com o desenvolvimento tecnológico dos cooperados e tem importante trabalho na sua Fazenda Experimental. Nesse cenário, que impactos os trabalhos de pesquisa têm tido no Brasil?

Gazziero: A Coamo tem uma importante parceira com a Embrapa, com o Iapar, com as Universidades, Fundação Meridional e com todas as empresas que se interessam no desenvolvimento de novas tecnologias. Na medida em que ela se preocupa com o desenvolvimento tecnológico dos cooperados, garante a eles mais segurança e estabilidade na produção. Além disso, gera uma riqueza de informações que são reconhecidas fora da Cooperativa. Prova disso é que os técnicos da Coamo são sempre convidados a participar dos grandes debates técnicos, como aconteceu recentemente no Congresso Brasileiro de Soja.  


RC: Pela Fazenda Experimental da Coamo passam pesquisadores de diversos institutos de pesquisa do país. Como avalia essa troca de informações entre a Coamo, cooperados e pesquisadores?

Gazziero: Costumo participar dos dias de campo que a Coamo faz para os cooperados e a troca de experiência entre os pesquisadores, técnicos da Coamo e os agricultores sempre resulta em ganho de conhecimento para todos. Eles aprendem conosco e nós aprendemos com eles. Isso é importante para todos nós que trabalhamos para gerar informações aos agricultores.

Dionísio Gazziero sempre participa dos eventos técnicos realizados pela Coamo

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