Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 463 | Outubro de 2016 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

“A OCEPAR É UMA INDUTORA DE INOVAÇÃO NA FORMA DE PENSAR E DESENVOLVER O COOPERATIVISMO”

PERFIL

Filho de imigrantes alemães, paranaense nascido em Guaraqueçaba, Guntolf  van Kaick formou-se engenheiro agrônomo pela Universidade Federal do Paraná em 1959, e passou a atuar na extensão rural, inicialmente na Acaresc (Associação de Crédito e Assistência Rural de Santa Catarina).  Em 1964, aceitou o convite para trabalhar na cooperativa Cotia, e anos depois, participou da reestruturação do cooperativismo, nos projetos de integração e na fundação da nova entidade representativa do segmento.


No dia 2 de abril de 1971, o então chefe do Departamento Técnico Agropecuário da cooperativa Cotia, Guntolf van Kaick, participava da histórica assembleia de fundação da Ocepar. “Fui eleito por consenso, o que foi uma surpresa para mim, pois não tinha qualquer ambição e pretensão de ser presidente, foi uma questão circunstancial”, lembra van Kaick, que aos 35 anos de idade assumiu a responsabilidade de conduzir os desígnios da recém-nascida organização. Responsabilidade que reassumiria em outros três mandatos: 1973/1975;1981/1983 e 1984/1986.


Revista Coamo: Como iniciou sua trajetória no cooperativismo?

Guntolf van Kaick: Minha vida dentro do cooperativismo começou em 1964, quando fui convidado a trabalhar como agrônomo na Cooperativa Agrícola de Cotia, no interior de São Paulo. Mais tarde, já em Curitiba, assumi a chefia do Departamento Técnico da Cotia Sul do Paraná, e atuava também como assessor do presidente da Cotia Central, representando a cooperativa em eventos e reuniões com os órgãos públicos. No fim da década de 60 teve início o trabalho de reestruturação do cooperativismo do Paraná, mudanças incentivadas por várias instituições como Acarpa (Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná), DAC (Departamento de Assistência ao Cooperativismo da Secretaria de Agricultura do Paraná), BNCC (Banco Nacional de Crédito Cooperativo), Ctrin (Comissão de Compra de Trigo Nacional). Representando a Cotia participei de vários debates e fóruns, os quais deliberaram a necessidade de constituição de representação do cooperativismo. Na época, as organizações representativas tinham atuação limitada e dirigidas a setores específicos como lácteos e erva-mate, e o cooperativismo estava desarticulado.  


RC: A reestruturação pretendia organizar as cooperativas em áreas de ação?

van Kaick: Os órgãos que davam suporte as políticas públicas de desenvolvimento da agricultura buscavam transformar o cooperativismo, em atenção à nova lei cooperativista, que seria aprovada em 1971, para um cooperativismo forte e saudável, com apoio do governo. Então se partiu para um projeto piloto de integração, que atingia as regiões Oeste e Sudoeste do Paraná: o Projeto Iguaçu de Cooperativismo (PIC). Foram elaborados procedimentos para serem aplicados a essas regiões, com o intuito de fazer uma inovação total e um saneamento da estrutura cooperativista, para que as cooperativas fossem responsáveis pela organização dos produtores e da produção no lugar de sua jurisdição. Foi estabelecido um acordo de cavalheiros, no qual uma cooperativa seria responsável por um município e no máximo por municípios circunvizinhos, ou seja, delimitou-se a área de ação e de responsabilidade. Antes não havia limites, pequenas cidades tinham três, quatro cooperativas atuando no mesmo setor. Resolvendo disciplinar os procedimentos para criar cooperativas viáveis e fortes.


RC: Como ocorreu a histórica assembleia de fundação da Ocepar?

van Kaick: Foi em 2 de abril de 1971, um dia de sol em Curitiba, estava tudo pronto para a criação da Ocepar. Mais de 80 pessoas participaram da assembleia, com a presença de representantes de cooperativas e de órgãos governamentais. Eu estava presente na reunião representando a cooperativa Cotia, que ocorreu na Cooperativa Agro-mate, uma Central que tinha um auditório adequado para a assembleia.


RC: O senhor saiu da assembleia eleito presidente da recém-fundada Ocepar?  

van Kaick: O candidato previamente escolhido para assumir a presidência não compareceu e eu fui eleito por consenso. Foi uma surpresa porque não esperava e não tinha qualquer ambição e pretensão nesse sentido, foi uma questão circunstancial. Então assumi a responsabilidade de conduzir os desígnios da Ocepar. Não havia nada, começamos da estaca zero. No dia seguinte tivemos outra iniciativa importante, já discutida pelos órgãos governamentais e cooperativas, na qual entrava a figura da Fundação Friedrich Naumann - instituição alemã que se propunha a aplicar recursos para o desenvolvimento principalmente do que se convencionou chamar de autogestão das cooperativas, um processo de revisão e auditorias feitas pelo próprio sistema junto a suas cooperativas com o intuito de ter uma ação preventiva na gestão. Naquele dia, 3 de abril, foi fundada a Assocep (Associação de Orientação de Cooperativas do Estado do Paraná), com a presença de representantes da Fundação Naumann, que depois destinou recursos para que fossem realizados os primeiros treinamentos, os trainees para serem gestores das cooperativas e também a contratação dos primeiros auditores desse sistema. A Assocep funcionava junto com a Ocepar, entidades distintas mas que habitavam o mesmo espaço.


RC: Desde o início a Ocepar se preocupou com a autogestão do Sistema?

van Kaick: A autogestão faz parte do DNA da Ocepar, desde o primeiro momento ela adotou como filosofia a necessidade de ter essa estrutura de revisão dos procedimentos de gestão, não com o intuito de fiscalizar os atos dos dirigentes, mas sim servir como suporte, apoio técnico e consultivo dos gestores, que normalmente não tinha formação acadêmica. Eram representantes dos associados e agricultores, pessoas de destaque dentro de sua coletividade, mas que não tinham o preparo acadêmico que muitas vezes a função exigia para o bom desempenho da gestão.


RC: A experiência paranaense foi decisiva para o fim da tutela do governo sobre o cooperativismo e levado a Assembleia Constituinte em 1986?

van Kaick: A questão da liberação da tutela do Estado se fez através de várias experiências que aconteceram no Paraná. Em primeiro lugar, a fundação da Assocep, a caminhada dela, uma entidade paralela à Ocepar e que fazia auditorias e revisões, um modelo inovador para o cooperativismo. Essa experiência foi importante e contribuiu para o fim da tutela do governo, alforria conquistada pelo cooperativismo com a promulgação da Constituição de 1988.


RC: A criação do Departamento de Pesquisa da Ocepar fortaleceu a entidade?

van Kaick: Deu o impulso financeiro para o desenvolvimento da Ocepar profissionalizada. Passamos a ser os gestores dos recursos do Fundo de Pesquisa do Trigo, arrecadados pela Ctrin (Comissão de Compra do Trigo Nacional). Como gestores, tínhamos uma taxa de administração do Fundo. Foi o grande diferencial no tocante às receitas permitindo o desenvolvimento profissional da Ocepar.  As cooperativas entenderam que era preciso partir para a pesquisa própria, como fazia o Rio Grande do Sul. Criamos o departamento de pesquisa da Ocepar, no início no Norte do Paraná, numa área cedida pela cooperativa Cotia, em Cambé. Mais tarde, adquirimos uma área de cerca de 100 alqueires em Cascavel e implantamos o centro de pesquisas, ampliando mais tarde com outra área em Palotina. O centro de pesquisa da Ocepar foi um projeto que deu certo. Foi fantástica a contribuição da Coodetec para o desenvolvimento da pesquisa agronômica.


RC: Como aconteceu a criação do Sescoop?

van Kaick: Na condição de categoria econômica teríamos que ter também uma entidade do Sistema “S”. Na década de 90 houve a grande crise da agropecuária, decorrente da utilização da agricultura como âncora para sustentar o Plano Real, fazendo com que cooperados e cooperativas contraíssem pesadas dívidas, ampliadas por um reajuste elevadíssimo da TR. Haviam cessado também o suporte do Governo Federal para o preço mínimo e financiamentos. O governo concordou em negociar medidas para a recuperação do setor, por meio do Recoop (Programa de Revitalização de Cooperativas de Produção Agropecuária). Em decorrência do Recoop surgiu a questão da autogestão, considerada fundamental para fazer o acompanhamento das cooperativas que seriam refinanciadas com recursos públicos para recuperar o seu passivo. O governo concordou em criar o Sescoop, com o objetivo de atuar também na formação e qualificação profissional do setor.


RC: Quais fatores explicam a evolução da Ocepar?

van Kaick: A Ocepar foi indutora de um processo de inovação em todos os campos. Inovação na forma de pensar o cooperativismo, na forma de desenvolvê-lo, um cooperativismo baseado nos princípios e na ética, na responsabilidade, esse foi o grande diferencial. Defensora das cooperativas, propôs ações modernizantes para o setor, como foi o caso da autogestão e do Sescoop, que deram impulso ao processo de qualificação de nossos cooperados, dirigentes e colaboradores. Outro diferencial para a Ocepar foi ter um bom programa, e trabalhar para desenvolvê-lo com responsabilidade, dedicação, e o comprometimento de todas as partes, cooperados, dirigentes e representantes das cooperativas dentro da entidade, na Assocep e no Sescoop.


RC: Qual sua mensagem para osassociados da Coamo?

van Kaick: De esperança e confiança, e também de congratulações pela cooperativa bem administrada que vocês têm e devem se orgulhar por esses bons resultados ao longo dos seus 46 anos. Sejam felizes, pois o cooperativismo tem a missão de promover a felicidade para seus associados e colaboradores.

Guntolf Van Kaick, na inauguração da Ocepar, em 1971, ao lado do governador Jaime Canet Júnior e do ministro da Agricultura Allyson Paolinelli
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