Coamo Agroindustrial Cooperativa | Edição 457 | Abril de 2016 | Campo Mourão - Paraná

ENTREVISTA

"CRIAÇÃO DA EMBRAPA FOI A CERTEZA DE QUE O BRASIL LEVOU A SÉRIO O CONHECIMENTO E A INOVAÇÃO

 

PERFIL

Mineiro de Bambuí, engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Lavras (MG), Alysson Paolinelli é produtor rural, foi ministro da Agricultura no governo Ernesto Geisel de 15 de março de 1974 a 15 de março de 1979. Presidiu a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), deputado federal por Minas Gerais nas eleições de 1986, fez parte da Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88. Atual presidente da Associação Brasileira de Milho (Abramilho). Em setembro de 1976 esteve em Campo Mourão onde lançou juntamente com o governador do Paraná, Jaime Canet Júnior e o presidente da Coamo, José Aroldo Gallassini, o Plano Nacional de Conservação de Solos (PNCS), na praça Bento Munhoz da Rocha Neto, local onde foi construído um monumento alusivo ao evento que completa 40 anos em 2016.

O produtor brasileiro sempre fez um grande esforço para aprender, captar inovações e ser mais produtivo. Vamos fazer a nossa parte e sair desta grave crise, com competência e colocar o sistema produtivo em uma grande conjugação de esforços para recuperar os estragos”, afirma Alysson Paolinelli, ex-ministro da Agricultura e presidente da Associação Brasileira de Milho (Abramilho). Segundo ele, há muitas diferenças entre a sua época de ministro e os dias atuais, elogiando o serviço de extensão rural, quando programas funcionavam e as políticas públicas chegavam ao produtor. Paolinelli fala na Entrevista do mês à Revista Coamo sobre a realidade atual da agricultura, o mercado de milho e o cenário político-econômico do país.

Revista Coamo: Como o senhor se define?

Alysson Paolinelli: Agradeço a oportunidade que esta cooperativa me dá por meio deste importante canal de comunicação, pois a Coamo muito nos honra e dignifica. Com ela aprendi sempre na minha vida profissional. Sou um velho professor aposentado, um engenheiro agrônomo teimoso, e gosto muito de aprender a cada novo dia. A Coamo tem sido uma bela lição. Tenho pelo Gallassini uma admiração profunda e a certeza de que, enquanto existir organizações como esta, o agronegócio não vai perder a liderança conquistada no mercado internacional e a capacidade interna de produzir. 

RC: O senhor foi ministro da Agricultura no início da década de 70 no governo Geisel, tem muita diferença entre àquela época e a atual?

Paolinelli: Sim, tem e muito, são profundas diferenças, inclusive notórias. Naquela época tínhamos um problema muito sério que era o do abastecimento. Importávamos um terço do que consumíamos, cerca de  80% , 90% do trigo, 50% do leite e 30% da carne, e até uma parcela de arroz, feijão, milho e o de frango, que se comia quando um dos dois estava doente, ou o dono ou o frango. Hoje, as coisas mudaram. O agricultor precisava compreender e aprender manejar seus biomas tropicais. A criação da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –, as novas universidades, instituições estaduais, como, por exemplo, o Iapar – Instituto Agrônomico do Paraná -,  denotou um grande esforço do produtor brasileiro em captar a inovações  viáveis. O serviço de extensão criou programas que funcionaram e as políticas públicas  chegavam ao produtor.  Não era esta incerteza de hoje, tínhamos preços mínimos,  financiamentos. Essa modificação foi um esforço em prol do produtor brasileiro. Aproveitando as benesses de uma evolução que tivemos, fizemos uma agricultura tropical competitiva, com seriedade e confiança entre o governo e a classe produtora.

RC: Como o senhor observa o cenário atual?

Paolinelli: O Brasil chegou ao limite, precisa inovar e passar a limpo por tantos erros e tristezas, tem que ter ação política com firmeza ideológica e transparência na gestão pública, e banir de vez a safadeza, o roubo e a ladroagem. O país tomou consciência que não pode persistir da forma que vinha caminhando. Vamos passar por transformações, com necessidade de um diálogo político com a sociedade e as classes produtoras.

RC: Olhando para trás, qual é o sentimento de na sua gestão ter criado a Embrapa?

Paolinelli: Foi fundamental, porque a criação da Embrapa foi a certeza de que o Brasil levou a sério essa questão de conhecimento e inovação. É verdade que muitas foram as dificuldades, mandamos mais de 1.500 técnicos para o exterior para conhecer a ciência no mais alto grau em que se encontrava. Todos eles estavam comprometidos em trazer conhecimento para produção em suas bases com tecnologia e inovação no bioma brasileiro. Penso que a Embrapa surgiu com inspiração e foi a chave para a revolução da agricultura do nosso país. 

RC: O senhor esteve há 40 anos em Campo Mourão para lançar um programa nacional de conservação de solos. Como foi?

Paolinelli: Lembro bem desse dia, foi no mês de setembro em 1976, foi para lançar o PNCS – Plano Nacional de Conservação de Solos, tinham até construído um obelisco para o evento, mas deu uma chuva tão forte que fomos correndo para um barracão, um armazém na Coamo. Fiquei em cima de uma pilha de sacos de soja e atrás tinha uma pilha alta e uma bandeira nacional. Disse na época ´que enquanto a bandeira nacional estiver sustentada por uma pilha muito alta como essa, de produção de alimentos, o Brasil nunca será um país fraco.´ E é essa bandeira, a da produção de alimentos que vem sustentando e alavancando a nossa economia. O PNCS foi um programa muito importante e promoveu  desenvolvimento aos nossos agricultores.  

RC: O senhor considera este programa como um marco?

Paolinelli: Foi importante sim, mas o produtor já vinha fazendo um grande esforço na conservação de solos com o plantio direto, que na época havia sido criado há poucos anos, com os trabalhos de curvas de nível, depois veio o estudo com microbacias e a integração. Foi uma boa oportunidade de mostrar o cuidado do produtor brasileiro com aquilo que ele considera como mais sagrado, o solo. O solo é um  empréstimo que fazemos do futuro para não degradá-lo hoje e devolver  melhor. 

RC: Como dirigente da Abramilho, como é o trabalho para organizar a cadeia deste cereal e os desafios dos mercado interno e externo?

Paolinelli: A preocupação é muito grande, é um fato inexorável, o milho é o cereal que será mais demandado nos próximos 40 anos, e isso está demonstrado por órgãos como a FAO, OEA e ONU, mas também pelos países populosos que estão conseguindo avanços econômicos nas rendas familiares. A demanda vem crescendo. A FAO reviu sua projeção anterior e calculando o PIB médio mundial verificamos que os países com maior população e dificuldades de abastecimento estão  crescendo 6% a mais na média por ano – China, índia e África são grandes demandadores de milho para alimentação humana. Estamos certos de que o milho é uma proteína nobre e fundamental para o processo alimentar mundial.

RC: Qual a visão do mercado e as perspectivas de expansão do Brasil como produtor de milho?

Paolinelli: As famílias aumentam sua renda e praticamente dobram o consumo de proteínas nobre, com 30% de soja e 70% milho. Fizemos um estudo internacional e o único país que pode garantir esta expansão na oferta de milho é o Brasil. Os  EUA compram milho do Brasil para abastecer o

RC: Qual a sua visão do cooperativismo como agente de desenvolvimento do produtor? seu programa de etanol. A Europa e os concorrentes são demandadores, importam o cereal, e o nosso milho é o melhor deles no mercado. Há dois anos e meio contratamos técnicos para estudar a necessidade da evolução da lavoura de milho no Brasil e oferecemos sugestões ao governo, que infelizmente, ainda não se pronunciou. O governo fica apenas lançando planos safras absolutamente irreais, sem consistência  naquilo que é o mais importante. O mercado brasileiro precisa garantir e ganhar, e decidir se exportamos e atendemos a demanda do mercado externo ou mantemos a produção nacional. O Brasil tinha que produzir e ultrapassar as 82/85 milhões de toneladas e avançar para 100, 120, 150 milhões de toneladas, e o consumo não poderia ser de 55, mas de 70 milhões de toneladas.  Estamos assustados com a demagogia de hoje, de fazer planos que não atendem as particularidades de cada produto. O milho do Brasil é a chave para atender a demanda mundial que é crescente, com estimativa produtiva a mais de 370 milhões de toneladas, e podemos responder por 40% deste total. Esta é a visão que tenho, a Abramilho não é comercializadora, mas  deve ser indutora deste processo de crescimento.

Paolinelli: Vejo o sistema como fundamental. O cooperativismo é uma forma racional e inteligente de promover a integração e participação de pequenos, médios e grandes produtores, em clima de integração para competir nos mercados nacional e internacional. Fico entusiasmado com o cooperativismo do Paraná, com esta liderança fabulosa onde cooperativas exercem um papel brilhante. Parabenizo esta evolução que deve evoluir para o Brasil inteiro, com racionalização da produção, processamento e incorporação do valor ao produto e principalmente a melhoria de renda da família brasileira.

RC: Deixe sua mensagem aos cooperados da Coamo.

Paolinelli: Vivemos uma grande crise, isto é muito triste e nos preocupa. Vemos um país em uma derrocada, é triste ver o Brasil ser chamado de o país da corrupção, muitos lá fora não acreditam nesse país. Mas, nós devemos acreditar. Este momento é de grande importância, é o da retomada da confiança e do orgulho. Vamos fazer a nossa parte e sair da crise com competência e colocar o sistema produtivo em uma grande conjugação de esforços para recuperar os estragos. O setor agropecuário é a garantia de saída e pode ajudar a salvar o país dessa crise econômica e moral. Precisamos de todos juntos participando desta nova etapa que ressurge para ver o Brasil se encontrar e ser uma força a nível mundial.

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